15 de outubro de 2017

Fátima: O Sacrificio como Missão

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– Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?
– Sim, queremos!
– Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

Tema central da mensagem de Fátima
Na primeira aparição, logo após as apresentações e a petição aos pastorinhos de virem ali nos seis meses seguintes, a Nossa Senhora perguntou-lhes se queriam oferecer-se a si mesmos pela salvação dos pecadores.

Fátima faz-se eco da forma como a comunidade cristã interpretou a morte de Jesus o qual se ofereceu como cordeiro sem mancha para expiar os pecados da humanidade. Jesus não deu por nós a vida só no ato da sua morte, toda a sua vida foi uma vida para os outros; veio para servir e não para ser servido (Marcos 10, 45). Jesus na sua vida combateu o pecado e o mal nas suas mais variadas formas; ao fim foi o mesmo pecado que o matou; morreu não só pelos nossos pecados, mas também a causa do nosso pecado.

Jesus lutou contra o pecado da mesma forma que o nosso corpo luta contra a doença. Quando uma bactéria ou vírus invade o nosso corpo, um glóbulo branco chamado neutrófilo persegue estes invasores depois dos anticorpos os terem identificado e marcado para serem destruídos. Por um processo chamado fagocitose, o neutrófilo captura e devora o invasor e morre. Também Jesus assumiu o pecado da humanidade, morrendo neste mesmo processo, mas salvando a humanidade da morte eterna

O que Maria pede aos pastorinhos é a solidariedade e participação na paixão de Cristo no seu ato único de reparação dos pecados da humanidade. A participação no mistério da redenção de Cristo com o nosso sacrifício voluntário, de sujeitos passivos e alheios, faz-nos proactivos em relação não só à nossa salvação como à salvação dos outros.

Este tema central da mensagem de Fátima é também o mais difícil de entender nos nossos dias. Mas tal como Maria em Lourdes veio reafirmar o dogma da Imaculada Conceição, em Fátima vem reafirmar a teologia, para muitos obsoleta e retrograda, da expiação e reparação. Mas como pode uma pessoa reparar os próprios pecados e os pecados dos outros?

Jesus morreu para expiar os pecados da humanidade
O salário do pecado é a morte (Romanos 6,23) – É a ordem das coisas, não há atos inócuos ou neutros; o que não promove a vida, leva à morte. O bem promove a vida o mal leva à morte como consequência lógica, esta é uma verdade irrefutável. Vemos prova disso em cada má ação que praticamos; como diz o provérbio, “o mal fica com quem o pratica”; o castigo acompanha a má ação como o anexo acompanha o email.

Não há obra má que pratiquemos que não seja sucedida por um castigo, que não provém de Deus, mas sim da mesma ordem das coisas, como consequência logica da má ação praticada. Deus perdoa sempre, o homem às vezes, a natureza nem perdoa nem esquece; o mal que fazemos contra a nossa natureza humana ou contra a natureza do planeta paga-se e bem caro.

Se Jesus de Nazaré só fosse um profeta e nada mais, a sua morte seria vista como a morte individual do justo. Mas como Jesus, para além de ser verdadeiro homem é também verdadeiro Deus, a sua morte já não pode ser interpretada ou vista como um acontecimento meramente pessoal, mas sim um acontecimento que tem repercussões na humanidade por Ele criada e Nele representada. Como Jesus ressuscitou, a sua morte serviu para matar a morte; aquela morte eterna à qual a humanidade estava abocada.

Jesus morreu pelos nossos pecados, no sentido de que foram os nossos pecados que o mataram; mas como Jesus não permaneceu morto, mas ressuscitou, os nossos pecados mataram-se a si mesmos; a sua morte foi, portanto, o fim da morte como consequência do pecado.

Deus não pode negar a ordem das coisas por Ele criadas; como vimos acima, pertence a essa ordem das coisas que com o pecado vai o castigo e o castigo é a morte. Sem a intervenção divina, seriamos com um comboio sem freios que corre para um destino mortal irreversível.

João 15, 3 - Sem mim nada podeis fazer - Se pelas nossas próprias forças fossemos capazes de nos salvar, não teria sido necessária a vinda de Cristo ao mundo. O pecado colocou-nos no fundo de um poço sem possibilidade de sair; em areias movediças nas quais quanto mais nos movemos mais nos enterramos; em buraco feito no gelo estaladiço que cobre a água de um lago, que parte quando nos apoiamos nele. Do mal e do pecado não podemos sair sozinhos.

João 1.29 – Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. –  João Batista que apesar de ser filho de sacerdote atua fora do sistema sacrificial do templo oferecendo o perdão dos pecados por intermédio de um batismo de purificação, aponta a Jesus como sendo o verdadeiro cordeiro de Deus que vem substituir o sacrifício de cordeiros do Templo de Jerusalém. Só quem não tem pecado, pode pagar pelos pecados dos outros.

O sacrifício de Cristo é um sacrifício perfeito porque ele mesmo é o sacerdote, a vítima, o altar e o Templo onde se oferece. Se algo é perfeito não pode ser igualável pelo que o sacrifício de Cristo, e só o sacrifício de Cristo é suficiente para pagar pelos pecados de toda a humanidade presente passada e futura.

No sacrifício de Cristo, a justiça de Deus, a ordem natural das coisas é satisfeita; alguém pagou o preço do pecado que é a morte; por outro lado também é satisfeita a bondade, a graça e o amor de Deus pois não fomos nós que pagámos mas sim o seu filho.

Associar-se ao sacrifício de Cristo
Misteriosa solidariedade - Tanto somos solidários no mal, como somos solidários no bem. A ideia de que pertencemos todos ao Corpo Místico de Cristo, não é só uma ideia piedosa, mas também científica; o ser humano vem de um tronco comum; há laços que unem toda a Humanidade desde o seu aparecimento sobre a Terra. "Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade" disse, quando pôs o pé na Lua; Neil Armstrong. Não foi uma empresa de franco atirador, nem na sua execução nem no seu significado; em realidade, nele, por ele, e com ele a Humanidade chegou à Lua.

Inconsciente espiritual coletivo – Freud descobriu uma instância no interior da nossa personalidade chamada - inconsciente, constituído pelo que foi vivido experimentado, recalcado, escondido, esquecido, nos primeiros anos da nossa vida quando ainda não eramos conscientes de nós mesmos. Este material influencia o nosso pensar, sentir e atuar de uma forma automática e fora do nosso controle; às vezes aflora à consciência em forma de linguagem corporal, lapsus linguae, e em especial em sonhos.

Para além deste inconsciente individual, a um nível ainda mais profundo, Jung, discípulo de Freud, defende que existe um inconsciente coletivo. O material que o constitui, já não tem que ver com as minhas vivências individuais, mas sim com o que a humanidade como um todo viveu.

Cada uma das nossas obras entra a formar parte de uma base de dados coletiva de tal forma que qualquer individuo da espécie humana está, à nascença capacitado para fazer os atos mais heroicos que já foram feitos assim como os mais criminosos e deploráveis, sem precisar de nenhuma aprendizagem. Desta forma o individual influência o coletivo e o coletivo influência o individual.

Efeito borboleta - Pequenas e até irrisórias causas podem ter grandes efeitos ou consequências. Os efeitos de um grande furacão que aqui se faz sentir podem ter sido causados pelo esvoaçar de uma borboleta milhares de quilómetros de aqui, que ao perturbar o equilíbrio, fez cair a primeira peça do efeito dominó. Assim se explicam também as grandes avalanches de neve que sepultam casas e aldeias.

Na vida humana não há atos inócuos, neutros e sem consequências que não tenham tarde ou cedo repercussões, positivas ou negativas, no resto da humanidade, consoante o ato seja positivo ou negativo. 

Mateus 16:24 - Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me; - Todo sacrifício é imolação do nosso Ego tudo o que fazemos pelos outros todo é altruísmo, é um sacrifício do ego. Só negando o meu ego posso eu afirmar o outro, o alter ego. Depois do sacrifício de Cristo os sacrifícios que valem aos olhos de Deus não são o dom de algo que me pertence, como eram os sacrifícios da antiga lei, a imolação de cordeiros e cabritos, mas sim a imolação de mim mesmo.

Tertuliano 197 DC - O sangue de mártires é semente de cristãos – pelo martírio o cristão configura a sua vida a Cristo de uma forma quase absoluta, pelo que é via direta para o Reino de Deus. Por outro lado, não só ganha ele individualmente, a Igreja também ganha, pelo seu testemunho em repetir, renovar e atualizar na sua vida a paixão de Cristo no aqui e agora da história. É sobretudo edificante e encorajante para os novos cristãos, para os que ainda estão num processo de conversão a Cristo.

Agora, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo seu Corpo, que é a Igreja. Colossenses 1, 24

Este é o texto que tem sido citado para dar fundamento bíblico à prática pedida por Nossa Senhora logo na primeira aparição, de oferecer sacrifícios pela conversão dos pecadores. É preciso deixar bem claro que os nossos sacrifícios não têm o valor redentor do sacrifício de Cristo, nem aumentam a sua eficácia. Portanto, e neste sentido, nada falta ao sacrifício de Cristo que foi perfeito e a perfeição não é aperfeiçoável.

As nossas aflições individuais, a nossa cruz, o sofrimento com que a vida nos depara, pode ser vivido com sentido ou sem sentido. O cristão que em todos os aspetos da sua vida vê em Cristo o caminho a verdade e a vida configurando a sua vida à Dele, associa também o seu sofrimento ao Dele. Os apóstolos ficaram contentes quando começaram a sofrer por Cristo. Atos 5,41

Associando os nossos sofrimentos aos de Cristo estamos-lhe a dar um sentido, pelo que serão mais fáceis de suportar, e um bom uso pois damos-lhe um valor redentor. O ponto principal é que nossos sofrimentos não são desperdiçados se podemos juntá-los ao sacrifício de Cristo; Eles se tornam de grande valor.

O inferno evita-se com o purgatório
O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: "Penitência, Penitência, Penitência!" (Terceira parte do segredo)

São as palavras do anjo com a espada de fogo. A Nossa Senhora mostra aos pastorinhos o inferno como possibilidade na outra vida e o inferno em que se tinha tornado mundo no século XX. Para evitar tanto um como o outro a alternativa é a penitência. O inferno evita-se com o purgatório tanto nesta vida como na outra; de facto na tradição católica o purgatório está entre o Céu e o inferno.

Cristo expiou pelos nossos pecados, pelo que nós não precisamos já de expiar por eles; por outro lado Deus perdoa e esquece, para quê então o purgatório? Somos nós que não perdoamos e esquecemos nem aos outros nem a nós mesmos; o purgatório é uma exigência da nossa natureza. Vemos isso no Evangelho no episódio da conversão de Zaqueu:

…”de pé, disse ao Senhor: «Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.». (Lucas 19,8) Jesus já tinha perdoado a Zaqueu não lhe exigiu nada como preço desse perdão; o que Zaqueu ofereceu como expiação foi da sua livre vontade e como consequência da sua conversão e de ter obtido perdão, e não como requisito desta.

“Pænitemini et credite evangelioArrependei-vos e acreditai no evangelho - (Mc 1, 15). A penitência, o sacrifício faz parte do processo de conversão, como o deserto medeia entre o Egito do Pecado e a Terra Prometida da Graça. Quanto mais puros vamos desta vida, menos purgatório precisamos na outra vida. O purgatório pode ser já feito aqui e agora. Tanto se é feito aqui ou na outra vida a bem-aventurança permanece válida: Só os puros de coração verão a Deus.

Sobre a natureza do fogo purificador a irmã Lúcia diz anos mais tarde, que não se trata de um fogo físico sustentado por qualquer combustível, mas sim do fogo do amor divino comunicado por Deus às almas. Diz ainda que um ato perfeito de amor como por exemplo o martírio, leva a pessoa diretamente ao céu pois purifica de imediato todos os pecados até ali cometidos.

Jacinta a boa pastora
Um dia, ao voltar para casa, meteu-se no meio do rebanho.
– Jacinta – perguntei-lhe – para que vais aí, no meio das ovelhas?
– Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que me deram, também está assim, no meio de muitas e com uma ao colo.

Jacinta encarna o aspeto sacrificial da mensagem de Fátima; ela a seu modo imita Jesus bom pastor, que se preocupa e busca a ovelha perdida, e depois a traz aos ombros de volta ao rebanho. Muitos foram os sacrifícios que Jacinta ofereceu pelos pecadores durante os três anos que se sucederam às aparições. E quando, já na cama estava a viver a sua paixão, a Nossa Senhora perguntou-lhe se ainda queria sofrer mais para converter mais pecadores, ela respondeu que sim. Como Cristo bom Pastor, ela a pequena pastorinha também deu a vida pelas ovelhas do Senhor.

A visão do inferno afetou de tal maneira a Jacinta que mesmo a brincar não deixava de se interrogar e perguntar à Lúcia: E se a gente rezar muito por os pecadores, Nosso Senhor livra-os de lá? E com os sacrifícios também? Coitadinhos! Havemos de rezar e fazer muitos sacrifícios por eles!

A expressão, pobres pecadores foi cunhada em Fátima; sempre que se fala de pecadores, a mensagem de Fátima refere-se aos pecadores como pobres que tem o mesmo sentido afetivo de “coitadinhos” usado por Jacinta. Os pecadores são tratados com afeto, pelo Anjo na oração à Santíssima Trindade, por Maria depois da visão do Inferno e pelos mesmos pastorinhos.

Jacinta, a mais sentimental dos três, é a que melhor espelha a misericórdia e a solicitude amorosa de Deus pelos pecadores que percorre os dois Testamentos da Bíblia: Porventura me hei-de comprazer com a morte do pecador - oráculo do Senhor Deus - e não com o facto de ele se converter e viver? Ezequiel 18,23.

Em Jesus de Nazaré, a misericórdia de Deus encarna-se em ações concretas; Jesus, ao contrário dos fariseus que os criticavam e fugiam deles, com medo a serem contaminados, buscava a sua companhia, tocava-os, curava-os e comia com eles e por fim entregou-se por eles como vitima imolada sendo comida na eucaristia e na cruz, corpo entregado e sangue derramado.

Os pastorinhos em especial Jacinta na sua curta vida e Lúcia na sua longa vida entenderam e  associaram os seus sacrifícios à paixão de Cristo fazendo-se eco desta mesma, dando-lhes aqueles um sentido e uma utilidade, para atualizar ou sublinhar no aqui e agora a paixão de Cristo redentora da humanidade.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de outubro de 2017

Fátima: As orações da Nossa Senhora

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Foram três as orações que os três pastorinhos aprenderam de Maria; simples e fáceis de memorizar, elas encerram em si toda a mensagem de Fátima. Por isso, ao repeti-las pessoalmente no nosso íntimo, ou liturgicamente em comunidade, transformam-se no sacramento da mensagem de Fátima, porque a evocam e representam. Portanto, como estas três orações contêm em si a mensagem, a sua recitação não só nos faz recordar a mensagem como também nos exorta a vivê-la

A primeira oração mais uma vez, depois da aparição do anjo, refere-se ao mistério da Santíssima Trindade. As aparições de Fátima começam com a Trindade e encerram com a Trindade. Maria revela aos pastorinhos a identidade de Deus uno e trino, um só Deus em três pessoas distintas. Ao contrário das outras duas orações, esta. não foi ensinada diretamente pela Nossa Senhora;
Mas sim inspirada pelo Espirito Santo, e recitada pelas crianças de uma forma quase autómata pelas crianças diante de Senhora.

A segunda oração é uma oração sacrificial, ou seja, a aplicação prática de uma parte da mensagem de Fátima - a penitência, que no contexto da mensagem de Fátima significa oferecimento de nós mesmos pelos outros, pela conversão dos pecadores.

A terceira oração é a mais conhecida universalmente pois é repetida por todos os católicos que rezam o terço entre mistério e mistério. Pede pela salvação universal em especial por aqueles que estão mais longe dela.

1ª Oração comunicada aos videntes num impulso íntimo
… Abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos. Então por um impulso íntimo também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente:

Ó Santíssima Trindade, eu vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento.

E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: «Abbá! - Pai!» Gálatas, 4, 6 – As crianças viram-se em Deus e em Deus viram, ao mesmo tempo, a Sua identidade como sendo Uno e Trino assim como a identidade deles mesmos, dos pastorinhos como sendo filhos queridos de Deus. Inundados pela luz de Deus, são guiados e inspirados pelo Espírito que, como diz São Paulo aos Gálatas, dentro do íntimo das três crianças grita “Abbá Pai! – Ó Santíssima Trindade!…”. Como diz ainda o apostolo aos Romanos (8,16) Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus.

Neste momento, e logo na primeira aparição os pastorinhos tiveram a visão beatifica de Deus como Uno e Trino e eles mesmos, dentro dessa luz, como filhos adotivos de Deus Pai. No alto do monte, a serra de Aire, naquele momento de transfiguração, não podemos esquecer que eram três as crianças e que ao analisarmos o carácter e personalidade de cada uma delas nos damos conta que cada uma pertence a um centro diferente; Lúcia é cerebral, Jacinta é emocional e Francisco visceral ou instintivo; pelo que podemos concluir que, naquele encontro, encontra-se a trindade humana com a Trindade divina; ou seja a natureza humana nas três personalidades básicas em que se revela, com a natureza divina nas três pessoas em que é constituída.

Esta oração é ao mesmo tempo trinitária e eucarística; é impressionante como da visão beatifica que os pastorinhos sentiram imersos na luz de Deus, imediatamente passam para a adoração, para o amor do Santíssimo sacramento da Eucaristia, ou seja, da revelação celestial, passam para a encarnação histórica de Deus, há dois mil anos, em Jesus de Nazaré e a Sua presença sacramental na hóstia consagrada, no aqui e agora das nossas vidas.

Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta!» Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco, e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes, então, 'mostra-nos o Pai'? João 14, 8-10

A oração implica que na adoração do Santíssimo sacramento adoramos também a Santíssima Trindade. Quem vê a Jesus vê o Pai, e quem ama o Filho ama o Pai. A oração do cristão é portanto sempre uma oração Trinitária. O Santíssimo Sacramento é não só a representação do sacrifício do Filho, mas também o do Pai que no-lo enviou e entregou, como parece sugerir uma imagem muito popular de Deus Pai e o Espirito Santo, representado pela pomba, por detrás da cruz onde está crucificado Cristo.

2ª Ó Jesus, é por Vosso amor,
– Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial quando fizerdes alguns sacrifícios: "Ó Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria". Ao dizer estas últimas palavras, abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar a terra e vimos como que um grande mar de fogo.

Penitência e oração é o resumo da mensagem de Fátima; já falamos do tema da oração concentrado na oração Trinitária e Eucarística, falamos agora da segunda parte da mensagem a penitência que, tal como a oração, é mencionado em todas as aparições. Como Jesus deu a vida pelos seus amigos, como Jesus se ofereceu, pela salvação do mundo, quereis também vós, pergunta a Nossa Senhora aos pastorinhos, oferecer-vos, associar-vos ao sacrifício do meu filho, fazer-vos eco, neste ano de 1917, do sacrifício ocorrido há quase dois mil anos? As crianças disseram logo que sim.

É uma oração insólita porque é subtilmente inteligente; não é uma oração contemplativa como a que já comentamos, mas uma oração que vem da prática, supõe a prática aliás, é uma oração para recitar exclusivamente depois dessa praxis; neste sentido, não é uma oração para todos recitarem e em qualquer situação, mas só para alguns e após uma prática muito concreta.

Como diz a Senhora esta oração é para ser recitada antes, durante e depois de cada sacrifício oferecido. Esta oração é a varinha de condão que transforma uma contrariedade normal da vida num sacrifício oferecido a Deus. Esta oração acrescenta uma mais valia, um valor acrescentado, um juro às vicissitudes do dia a dia, dá-lhes um sentido, uma motivação. Transforma cada uma das nossas dores no ato de abraçar a cruz de Cristo pelo bem da humanidade.

«Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Lucas 9,23
Por isso esta oração não é para ser usada no culto nem na liturgia; não é para ser recitada na Igreja ou no contexto de união íntima com o Senhor; é, ao contrário, uma oração recitada na vida e para a vida. É uma exortação a abraçar cada contrariedade da vida, transformando-o com e, por intermédio desta oração, num “Sacrifício agradável a Deus”; é também, por outro lado uma aplicação prática do evangelho de Lucas.

Sofrer com razão e motivação, custa bastante menos que sofrer sem sentido. Por isso ao oferecermos a Deus os sacrifícios com os quais a vida nos depara, acabamos por sofrer menos. Encontramos conforto no mesmo sacrifício ao sabermos que vai fazer bem a alguém.

Depois de comprometidos com Maria, de se oferecerem a Deus suportando todos os sofrimentos e contrariedades inerentes à vida, e em especial aqueles como consequência de serem testemunhas do eco do Evangelho em Fátima, os pastorinhos não perdiam nenhuma ocasião de se sacrificarem pela conversão dos pecadores.

Se um se esquecia o outro lembrava; estando na prisão de Ourém, terminado o Terço, a Jacinta voltou para junto da janela a chorar.
 – Jacinta, então tu não queres oferecer este sacrifício a Nosso Senhor? – Ihe perguntei.
– Quero; mas lembro-me de minha mãe e choro sem querer.

Ora, se somos filhos de Deus, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, pressupondo que com Ele sofremos, para também com Ele sermos glorificados. Romanos 8,17

Como diz São Paulo, se somos filhos, somos irmãos do Senhor e co-herdeiros, da herança eterna. Se partilhamos da glória do Senhor também devemos partilhar dos meios que levaram a Cristo à sua glória, o sofrimento. Como toda relação de amizade é preciso estar às duras e às maduras, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. “Quem se obriga a amar obriga-se a padecer” diz o proverbio.

 3ª Ó meu Jesus, perdoai-nos…
Quando rezais o Terço, dizei depois de cada mistério: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente aquelas que mais precisarem"… (da vossa misericórdia)

Por fim a oração que a Virgem Maria nos disse que incluíssemos entre mistério e mistério. A oração foi precedida da visão do inferno, que deve permanecer na nossa consciência como possibilidade de condenação.

... perdoai-nos… – a Bíblia diz-nos que o homem justo peca sete vezes por dia, que é o mesmo que dizer que ninguém é justo diante de Deus. Somos todos pecadores, e quem afirma não ter nenhum pecado é um mentiroso, como diz a Bíblia. Assim sendo, sempre que nos colocamos diante de Deus sem qualquer pecado que precise de ser perdoado, não significa que não pecámos, significa simplesmente que a nossa consciência moral não está fazendo seu dever de nos acusar e apontar os nossos defeitos.
... livrai-nos do fogo do inferno – só Deus tem o poder de nos salvar da condenação eterna isto mesmo fez Ele gratuitamente pela da morte de seu filho. Na representação do inferno como um mar de fogo, a Nossa Senhora tem em conta o conceito e a imagem que as crianças tinham dele, seguindo o princípio tomista: Quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur - tudo o que é recebido, é recebido de acordo com a capacidade do receptor.

A forma como entendemos o inferno, no entanto, não é como uma tortura eterna, como parece sugerir o mar de fogo, mas como uma morte eterna e um retorno ao nada para aqueles que nada fizeram, cujas vidas se resumem a nada e nada é o que eles acreditavam que existe para além da morte.

... levai todas as almas para o céu – como sempre na mensagem de Fátima, não nos podemos ocupar e preocupar unicamente com a nossa própria salvação, mas também com a dos outros. A Espiritualidade de Fátima não é sobre perfeição pessoal mas com carinho para aqueles que levam uma vida que está errada que não leva a nenhuma parte. Sendo assim, a espiritualidade de Fátima é então uma espiritualidade missionária; oramos pelos outros e pela sua salvação.

O mesmo princípio tomista também se aplica aqui pois acreditamos na ressurreição do corpo, não só da alma. Apesar da antropologia bíblica não ser dualista, a maioria, se não todos, orações litúrgicas da Igreja retratam a natureza humana como corpo e alma, seguindo assim a antropologia grega.

... especialmente aqueles que mais precisarem da vossa misericórdia - especialmente aqueles que mais longe estão da salvação; esta sempre foi a grande preocupação de Jesus: eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao arrependimento. (Lucas 5,32)
Pe. Jorge Amaro, IMC