1 de julho de 2017

Fátima: Lúcia a Mensageira

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Perfil humano
Nasceu em 22 de março de 1907, última dos sete filhos de António dos Santos, irmão da Sra. Olimpia mãe do Francisco e da Jacinta; era sã e robusta, mas não era de feições delicadas, era até um pouco rude. De rosto moreno e arredondado, nariz um pouco achatado, boca larga de lábios grossos; o único atrativo físico vinha-lhe dos olhos pretos, grandes e expressivos.

Mas o que lhe faltava em beleza física tinha a Deus recompensado em beleza interior. Era muito responsável, desde muito pequena qualquer tarefa lhe podia ser confiada; era uma educadora de divertindo as crianças com jogos e historias por ela contadas, tanto da bíblia como dos santos, como lendas daquela terra. Fazia procissões, cantava os versos da Igreja e ensinava catequese.

Naquele tempo a primeira comunhão só se fazia aos 10 anos; Lúcia, porém, comungou aos 6 anos porque com a memoria prodigiosa que tinha, sabia o catecismo todo de cor. Alem da memoria era também muito inteligente e criativa em atividades e divertimentos para distrair as crianças, pelo que todas as crianças, não só a Jacinta e o Francisco, tinham por ela um atrativo especial.

Ao contrário de Jacinta e de Francisco era vivaz, extrovertida e mexida, uma líder natural. O qual não a impedia de chegar a ser tão meiga e afetiva como Jacinta, uma afeição que manifestava a diariamente em especial com a sua mãe, quando voltava de pastorear as ovelhas cobria a mãe de abraços, beijos e mimos.

«A Lúcia era muito divertida - refere-nos uma outra sua companheira, Teresa Matias. - Era muito amiga de nos fazer jeito, de maneira que muito gostávamos de estar com ela; de mais, era muito inteligente, cantava e dançava bem e sabia-nos ensinar cantigas. Todos nós lhe obedecíamos. Passávamos assim horas e horas a cantar e a dançar que até nos esquecíamos de comer.

Como ela própria diz nas suas memórias, eram muito amigas de dançar e de festas. O dia 13 de junho era um dia sempre muito esperado por Lúcia pois se festejava de maneira especial na aldeia. A Dona Maria Rosa, conhecendo a filha, sabia que não trocaria as festas por coisa nenhuma. Mas é claro que se enganou. As aparições mudaram a forma de ser de Jacinta e de Francisco e também de Lúcia.

Jacinta e Francisco sofreram pela doença e os pequenos sacrifícios que eles inferiam de ocasiões como não comer não beber etc. Lúcia não precisava de buscar sacrifícios pois o sofrimento vinha ter com ela todos os dias. Foi a que mais sofreu a incredulidade dos que não acreditavam nas aparições, pelo que teve de suportar vexames troças, ameaças e até bofetadas.

Naquele 13 de Maio de 1919 quando o governo queria impedir os peregrinos de ir à Cova da Iria dois guardas agarraram a Lúcia, que para lá também se dirigia, e disseram um para o outro em voz alta: aqui estão covas abertas. Com uma das nossas espadas cortamos-lhe a cabeça e aqui a deixamos, já enterrada. Assim acabamos com isto duma vez para sempre.

Ao ouvir estas palavras, julguei-me realmente chegada ao meu último momento; mas fiquei tanto em paz como se nada fosse comigo. Passado um momento, em que pareceu ficarem pensativos, o outro respondeu: – Não, não temos autorização para isso.

Em especial sofreu por causa da incredulidade do seu pároco e das suas irmãs e mãe. Esta última mesmo depois de ser curada por especial favor de Nossa senhora chegou a afirmar: que coisa! Nossa Senhora curou-me e eu parece que ainda não acredito! Não sei como isto é!

Lúcia e o Eneagrama
A mente – sentimento - instinto são os três filtros pelos quais acostumadamente entendemos a realidade, nos relacionamos com ela e com os outros. Todos buscamos uma única coisa segurança; os sentimentais ou emocionais buscam relacionar-se e ser aceitados e amados pelos outros e assim encontrar o equilíbrio interior; os viscerais confiam nos seus instintos, na sua intuição ou sexto sentido; os cerebrais usam a mente para tentar entender, pois conhecimento significa poder.

Francisco era visceral instintivo, sentia-se bem consigo mesmo buscava a natureza, abstraindo-se de tudo e de todos, buscando uma única relação, estar com o “Jesus escondido” para o consolar. Jacinta era sentimental, dependente da relação com os outros sobretudo com a sua amiga intima, Lúcia; descobriu o sofrimento como forma de amor e nele viu o seu contributo para a salvação de muitos.

Lúcia era claramente cerebral, usava a mente para entender tudo e todos os que a rodeavam e o que acontecia; como tal não era 6 pois os seis são bastante inseguros e cheios de dúvidas; Lúcia parece bem firme no terreno e segura de si mesma. Apesar daquele episódio de dúvida de se as aparições seriam coisa do demónio, mas a dúvida não surgiu espontaneamente na sua mente, foi la colocada pelo seu pároco em quem ela confiava cegamente.

Também não é um 5 pois ao contrário do Francisco que se retirava Lúcia gostava de estar sempre no meio de gente por ser extrovertida e inquisitiva e desenvolta e criativa sempre buscando novos jogos ou atividades para entreter as crianças.

O número que melhor se aproxima à sua forma de ser por irónico que pareça é o 7. Precisamente o número que, de entre todos os números do eneagrama, foge do sofrimento. E no entanto, foi a que mais sofreu enquanto ao crédito das aparições; os três eram vexados pelo povo em geral, mas enquanto Jacinta e Francisco, pelo menos em casa, estavam a salvo e na rua estavam protegidos pela autoridade do seu pai o Sr. Marto, Lúcia em casa era maltratada pela mãe e pelas irmãs e tida como embusteira e mentirosa; na rua a sua mãe não lhe importava que até lhe batessem se com isso ela dissesse a verdade.

Por outro lado, quanto ao oferecer sacrifícios voluntários, não era tão zelosa como os dois primos. Lúcia de alguma forma nem é tão sofredora com Jacinta nem tão adoradora como Francisco. Lúcia vive nas relações sociais e na diversão por isso era tão boa com as crianças. Ninguém entretém tanto nem melhor que um numero 7; sempre preparados para a palhaçada, os jogos, as danças…

Neste sentido Lúcia, apesar de ser a líder dos três, e a vidente mais importante do grupo, não se nota que encarne no imediato um aspeto específico da mensagem de Fátima, como Jacinta a penitência e Francisco a oração, e em especial, a adoração ao Santíssimo Sacramento.

A razão pode ter a ver com o facto de que Francisco e Jacinta sabiam que não lhes restava muito tempo de vida por isso viviam de uma forma escatológica como as suas mentes e os seus corações postos não já neste mundo, mas no mundo que iria vir, ansiando ver Nossa Senhora a qual lhes tinha dito que pronto os levaria para o Céu, e que o Francisco tinha de rezar muitos terços ainda para lá poder entrar.

Quanto a Lúcia, como muito tempo por diante parece ter vivido a mensagem de Fátima na sua totalidade como um todo e no anonimato, ao longo de muitos anos recluída como religiosa de clausura.

Vida longa em anos curta em eventos
A vida de Francisco e de Jacinta foi de veras curta; ao contrario, a de Lúcia seria muito longa. Sozinha abandonada por todos em especial pelos seus dois amigos confortava-se em repetir o que a Senhora lhe tinha dito, Não tenhas medo! ... Eu ficarei contigo! ... Sempre! ... O meu Imaculado Coração será o teu refúgio! ... e o caminho que te conduzirá até Deus!  ..

Depois da morte de Jacinta dia 17 de junho de 1921 Lúcia foi afastada de Fátima para paradeiro desconhecido do povo, o colégio das irmãs Doroteias no Porto, com o consentimento desta e da mãe tanto para analisar sem a presença dela os acontecimentos como para ver se o povo deixava de acorrer à Cova da Iria e visitar a única vidente ainda viva.

Tocada pelas aparições, a vida de Lúcia foi longa em anos, mas curta em acontecimentos. Do colégio do Porto passa para o postulantado das irmãs Doroteias em Pontevedra e dali para o noviciado em Tuy que termina a 3 de outubro de 1928. Demora-se por Espanha até ao ano 1946 em que volta a Portugal e visita Fátima e a sua família.

Dali recebe a autorização do Papa Pio XII para deixar as Doroteias e realizar o seu sonho primigénio o fazer-se Carmelita; entrou então para o Carmelo de Sta. Teresa em Coimbra o dia 25 de março de 1948 onde levou uma vida de oração e penitência até à sua morte, ocorrida a 13 de fevereiro 2005, como 98 anos.

Lúcia a mensageira
Se Francisco era o contemplativo, o ser orante pois dedicava à oração muitas horas; se Jacinta que como numero 4 faz seu, o drama da humanidade perdida, oferecendo-se e juntando os seus sofrimentos aos de Cristo pela redenção dos pecadores; o que é ou quem é Lúcia para a mensagem de Fátima?

Lúcia é a comunicadora, porque só ela tem uma relação plenamente interativa com Nossa Senhora só ela pergunta e responde só ela dialoga com a Senhora. Lúcia é o porta voz do céu; a mensageira, de alguma maneira a evangelista que anos mais tarde coloca por escrito a vida e ditos tanto da Senhora nas aparições como a forma com os seus primos encarnaram a mensagem de Fátima, da qual ela é, para a posteridade, a testemunha, a depositária e a custódia.

Obedecendo ao Bispo de Leiria, Lúcia colocou por escrito o segredo, que fechou em envelope e enviou ao Papa, juntamente com as suas memorias das aparições nas quais descreve também, de modo biográfico, a vida, ditos e obras dos seus primos e de si mesma.

Como vidente foi, até à sua morte, a intérprete e a exegeta da mensagem de Fátima. Este papel ficou bem claro nas tentativas que os papas desde Pio XII até João Paulo II, fizeram de consagrarem a Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Todos os papas o fizeram, mas todos evitavam nomear a Rússia e algumas vezes não era feita a consagração em união com todos os bispos do mundo.

A Lúcia, se assim o entendesse, não hesitava em dizer que não era como Nossa Senhora queria. Por fim, aquela que o papa João Paulo II fez, a 25 de março de 1984, ante a imagem oficial de Fátima e o ícone de Kasan em Roma, obteve o assentimento de Lúcia, que afirmou: a consagração foi feita e foi aceite.
Pe. Jorge Amaro, IMC