1 de outubro de 2017

Fátima: As orações da Nossa Senhora

Foram três as orações que os três pastorinhos aprenderam de Maria; simples e fáceis de memorizar, elas encerram em si toda a mensagem de Fátima. Por isso, ao repeti-las pessoalmente no nosso íntimo, ou liturgicamente em comunidade, transformam-se no sacramento da mensagem de Fátima, porque a evocam e representam. Portanto, como estas três orações contêm em si a mensagem, a sua recitação não só nos faz recordar a mensagem como também nos exorta a vivê-la

A primeira oração mais uma vez, depois da aparição do anjo, refere-se ao mistério da Santíssima Trindade. As aparições de Fátima começam com a Trindade e encerram com a Trindade. Maria revela aos pastorinhos a identidade de Deus uno e trino, um só Deus em três pessoas distintas. Ao contrário das outras duas orações, esta. não foi ensinada diretamente pela Nossa Senhora;
Mas sim inspirada pelo Espirito Santo, e recitada pelas crianças de uma forma quase autómata pelas crianças diante de Senhora.

A segunda oração é uma oração sacrificial, ou seja, a aplicação prática de uma parte da mensagem de Fátima - a penitência, que no contexto da mensagem de Fátima significa oferecimento de nós mesmos pelos outros, pela conversão dos pecadores.

A terceira oração é a mais conhecida universalmente pois é repetida por todos os católicos que rezam o terço entre mistério e mistério. Pede pela salvação universal em especial por aqueles que estão mais longe dela.

1ª Oração comunicada aos videntes num impulso íntimo
… Abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos. Então por um impulso íntimo também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente:

Ó Santíssima Trindade, eu vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento.

E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: «Abbá! - Pai!» Gálatas, 4, 6 – As crianças viram-se em Deus e em Deus viram, ao mesmo tempo, a Sua identidade como sendo Uno e Trino assim como a identidade deles mesmos, dos pastorinhos como sendo filhos queridos de Deus. Inundados pela luz de Deus, são guiados e inspirados pelo Espírito que, como diz São Paulo aos Gálatas, dentro do íntimo das três crianças grita “Abbá Pai! – Ó Santíssima Trindade!…”. Como diz ainda o apostolo aos Romanos (8,16) Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus.

Neste momento, e logo na primeira aparição os pastorinhos tiveram a visão beatifica de Deus como Uno e Trino e eles mesmos, dentro dessa luz, como filhos adotivos de Deus Pai. No alto do monte, a serra de Aire, naquele momento de transfiguração, não podemos esquecer que eram três as crianças e que ao analisarmos o carácter e personalidade de cada uma delas nos damos conta que cada uma pertence a um centro diferente; Lúcia é cerebral, Jacinta é emocional e Francisco visceral ou instintivo; pelo que podemos concluir que, naquele encontro, encontra-se a trindade humana com a Trindade divina; ou seja a natureza humana nas três personalidades básicas em que se revela, com a natureza divina nas três pessoas em que é constituída.

Esta oração é ao mesmo tempo trinitária e eucarística; é impressionante como da visão beatifica que os pastorinhos sentiram imersos na luz de Deus, imediatamente passam para a adoração, para o amor do Santíssimo sacramento da Eucaristia, ou seja, da revelação celestial, passam para a encarnação histórica de Deus, há dois mil anos, em Jesus de Nazaré e a Sua presença sacramental na hóstia consagrada, no aqui e agora das nossas vidas.

Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? João 14, 8-10

A oração implica que na adoração do Santíssimo sacramento adoramos também a Santíssima Trindade. Quem vê a Jesus vê o Pai, e quem ama o Filho ama o Pai. A oração do cristão é portanto sempre uma oração Trinitária. O Santíssimo Sacramento é não só a representação do sacrifício do Filho, mas também o do Pai que no-lo enviou e entregou, como parece sugerir uma imagem muito popular de Deus Pai e o Espirito Santo, representado pela pomba, por detrás da cruz onde está crucificado Cristo.

2ª Ó Jesus, é por Vosso amor,
– Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial quando fizerdes alguns sacrifícios: "Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria". Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar a terra e vimos como que um grande mar de fogo.

Penitência e oração é o resumo da mensagem de Fátima; já falamos do tema da oração concentrado na oração Trinitária e Eucarística, falamos agora da segunda parte da mensagem a penitência que, tal como a oração, é mencionado em todas as aparições. Como Jesus deu a vida pelos seus amigos, como Jesus se ofereceu, pela salvação do mundo, quereis também vós, pergunta a Nossa Senhora aos pastorinhos, oferecer-vos, associar-vos ao sacrifício do meu filho, fazer-vos eco, neste ano de 1917, do sacrifício ocorrido há quase dois mil anos? As crianças disseram logo que sim.

É uma oração insólita porque é subtilmente inteligente; não é uma oração contemplativa como a que já comentamos, mas uma oração que vem da prática, supõe a prática aliás, é uma oração para recitar exclusivamente depois dessa praxis; neste sentido, não é uma oração para todos recitarem e em qualquer situação, mas só para alguns e após uma prática muito concreta.

Como diz a Senhora esta oração é para ser recitada antes, durante e depois de cada sacrifício oferecido. Esta oração é a varinha de condão que transforma uma contrariedade normal da vida num sacrifício oferecido a Deus. Esta oração acrescenta uma mais valia, um valor acrescentado, um juro às vicissitudes do dia a dia, dá-lhes um sentido, uma motivação. Transforma cada uma das nossas dores no ato de abraçar a cruz de Cristo pelo bem da humanidade.

«Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Lucas 9,23
Por isso esta oração não é para ser usada no culto nem na liturgia; não é para ser recitada na Igreja ou no contexto de união íntima com o Senhor; é, ao contrário, uma oração recitada na vida e para a vida. É uma exortação a abraçar cada contrariedade da vida, transformando-o com e, por intermédio desta oração, num “Sacrifício agradável a Deus”; é também, por outro lado uma aplicação prática do evangelho de Lucas.

Sofrer com razão e motivação, custa bastante menos que sofrer sem sentido. Por isso ao oferecermos a Deus os sacrifícios com os quais a vida nos depara, acabamos por sofrer menos. Encontramos conforto no mesmo sacrifício ao sabermos que vai fazer bem a alguém.

Depois de comprometidos com Maria, de se oferecerem a Deus suportando todos os sofrimentos e contrariedades inerentes à vida, e em especial aqueles como consequência de serem testemunhas do eco do Evangelho em Fátima, os pastorinhos não perdiam nenhuma ocasião de se sacrificarem pela conversão dos pecadores.

Se um se esquecia o outro lembrava; estando na prisão de Ourém, terminado o Terço, a Jacinta voltou para junto da janela a chorar.
 – Jacinta, então tu não queres oferecer este sacrifício a Nosso Senhor? – Ihe perguntei.
– Quero; mas lembro-me de minha mãe e choro sem querer.

Ora, se somos filhos de Deus, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, pressupondo que com Ele sofremos, para também com Ele sermos glorificados. Romanos 8,17

Como diz São Paulo, se somos filhos, somos irmãos do Senhor e co-herdeiros, da herança eterna. Se partilhamos da glória do Senhor também devemos partilhar dos meios que levaram a Cristo à sua glória, o sofrimento. Como toda relação de amizade é preciso estar às duras e às maduras, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. “Quem se obriga a amar obriga-se a padecer” diz o proverbio.

 3ª Ó meu Jesus, perdoai-nos…
Quando rezais o Terço, dizei depois de cada mistério: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem"… (da vossa misericórdia)

Por fim a oração que a Virgem Maria nos disse que incluíssemos entre mistério e mistério. A oração foi precedida da visão do inferno, que deve permanecer na nossa consciência como possibilidade de condenação.

... perdoai-nos… – a Bíblia diz-nos que o homem justo peca sete vezes por dia, que é o mesmo que dizer que ninguém é justo diante de Deus. Somos todos pecadores, e quem afirma não ter nenhum pecado é um mentiroso, como diz a Bíblia. Assim sendo, sempre que nos colocamos diante de Deus sem qualquer pecado que precise de ser perdoado, não significa que não pecámos, significa simplesmente que a nossa consciência moral não está fazendo seu dever de nos acusar e apontar os nossos defeitos.
... livrai-nos do fogo do inferno – só Deus tem o poder de nos salvar da condenação eterna isto mesmo fez Ele gratuitamente pela da morte de seu filho. Na representação do inferno como um mar de fogo, a Nossa Senhora tem em conta o conceito e a imagem que as crianças tinham dele, seguindo o princípio tomista: Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur - tudo o que é recebido, é recebido de acordo com a capacidade do receptor.

A forma como entendemos o inferno, no entanto, não é como uma tortura eterna, como parece sugerir o mar de fogo, mas como uma morte eterna e um retorno ao nada para aqueles que nada fizeram, cujas vidas se resumem a nada e nada é o que eles acreditavam que existe para além da morte.

... levai todas as almas para o céu – como sempre na mensagem de Fátima, não nos podemos ocupar e preocupar unicamente com a nossa própria salvação, mas também com a dos outros. A Espiritualidade de Fátima não é sobre perfeição pessoal mas com carinho para aqueles que levam uma vida que está errada que não leva a nenhuma parte. Sendo assim, a espiritualidade de Fátima é então uma espiritualidade missionária; oramos pelos outros e pela sua salvação.

O mesmo princípio tomista também se aplica aqui pois acreditamos na ressurreição do corpo, não só da alma. Apesar da antropologia bíblica não ser dualista, a maioria, se não todos, orações litúrgicas da Igreja retratam a natureza humana como corpo e alma, seguindo assim a antropologia grega.

... especialmente aqueles que mais precisarem da vossa misericórdia - especialmente aqueles que mais longe estão da salvação; esta sempre foi a grande preocupação de Jesus: eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao arrependimento. (Lucas 5,32)
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 comentário:

  1. Bom dia caro amigo Jorge nada como começar a manhã lendo tão preciosas palavras ,muito obrigado ,desejo-lhe um domingo muito abençoado ,um abraço

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