1 de agosto de 2017

Fátima: Segredo ou Profecia?

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Quando vedes uma nuvem levantar-se do poente, dizeis logo: 'Vem lá a chuva'; e assim sucede. E quando sopra o vento sul, dizeis: 'Vai haver muito calor'; e assim acontece. Hipócritas, sabeis interpretar o aspeto da terra e do céu; como é que não sabeis reconhecer o tempo presente?»
Lucas 12, 54-56

Incultos como eram, os pastorinhos de Fátima, desconheciam o conceito de profecia por isso, chamaram segredo ao que a Senhora lhes comunicou sobre o futuro, assim como as duas visões que tiveram na aparição do dia 13 de julho de 1917. Portanto, o que popularmente é conhecido como “O segredo de Fátima” deve entender-se como a Profecia de Fátima. É neste sentido que o ainda Cardeal Joseph Ratzinger se referiu a Fátima, como sendo a mais profética das aparições modernas.

Profecia e sinais dos tempos
Seguindo o evangelho de Lucas, acima citado, os profetas eram pessoas que estavam bem despertos e atentos aos sinais dos tempos. Ou seja, ao presente impregnado de um futuro que já se antevia aqui e agora. Uma coisa é ver, outra coisa é interpretar e ver sinais do futuro incrustados no momento presente.

Por exemplo, muita gente ao longo dos séculos, tem visto como o vapor de uma panela de água a ferver pode atirar com o testo, e não viram mais que isso mesmo, uma panela de água a ferver; o Senhor James Watt, porém, olhou mais além do fato insignificante, e na tentativa de aproveitar o poder do vapor, construiu a máquina a vapor, que é a primeira máquina construída pelo homem.

A profecia liga o presente ao futuro - no sentido de que o futuro já dá noticia de si mesmo, e já se encontra no momento presente em forma de sinais dos tempos que só os de mente desperta podem perceber; os que olham para o mundo com olhos quem vêm por detrás e mais alem do que é obvio, e, por outro lado, estão sempre em contacto com o Senhor do Tempo: presente, passado e futuro que é Deus.

A profecia liga o futuro ao presente - no sentido de que o futuro não está irreversivelmente fixo, mas é de alguma maneira interativo e suscetível de ser mudado. de facto, o objetivo da profecia na bíblia, é alertar-nos acerca de um futuro que está nas nossas mãos evitar, pois temos liberdade e poder para o modificar e escrever a historia diferentemente. Neste sentido o futuro não é um comboio que perdeu os freios e não já há forma de o deter, mas sim um cavalo a galope perfeitamente domado cujas rédeas estão na nossa mão.

História do segredo
“O segredo da Senhora”, como as crianças lhe chamavam, consta de três partes claramente distintas; a primeira trata-se da visão do inferno, a segunda do ateísmo militante da Rússia, e a terceira de uma representação simbólica do ateísmo militante ao longo do século XX.

O segredo ou profecia, está composto por duas visões, que correspondem à primeira e a terceira parte do segredo, com um discurso intermédio da Virgem, a segunda parte, acerca do ateísmo militante da Rússia. Comunicado pela Senhora aos três pastorinhos no dia 13 de julho de 1917, literariamente o segredo foi escrito em duas épocas diferentes; a primeira e a segunda parte do segredo foram escritas no dia 31 de agosto de 1941, a terceira a 3 de janeiro de 1944.

Passaram-se, portanto, 24 e 27 anos respetivamente desde que em 1917 as crianças afirmaram pela primeira vez que eram depositárias de um segredo que não revelariam. Nos interrogatórios, aos que as crianças foram submetidas, por curiosidade que é inata à natureza humana, as perguntas sobre o segredo eram as mais repetidas. Primeiro ofereciam ouro, prata e dinheiro para as ludibriar a revelar tal segredo e quando não conseguiram seguiram-se as ameaças de morte e a tortura psicológica na prisão de Ourem. As crianças nunca cederam.

1ª Parte: Visão do inferno
Nossa Senhora mostrou-nos um grande mar de fogo que parecia estar debaixo da terra. Mergulhados em esse fogo os demónios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que d'elas mesmas saiam, juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das faulhas em os grandes incêndios sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizava e fazia estremecer de pavor.

Os demónios distinguiam-se por formas horríveis e ascrosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes e negros. Esta vista foi um momento, e graças à nossa boa Mãe do Céu; que antes nos tinha prevenido com a promessa de nos levar para o Céu (na primeira aparição) se assim não fosse, creio que teríamos morrido de susto e pavor.

A existência do inferno é um dado incontornável da nossa fé. Se arrancássemos da bíblia todas as páginas em que o inferno vem mencionado, ficaríamos sem dúvida com uma bíblia mais pequena, mas já não seria Bíblia Sagrada que relata a Palavra de Deus. Há cada vez mais teólogos, que negam a sua existência, alegando que existe só como o zero na matemática, para ajudar nas contas, em virtude de uma coerência lógica, mas que não há lá ninguém. Se há ou não há não sabemos nem nos interessa; o inferno é a possibilidade de não se salvar; é o lugar teológico do mal, assim como o Céu o lugar teológico do bem.

Na morada dos mortos, achando-se em tormentos, ergueu os olhos e viu, de longe, Abraão e também Lázaro no seu seio. Então, ergueu a voz e disse: 'Pai Abraão, tem misericórdia de mim e envia Lázaro para molhar em água a ponta de um dedo e refrescar-me a língua, porque estou atormentado nestas chamas.' Lucas 16, 19-31

Na parábola do Rico e do pobre Lázaro temos uma visão do inferno que, no contexto da parábola, tem a mesma função pedagógica que a visão dos pastorinhos de Fátima. Na visão do Inferno a Nossa Senhora quis reafirmar que ele existe e que é real a possibilidade de não se salvar. A descrição pormenorizada deste, com todos os detalhes das almas a caírem lá dentro e do sofrimento das mesmas no meio do fogo, mais a presença dos demónios que tanto apavorou os pastorinhos, tem um intuito pedagógico e funciona como um alerta, para os que nesta vida não seguem a Cristo como caminho, verdade e vida.

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. Mateus 10, 28

Na Bíblia há duas formas de representação do inferno; o inferno como tortura eterna e o inferno como morte eterna. A visão mais comum, a que aparece mais vezes, é a do inferno como morte eterna, ou seja, regressar ao nada quem nada foi, nada fez na vida, não serviu a nada nem a ninguém, e, em vez de acreditar em Deus e na vida eterna, não acreditou em nada para além da morte.

É inconcebível que, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, condenasse a uma eternidade de sofrimento e tortura a quem na temporalidade, por mais longa que fosse, tenha vivido no pecado; nem os tribunais humanos são assim tão severos. Não haveria nenhuma proporção entre o crime e a pena.

As poucas vezes, portanto, em que na Bíblia o inferno aparece como sofrimento eterno, tem um intuito meramente pedagógico, baseado na realidade de que os seres humanos temem mais o sofrimento que a morte. Pelo que, o inferno como tortura eterna, tem uma força motivacional para mudar de vida muito superior ao inferno concebido como morte eterna, que se coaduna mais com o que realmente será.

Como visão profética do inferno é mais apelativa a visão deste como tortura eterna. Os pastorinhos, portanto, não viram o inferno conforme ele é, mas sim como o imaginavam, inspirados no que lhes foi dito em inúmeras pregações, naqueles tempos, nas quais o inferno como sofrimento era tema quase obrigatório.
   
2ª Parte: A II Guerra Mundial e o ateísmo militante da Rússia
— Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores, para as salvar, Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração. Se fizerem o que eu disser salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar, mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior.

Quando virdes uma noite, alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados.

Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz, se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja, os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.

A Nossa Senhora propõe a devoção ao Imaculado Coração de Maria como antídoto para combater o mal em todas as frentes, individual e social. Se Salvação é a visão real de Deus, que supera a visão beatifica à qual alguns nesta terra têm acesso, a proposta desta devoção não é outra coisa que o eco do evangelho de São Mateus 5, 8:  Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Um coração que se purgou e purificou de todo mal e corrupção vê a Deus.

Um coração assim limpo, não está dividido, e está pronto a comprometer-se unilateralmente e incondicionalmente; é, desta forma, uma réplica do coração Imaculado de Maria que como ela diz, “Eis a serva do Senhor faça-se em mim segundo a sua Palavra”. O coração é o centro motor da atividade humana, onde os pensamentos ganham motivação e impulso para se transformarem em obras ou comportamento. Quando o nosso coração pertence a Cristo, tarde ou cedo poderemos dizer como o apostolo, Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.
Pe. Jorge Amaro, IMC