15 de novembro de 2017

Fátima: "Rezai o Rosário todos os dias"

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Em Portugal chama-se terço, o que nos demais países se chama Rosário. O que nós rezávamos, de facto, era um terço do Rosário que completo seriam três terços, somando o total de 150 Ave Marias. 150 são também o número de Salmos, do livro com o mesmo nome, que faz parte da literatura sapiencial do Antigo Testamento.

De aí alguém dizer que o rosário completo era o breviário do povo ou dos leigos que não podiam como os clérigos e os religiosos rezar a salmodia.

O rosário completo eram, portanto, três terços que se rezavam meditando no primeiro os Mistérios Gozosos, que correspondiam ao nascimento e infância de Jesus: no segundo os mistérios Dolorosos, que correspondiam à Sua Paixão e Morte: no terceiro os mistérios Gloriosos que correspondiam à sua Ressurreição e Ascensão aos Céus.

A Igreja tardou em descobrir que o Rosário estava incompleto com tão só a meditação dos mistérios da encarnação nascimento, paixão e morte e Ressurreição do Senhor. Faltava a vida pública na qual Jesus de Nazaré, pela sua pregação, as suas atitudes e forma de viver e atuar, modela para nós o homem novo, aquele que é caminho verdade e vida para todo o ser humano.

Com a criação e integração dos Mistérios Luminosos pelo Papa João Paulo II numa carta apostólica intitulada Rosarium Virginis Mariae, escrita em 2002, a lógica dos três terços serem um Rosário completo desfez-se. O Rosário completo são agora quatro “terços” de 50 Avé Marias cada um fazendo o total de 200 e não de 150 como era antes.

Em concordância com esta nova realidade, ao que antes chamávamos “Terço”, deveríamos agora chamar Quarto, pois ao incluir a vida pública de Jesus nos Mistérios Luminosos, são agora quatro os mistérios a contemplar. Como não vamos rebatizar o “Terço de “Quarto”, o melhor seria abandonarmos esta palavra, e, no seu lugar, como o resto da cristandade sempre fez, usar a palavra Rosário.

A Composição do Rosário
Chama-se “Rosário”, porque as 150, agora 200, ave-marias, entrelaçadas em grupos de 10, com a oração do Pai Nosso, do Glória e as meditações dos mistérios da vida de Jesus, e da nossa redenção, formam uma “Coroa de Rosas”, que se oferece a Maria, Mãe do Senhor e nossa Mãe.

Os vinte mistérios da vida do Senhor repartem-se em quatro series de 5 mistérios cada uma. Em cada Rosário, rezamos apenas os cinco mistérios de uma destas series:

Nos Mistérios Gozosos, meditamos o começo da redenção da humanidade, desde a anunciação a Maria, e a encarnação do filho de Deus no seu seio, até à adolescência de Jesus.

Nos Mistérios Luminosos, meditamos os momentos mais importantes da vida pública de Jesus, desde a sua investidura no Batismo até à instituição da Eucaristia como memorial da sua paixão. É nos anos da Sua vida pública que Jesus verdadeiramente, se revela como sendo a Luz do Mundo (Jo 8, 12), pelas suas atitudes ante as mais diversas situações da vida em que se foi encontrando, pela doutrina que ensinou, e pelos seus atos.

Nos Mistérios Dolorosos, meditamos o processo a paixão e morte de Jesus, desde a sua agonia no jardim das Oliveiras até ao ultimo suspiro no alto da cruz. Quando dizemos que Jesus morreu pelos nossos pecados, quer dizer que saldou a dívida que nós eramos incapazes de pagar; mas também quer dizer que os pecados dos que intervieram na sua morte ainda hoje se cometem, pelo que podemos concluir que foi o pecado de toda a humanidade que o matou.

Nos Mistérios Gloriosos, meditamos o triunfo de Jesus sobre a morte com a Sua Ressurreição. A morte foi vencida assim como o pecado que a causa. Depois da Ressurreição de Jesus, a morte já não é o destino final da humanidade, mas sim uma passagem para a vida eterna. A vida de Jesus que começa com o Sim de Maria ao plano de Deus termina agora com a glorificação daquela que é para todos, modelo de vida cristã.

O Pai Nosso – O Pai Nosso, que intercala cada mistério, é muito mais do que uma simples oração que o Senhor nos ensinou para recitar ocasionalmente. Ela contém o mais importante do Evangelho de uma forma resumida; é neste sentido todo um Evangelho de bolso pois contem o que devemos conhecer e praticar.

Como é composto por vários enunciados, sem relação uns com os outros, pode ser olhada como uma lista, como as listas de compras que fazemos para não nos esquecermos de nada. Esta lista diz respeito ao protocolo da nossa relação com Deus, ou seja, como deve estar estruturada a nossa oração; como nos devemos dirigir a Deus, como louvá-Lo, o que devemos pedir, em que ordem, quando e como. Portanto, mais que uma oração, é fundamentalmente um guia pratico de oração e vida.

A Ave Maria – Divide-se em duas partes; a primeira é bíblica e é composta pelas saudações do Anjo Gabriel e da Sua prima Isabel; a segunda tem origem na fé da Igreja, não se sabe como nem quando nem onde começou a ser usada. Por isso a Ave-maria representa a perfeita união entre a Bíblia como Palavra de Deus e a Igreja como comunidade dos crentes.

Num movimento ascendente, a primeira parte, decalcada da Bíblia, é constituída por 5 escadas que sobem até Jesus. Num movimento descendente a segunda parte é constituída também por 5 escadas que descem até a realidade humana, a nossa morte.

Não pode ser entendida pelos advogados de “sola fide sola scriptura solus christus” pois nela se unem de uma forma harmoniosa a Escritura, a Palavra de Deus, descrita na primeira parte, com a Tradição, ou seja, a história da fé da comunidade cristã ao longo dos tempos plasmada na segunda parte. “Jesus” alfa e Omega, principio e fim e centro da história é a cerneira que une as duas partes.

Gloria ao Pai – É a invocação de Deus como Uno e Trino. Uma só divindade em três pessoas diferentes unidas num triângulo de amor. É a solução à dialética da filosofia grega entre o uno e o múltiplo. Esta oração também nos recorda que feito à imagem e semelhança de Deus, o ser humano também é uno e trino: não existe nem subsiste fora da família.

Origem e história do Rosário
Como instrumento de oração as contas do rosário, têm a sua origem na India, no terceiro século antes de Cristo. No cristianismo foram os padres do deserto do terceiro e quarto século que começaram a usar instrumento de contagem de orações, sobretudo do Pai-Nosso.

Por outro lado, na antiguidade os gregos e os romanos costumavam coroar, com uma coroa de Rosas, as estátuas dos seus deuses como prova de amor e gratidão. Talvez baseada nesta tradição as mulheres cristãs que eram levadas ao martírio iam vestidas a rigor levando nas suas cabeças uma coroa de rosas, como símbolo de alegria e entrega caminhando ao encontro do esposo, Cristo. Depois do seu martírio os cristãos recolhiam estas coroas e rezavam, uma oração por cada rosa, pela alma dos mártires.

A Lúcia e a Jacinta de Fátima gostavam de usar flores no cabelo. No dia das aparições os três vestiam as melhores roupas que tinham como se fossem à missa ao Domingo; as duas meninas colocavam flores no cabelo em especial a Jacinta que foi fotografada usando uma coroa de rosas na cabeça por ocasião das aparições.

A oração do rosário surge no ano 800 à sombra dos mosteiros como saltério dos leigos. Foi só no ano 1214, no entanto que a Igreja recebeu o rosário na sua forma presente. A tradição diz que foi dado à Igreja por Santo Domingos de Gusmão que por sua vez o recebeu da Virgem Maria como arma poderosa contra os inimigos da fé.

O rosário ganhou grande pujança depois da batalha naval de Lepanto, na qual os cristãos venceram os turcos eliminando para sempre o perigo dos muçulmanos subjugarem o cristianismo. Antes da batalha, o Papa Pio V pediu aos cristãos que rezassem o rosário para apoiarem a frota cristã, pelo que depois da vitória, foi instituída a festa da Senhora das Vitórias no dia da batalha a 7 de outubro de 1571, mais tarde mudada para Senhora do Rosário.

As aparições marianas, em especial a de Fátima no seu insistente apelo a rezar o Rosário todos os dias, fizeram desta prática um distintivo dos católicos em contraposição com o resto da cristandade, os ortodoxos e os protestantes.

Modo de rezar o Rosário
Em cada dia da semana meditamos uns mistérios diferentes; assim Segunda Feira e Sábado meditamos os mistérios Gozosos; terça feira e sexta-feira meditamos os mistérios dolorosos, Quarta Feira e Domingo os mistérios Gloriosos, reservando a Quinta Feira para os mistérios Luminosos.

Há vários modos de rezar o terço, mas a maior parte das pessoas inicia com o sinal da cruz, seguido do Credo, de um Pai-Nosso uma Ave-Maria e um Gloria. Terminadas estas orações introdutórias, anuncia-se o primeiro mistério seguido ou não de uma pequena meditação e secundado por uma dezena de ave-marias precedidas de um Pai-Nosso.

Depois da decima Ave-Maria de cada dezena, reza-se o Gloria seguido de várias jaculatórias, dependendo do lugar e de quem reza e termina-se com a oração que a Nossa Senhora em Fátima recomendou aos pastorinhos que rezassem depois de cada mistério: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem"… (da vossa misericórdia). Por fim rezam-se três Ave-Marias pelas intenções do Santo Padre para assim estarmos unidos a toda a cristandade, nele representada, e termina-se com a Salve Rainha precedida ou não, segundo o tempo que se dispõe, pela Ladainha da Nossa Senhora.

A importância do Rosário
O Rosário é ao mesmo tempo uma oração mariana e Cristo-Centrica porque repetidamente invocamos Maria como Mãe de Deus e nossa Mãe, e lhe pedimos que se junte a nós na nossa oração ao Pai, ao recitarmos o Pai Nosso e à Santíssima Trindade ao recitarmos o Glória, e nos ajude a meditar e contemplar os mistérios da vida do Seu filho, nosso irmão mais velho e nosso salvador, dos quais ela também faz parte.

Em Fátima, como nas demais aparições marianas, Maria não atrai nenhuma atenção para si mesma, mas sim e exclusivamente para o Seu filho. O seu contentamento não lhe vem de a louvarmos, mas sim de louvarmos o seu filho. Como diz o provérbio, “Quem o meu filho beija, minha boca adoça”.

Não se ama o filho sem se amar a mãe, por isso todo o amor dirigido ao filho indiretamente é dirigido à mãe. Assim como todo louvor dado à mãe se dirige ao filho como foi o caso daquela mulher que no meio da multidão, levantou a voz para dizer a Jesus, Bem-aventurada aquela que te deu à luz, e os seios que te amamentaram!” (Lucas 11, 27)

O Rosário não é uma oração de Ação de Graças, nem uma oração de petição, nem sequer uma oração de lamentação como alguns salmos da bíblia. O Rosário, é fundamentalmente uma oração de meditação e contemplação. De facto, anunciamos e enunciamos cada mistério dizendo neste mistério contemplamos….

Conta-se que um dia alguém confessou ao Papa João XXIII a dificuldade de rezar o terço pois frequentemente se distraía no rezo maquinal e rotineiro das Ave-Marias, ao que o papa respondeu, para que serve o Rosário se não para nos distrairmos?

Ao ser uma oração contemplativa, a recitação repetitiva de Ave-marias no Rosário tem a mesma função que os mantras na espiritualidade Budista; ocupam a mente impedindo que esta salte de um pensamento para outro, permitindo e facilitando a contemplação dos mistérios da vida do senhor.

A finalidade, portanto, não é colocar a nossa atenção em cada Ave-Maria e Pai-Nosso que rezamos, mas sim ocupar a mente com estas orações como se tratassem de mantras e saltar assim para a contemplação do divino.

O Rosário e Fátima
Nas aparições de Fátima, Nossa Senhora pediu aos pastorinhos que rezassem o Rosário todos os dias, não numa ou duas aparições, mas em todas as ocorridas em de 1917, assim como nas que ocorreram em Tuy e Pontevedra à irmã Lúcia. Porquê o Rosário, pergunta-se esta, por ser uma oração acessível a todos, pequenos e grandes sábios e ignorantes.

Naquela região, e um pouco por todo o Portugal, a recitação do Rosário era parte integrante dos serões da província, antes ou depois da Ceia ao calor da lareira, o pai ou a mãe lideravam a reza e ninguém pedia a bênção do pai e da mãe e se ia deitar antes de terminar mesmo que o sono já fizesse cair as cabeças.

Família que reza unida mantêm-se unida; a Televisão qual cavalo de Troia veio perturbar a candura e harmonia do lar e o terço foi substituído pelas telenovelas. Talvez esta seja uma das razões pela qual, somos um dos países com uma das mais altas taxas de divorcio, 70%.

Os pastorinhos que já rezavam o Rosário, mas apressadamente, passaram a reza-lo como a Senhora queria. Em especial o Francisco a quem a Senhora disse que tinha de rezar muitos terços para ir para o Céu.

Com efeito o terço identificou Francisco na sua vida pois havia dias que rezava dez terços, e também identificou as suas ossadas quando o seu corpo foi exumado. Entre tantas ossadas enterradas na mesma sepultura comum, o Ti Marto, pai de Francisco, identifico os ossos do seu filho pois agarrado a eles estava o Rosário ainda intacto que o Francisco usava.

Penitência e oração pedia Maria em Fátima tanto por nós como pelos outros. O Rosário catapulta-nos para a contemplação do Mistério de Deus, sobretudo do Verbo incarnado. Por isso, meditando ou não meditando, distraídos ou não, os que amam profundamente o Rosário e não podem deixar passar um dia sem o recitar, são, “ipso facto”, verdadeiramente pessoas de oração.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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1 de novembro de 2017

Fátima: A Oração como Missão

2 comentários:
A Penitência e a Oração são o cerne da mensagem e espiritualidade de Fátima. O objetivo principal da Penitência e Oração, que Maria pede aos pastorinhos em Fátima, não é o aperfeiçoamento pessoal. A Nossa Senhora não exorta as três crianças a fazerem sacrifícios e a rezar pela sua santificação pessoal; por isso, espiritualidade de Fátima não é uma espiritualidade egocêntrica, ou seja, um conjunto de praticas espirituais que têm como objetivo o benefício, ou perfeição de quem as pratica; não é por isso comparável à ascética dos monges, que sim tem como finalidade a santificação, a mística e a visão beatifica.

Muito pelo contrário, tanto a penitência como a oração que Maria pede aos pastorinhos, têm um fim muito concreto e específico: a da conversão dos “pobres pecadores” e o desagravo do Sagrado Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria; é, portanto, uma espiritualidade “altruísta”.

É certo que nestas práticas os pastorinhos se santificaram, mas não as praticaram para se santificar, mas sim para contribuir ao bem espiritual de outros. Não foi para salvar-se que as praticaram, mas sim para salvar os outros. Neste sentido tanto a sua oração pessoal como a sua penitência eram o seu contributo para a missão universal de salvação.

Até quando os pastorinhos resolveram não pecar mais, a razão fundamental que os levou a esta resolução não foi o ser santos, mas sim para não ofenderem mais a Nosso Senhor; ou seja, até no evitar o pecado, o objetivo é altruísta; os pastorinhos não pecaram por amor a Deus. Os videntes nunca fizeram nada cujo objetivo fosse a santidade.

A oração de intercessão
Abraão aproximou-se e disse: «E será que vais exterminar, ao mesmo tempo, o justo com o culpado? Talvez haja cinquenta justos na cidade; matá-los-ás a todos? Não perdoarás à cidade, por causa dos cinquenta justos que nela podem existir? (…) Se encontrar em Sodoma cinquenta justos perdoarei a toda a cidade, por causa deles. Génesis 18, 23-33

E acontecia que, enquanto Moisés tinha as mãos levantadas, era Israel o mais forte; mas quando descansava as mãos, o mais forte era Amalec. Êxodo 17, 11

Os dois grandes patriarcas da nossa fé, Abraão e Moisés, experimentaram o valor e a eficácia da oração de intercessão a Deus pelo povo. Mais tarde cabe aos sacerdotes, descendentes de Aarão, esta tarefa de pedir a Deus pelo bem-estar do povo. A sociedade medieval cristã estava dividida em classes e cada classe tinha uma tarefa específica; os nobres defendiam o clero e o povo, o clero intercedia pelos nobres e pelo povo, e o povo sustentava materialmente o clero e os nobres.

Hoje a oração não é tarefa exclusiva de uma classe de pessoas, mas todos estão chamados a rezar. A oração não é só um meio para expressarmos o nosso amor a Deus. De facto, a oração tanto expressa o nosso amor a Deus como o nosso amor ao próximo, quando rezamos por ele. A oração pode ser a nossa resposta a Deus, que nos pergunta onde está o teu irmão (Génesis 4,9). Ao contrário de Caim devemos sentir-nos guardiães do nosso irmão, preocuparmo-nos por ele, querer o seu bem, atuar em seu favor, não só nas obras, mas também na oração, intercedendo por ele a Quem lhe pode fazer mais bem do que eu, especialmente onde eu não posso chegar.

A oração do Pai “Nosso” e da Ave Maria, assim como a maior parte das orações, nunca excluem os outros; podemos rezá-las na privacidade do nosso quarto e no íntimo do nosso coração, os outros estão sempre lá, pois a Deus nos dirigimos em plural como comunidade; e o que quer que peçamos, nestas ou noutras orações, não o pedimos para nós somente, mas para a toda a comunidade dos crentes.

O capitulo 17 do Evangelho de São João apresenta a chamada oração sacerdotal, que é a oração mais longa de toda a bíblia. Na segunda e a terceira parte dessa oração Jesus pede ao Pai pelos seus discípulos e depois por todos os crentes; ponto importante nesta oração é a unidade entre todos; é nesta unidade de sermos todos membros do corpo místico de Cristo que assenta a oração de interseção. 

A comunhão dos santos é uma crença muito querida do catolicismo; esta consta da solidariedade que se estabelece entre todos os batizados, vivam eles no espaço e no tempo, ou para além destes, no purgatório ou no seio de Deus. É com base nesta comunhão que o povo português tem um afeto especial em rezar e oferecer o sacrifício da Eucaristia pelas almas mais abandonadas do purgatório; aqueles que não têm ninguém que interceda por elas.

Quando já tinha decidido não ir hoje a cortar o cabelo, comecei a escutar com insistência uma voz no meu interior que me dizia que tinha de ir; como eu recusava a voz fez-se cada vez mais insistente até ser uma obsessão. Decidi então aceder e fui. Ao entrar o barbeiro surpreendeu-me dizendo estava agora mesmo a rezar para que o senhor viesse hoje.

"... A oração é o complemento mais eficaz depois da medicina tradicional, superando a acupuntura, ervas, vitaminas e outros remédios alternativos." Washington Post, March 24, 2006

É difícil quantificar a eficácia da oração; nas aparições de Fátima são muitas as intenções que Lúcia apresenta à Senhora e ela mesmo respondia que algumas as satisfazia outras não. Ante esta realidade, só temos uma certeza que é mais fácil que os nossos pedidos sejam atendidos se os formulamos que se não os formulamos. No entanto, quer os nossos pedidos sejam atendidos quer não, é a vontade de Deus que se cumpre; uma vontade que devemos aceitar incondicionalmente, porque Deus, porque é Pai, sabe, muito mais que nós, o que nos convém e verdadeiramente nos faz falta

Mateus 5, 44 - Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem; - Até o inimigo deixa de ser inimigo quando tenho a coragem de rezar por ele como o evangelho nos manda. É de facto algo misterioso que todos podemos experimentar; no momento em que conseguimos rezar pelos que nos querem mal, cessa o nosso ódio por eles.

Francisco e Jacinta reparadores da humanidade
No Verão de 1916, enquanto os três brincavam no quintal da casa da Lúcia, junto ao Poço do Arneiro o Anjo aparece-lhes e diz-lhes:
– Que fazeis? Orai! Orai muito! Os Corações de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.

À distancia do tempo, a irmã Lúcia interpreta esta interpelação do Anjo não como uma repreensão por estarem a brincar, mas como uma chamada de atenção para algo de suprema importância, a oração. Esta chamada de atenção deve ainda ecoar nos nossos corações porque como cristãos perdemos o tempo em mil e uma coisa, como a Marta do Evangelho, e não escolhemos o mais importante… sentar-se, parar no meio do frenesi dos nossos dias e como Maria, a irmã de Marta, dirigir-nos a Ele que é tudo em todos.

Os pastorinhos responderam fielmente à chamada de atenção do Anjo e um ano depois às exortações da Senhora, em rezar e oferecer sacrifícios, de tudo o que podiam, como lhes tinha sugerido o Anjo, pela conversão dos pecadores. Tomaram essa tarefa como uma missão, e encarnaram-na em conformidade com a sua personalidades e carácter:

Jacinta sendo emocional, e sem descuidar a oração, sobretudo a eucarística ao Jesus escondido, era mais dada aos sacrifícios, pois tinha muita pena dos pecadores, queria salvar quantos mais melhor. Francisco como era mais instintivo, sem descuidar como a irmã os sacrifícios, era mais dado à oração; estava particularmente sensibilizado pela tristeza de Jesus e passava horas e horas a sós com Ele para o consolar.

Oração & Sacrifício é um binómio inseparável, como a teoria e a praxis. Rezar sem fazer sacrifícios é comparável aquela personagem do Evangelho que diz “Senhor, Senhor”, mas nada faz para encarnar a Palavra, ou seja pô-la em pratica (Mateus 7,21).

Por outro lado, o sacrifício sem oração não seria cristão; por isso mais tarde a Virgem Maria ensina aos pastorinhos uma oração que deve acompanhar todos os sacrifícios que fazem: "Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria".

Usando uma carta dos correios como alegoria para explicar a relação entre o sacrifício e a oração, o sacrifício é o texto da carta, a oração é o envelope onde está escrita a direção à qual é dirigida a carta, neste caso a Deus para interceder pelos “pobres pecadores”.

Francisco consolador do Senhor
Um dia a Lúcia perguntou a Francisco:
– Francisco, por que não me dizes para rezar contigo e mais a Jacinta?
– Gosto mais – respondia – de rezar sozinho, para pensar e consolar a Nosso Senhor que está tão triste.
Um dia, perguntei-lhe:
– Francisco, tu, de que gostas mais: de consolar a Nosso Senhor ou converter os pecadores, para que não (vão) fossem mais almas para o inferno?
– Gostava mais de consolar a Nosso Senhor. Não reparaste como Nossa Senhora, ainda no último mês, se pôs tão triste, quando disse que não ofendessem a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido? Eu queria consolar a Nosso Senhor e depois converter os pecadores, para que não O ofendessem mais.

Francisco reconhece simultaneamente a transcendência de Deus e o júbilo pela sua presença. Confessa: «do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!». Francisco Sente-se «a arder, naquela luz que é Deus [...]. e afirma Como é Deus! Não se pode dizer!».

É esta união com Deus que o faz perceber a dor que lhe provocam as ofensas humanas. Dá-lhe pena por «Ele estar tão triste» e, por isso, brota nele a resposta enternecedora: «Se eu O pudesse consolar! ( Cfr. Conferencia episcopal Portuguesa 2017)

Será talvez a parte mais contemplativa da mensagem de Fátima. Francisco era de facto um contemplativo, afastava-se dos outros companheiros, teria vocação de monge se tivesse vivido. No entanto a contemplação que faz a sua oração, de manhãs inteiras na igreja de Fátima diante do Jesus escondido, enquanto Jacinta e Lúcia iam à escola, não era para se sentir bem na companhia de Deus, mas sim para consolar Jesus triste pelas ofensas dos pecadores.

Devoção ao Imaculado Coração de Maria
… A Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. [A quem a abraçar, prometo a salvação; e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o Seu trono].

O mundo moderno frio e tecnológico é pouco dado aos símbolos. Para melhor entendermos o que significam o Coração de Jesus e o Coração de Maria, é de ajuda que nos adentremos no mundo da poesia.  Todos conhecemos a expressão de “falar com o coração na mão” que segundo o dicionário significa: Estar muito aflito, muito angustiado, preocupado ou nervoso com alguma assunto ou alguma situação. Pois assim se apresentam o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria; angustiados e preocupados pela situação da humanidade.

No sentido bíblico, e também na mensagem de Fátima, o coração não é somente o músculo de forma arredondada, que coloca o sangue em movimento, mas também o símbolo do mais íntimo do homem, onde se conjugam os pensamentos, os afetos e a vontade.

O Sagrado Coração de Jesus – A imagem de Jesus, com o coração diante do peito e às vezes na mão, quer ser uma representação gráfica para deixar bem patente, o quanto Jesus nos amou nos homens do seu tempo a ponto de sofrer e dar a vida por eles, seus amigos e pela humanidade inteira neles representada. A devoção a esta imagem tem inspirado a cristandade desde as aparições a Sta. Margarida em 1675. Estas visões não estão descabidas de sentido histórico e bíblico se pensamos que verdadeiramente foi o soldado que abriu o peito de Jesus e nos mostrou o seu coração.

O Imaculado Coração de Maria – A imagem de Maria, representada como a de Jesus com o coração diante do peito, significa o amor e dedicação e padecimento pelo seu filho desde a sua conceção até à morte na cruz; já crucificado e antes de morrer, Jesus entrega-nos a sua mãe como nossa mãe, começando assim a paixão Desta pelos irmãos do seu filho.

A virgem Maria comunica aos pastorinhos em Fátima que o seu filho quer estabelecer esta devoção na terra, sendo também esta uma das razões pela qual a Lúcia ficaria ainda algum tempo em vida. Também esta imagem não está descabida de sentido histórico e bíblico se pensamos no vaticínio do velho Simeão em relação à Virgem Maria: “uma espada atravessará a tua alma”.

Amor com amor se paga” – A devoção ao coração de Jesus, como ao Coração Imaculado de Maria, como todas as devoções e atos de amor a Deus não se justificam pelo facto de que Deus precise deles. Somos nós os que precisamos, pelo facto de que só quando nos abrimos ao amor de Deus é que o amor de Deus produz frutos na nossa vida.

Enquanto permanecemos de costas voltadas para Deus, o seu amor, que não cessa nunca, não produz nenhum efeito nas nossas vidas. Por outro lado, não é possível ao mesmo tempo estar abertos ao amor de Deus sem o amar, por isso o provérbio faz todo sentido; Deus precisa do nosso amor para nos amar. Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. João 14,23

O Imaculado Coração de Maria é medianeiro de todas as graças; foi este coração, imaculado por ter sido concebido sem pecado, que acedeu ao plano de Deus, concebendo o Seu filho para salvação da humanidade. Por ser medianeira da Graça primigénia que é Cristo, também em graças menores, Maria é sempre medianeira entre a Terra e o Ceu.

Por isso, Jacinta fervente devota do coração Imaculado de Maria, exorta a sua prima Lúcia que propague essa devoção que por essa razão fica mais algum tempo em vida:

Já me falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no Mundo a devoção do Imaculado Coração de Maria. Quando for para dizeres isso, não te escondas. Diz a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria; que Ihas peçam a Ela; que o Coração de Jesus quer que, a Seu lado, se venere o Coração Imaculado de Maria; que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria, que Deus Lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria…
Pe. Jorge Amaro, IMC