15 de dezembro de 2016

A Magia do Natal

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No tempo do grande rabino Israel Baal Shem-Tovvi quando os judeus estavam sob a ameaça de algum infortúnio, o rabino dirigia-se a um lugar secreto da floresta para meditar. Lá acendia uma fogueira, fazia uma oração especial e o milagre acontecia, o povo era salvo da catástrofe iminente.

Mais tarde, quando tocou ao seu sucessor a tarefa de interceder pelo povo, ia ao mesmo lugar secreto da floresta uma vez lá dirigia-se a Deus nestes termos: “Já não sei como acender o fogo, mas ainda posso recitar a oração”, mas mesmo assim o milagre acontecia.

Os anos foram passando até que um dia quando uma catástrofe estava para abater-se sobre o povo e tocava ao rabino Moshe-Lieb de Sasov realizar o ritual de libertação este disse para si mesmo: “Não sei como acender a fogueira nem a formula da oração, mas ainda conheço o lugar suponho que será suficiente para que o milagre se dê”, e assim foi, ao dirigir-se ao lugar secreto da floresta o milagre da libertação do povo aconteceu.

Passados muitos anos tocou ao rabino Israel de Rizhyn realizar o ritual de libertação do infortúnio. Sentado na sua poltrona, com a cabeça entre as mãos, dirigiu-se a Deus nestes termos, “Sou incapaz de acender o fogo, desconheço a oração e o lugar secreto onde iam os meus antecessores; o único que posso fazer é contar a história”; isto fez e o milagre também aconteceu.

Tradições natalícias
As tradições que se foram associando ao Natal, fazem desta festa a mais rica de todas do ponto de vista simbólico e também a mais popular na cultura ocidental. Cada uma destas tradições, por si só não engloba todo o sentido do Natal mas ajuda na sua explicação.

O Natal é o Pai Natal, venerável senhor idoso que não esconde a idade nem quer aparentar ser mais jovem, e que se desfaz em amabilidades dando presentes às crianças, acariciando-as e tomando-as ao colo. As suas vestes vermelhas não têm que ver com esse tal refrigerante castanho, como dizem as más-línguas, mas sim com as vestes vermelhas de um bispo; historicamente, o Pai Natal está associado com o Bispo São Nicolau de aí se chamar Santa Claus em Inglês; miticamente, representa a Deus Pai que nos dá o seu filho como presente.

Natal é a bênção Urbi et Orbe do Papa.O Natal são as inúmeras luzinhas intermitentes que enfeitam e iluminam as nossas cidades e aldeias; O Natal são as ruas e montras de todos os comércios adornadas para a ocasião que convidam os clientes a comprar prendas; o Natal são os presépios de tamanho natural nas nossas praças, mais pequenos nas nossas casas, que evocam a verdadeira história do Natal; o Natal é a árvore do Natal, pinheiro alpino cónico que aponta para o Céu, iluminado e enfeitado tanto em sítios estratégicos das nossas cidades e aldeias como dentro dos nossos lares.

O Natal é o frio que leva a acender a lareira onde origem de calor físico motivante de calor humano; o Natal é a noite escura que congrega todos os homens à luz de uma vela; o Natal é uma casa com janelas flamejantes de cálida luz amarela e fumo na chaminé, que contrasta com uma paisagem nocturna de neve branca e fria.

O Natal são os cartões de boas festas que recebíamos às dezenas e ficavam expostos até ao fim das festas, e que agora escasseiam; o Natal é uma família reunida e unida no amor e na harmonia à volta da mesa da consoada; o Natal é a ceia: as batatas cozidas com bacalhau e couves regadas com um luminoso azeite; é o polvo o peru inteiro dourado no meio da mesa; os doces típicos: as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei…

O Natal é o sapatinho na lareira, a alegria dos pais que dão presentes e das crianças de olhos esbugalhados, abrindo-os freneticamente; o Natal é a grande fogueira que arde no adro da Igreja aquecendo os que esperam pela Missa do Galo; o Natal é o canto dos anjos “Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” acompanhado pelas campainhas.

O Natal são as canções de Natal, a “noite Feliz” e demais cânticos apropriados, os “Christmas carols” em inglês, os “vilancicos” em Espanhol e as “Janeiras” em Português; o Natal é o beijar do menino Jesus; o Natal é a saudade dos Natais de outrora que nunca mais voltam; o Natal é a tristeza por não poder estar alegres quando estamos sós ou longe dos que amamos… O Natal é tudo isto e muito mais que isto…

“Jesus is the reason for the season”
A nossa sociedade há muito que vive esta quadra sem referencia à verdadeira historia do Natal, o que leva alguns cristãos a levantarem-se em cruzada contra aquilo que o Natal se tornou vociferando: “Jesus is the reason for the season” (Jesus é a verdadeira razão da festa).

É certo que já poucos conhecem a visitação do Anjo a Maria a encarnação do Criador na criatura e o Verbo Divino que se faz homem, Deus um de nós, Deus connosco para nos ensinar desde dentro da nossa natureza como se deve viver a vida humana. Já poucos sabem que o menino Deus de nome Jesus nasceu num curral de animais em Belém e foi depositado por Maria sua mãe numa manjedoura a servir de berço; os anjos cantavam Gloria a Deus e os mais pobres da região, os pastores, não cabiam em si de contentes e felizes.

Parafraseando o conto acima citado, a magia do Natal acontece todos os anos no tempo assinalado apesar do desconhecimento da verdadeira história. Como se estivesse nos nossos genes, o Natal, o seu espirito e magia é espoletado todos os anos pela chegada do Inverno.

A sua chegada tem o mesmo efeito que o pó das fadas nos contos populares; modifica os pensamentos, os sentimentos e as acções de todos. Em tempo de Natal fazer o bem parece o mais natural e todos têm mais força e motivação para evitar o mal. Nas grandes cidades diminui o crime, há tréguas nas guerras, o homem deixa por um tempo de ser lobo do seu congénere.

“Rainha por um dia”
O Natal é o sonho e a utopia de um mundo futuro mais justo mais pacifico e mais fraterno. A realidade do dia a dia está muito longe deste sonho, mas o dia de Natal parece que o sonho se realiza, e o milagre acontece.

Pode ser tal como “rainha por um dia”, mas é o suficiente para que não nos esqueçamos que o nosso objetivo é de facto que todos os dias sejam Natal como de certo simboliza e significa uma loja de Natal na cidade de Québec no Canadá aberta todos os dias do ano.

O Natal já não é o que era, nem será o que foi; independentemente do que quer que se torne , o seu espirito e a sua magia não se perderão, e teremos sempre Natal, nem que seja só um dia ao ano, pois já não podemos passar sem ele.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de dezembro de 2016

O profeta Isaías - um cristão “avant la lettre”

2 comentários:
Moisés e Elias ao lado de Jesus no monte da Transfiguração simbolizam a Lei e os Profetas, uma forma sintética de referir-se aos livros que compõem o Antigo Testamento. Para os Judeus, como Moisés, o legislador do Monte Sinai ao qual são atribuídos os 5 livros do Pentateuco simboliza a Lei. Elias, que dizimou os profetas do deus Baal no Monte Carmelo, simboliza os profetas por estar considerado para os hebreus, o maior de todos os profetas; tão grande era Elias que nem experimentou a morte como o resto dos mortais, em vida foi arrebatado ao céu do qual se esperava que voltasse como percursor do messias para anunciar a sua vinda.

Diferente da perspetiva judaica, do ponto de vista do Cristianismo, e entendendo o Antigo Testamento como uma preparação para o Novo, o maior profeta é Isaías. Ao contrário de Elias que era tendenciosamente nacionalista e algo xenófobo, Isaías é universalista e está aberto a todos os povos e a todas as raças. Todos os anos no advento nos deleita com a sua visão idílica de uma sociedade aberta e inclusiva onde reina a paz e a harmonia entre todos apesar das suas diferenças:

Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá. (Isaías 11, 6) Neste mundo renovado onde as espadas se transformam em arados e as lanças em foices, (Isaías 2,4) Jerusalém não é a capital de Israel mas do mundo pois é lá que o Senhor do Universo vai preparar para todos os povos um banquete de manjares deliciosos e vinhos generosos. (Isaías 25,6).

Cristo de facto no discurso inaugural da sua vida pública cita este mesmo profeta para dizer que a Palavra que Deus proferiu pela sua boca como promessa é hoje em Jesus cumprimento, Palavra encarnada facto. O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem… (Isaías 61, 1-2; Lucas 4,16-22)

É Isaías que 300 anos antes de Cristo nos fala das circunstâncias do nascimento de Jesus apresentando-nos a sua visão do mistério da encarnação de Deus; uma virgem dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel que significa Deus connosco. (Isaías 7, 14).

É também Isaías que nos antecipa a paixão do Senhor no seu canto sobre o servo de Javé e nos oferece também o sentido expiatório da paixão e morte do Senhor: Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. (…) Foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. (…) Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro (Isaías 53, 2-7).

Isaías faz no Antigo Testamento o que o autor da carta aos Hebreus faz no novo. Tal como, no Novo Testamento, o autor da carta aos hebreus procura demostrar que o Novo Testamento, a Nova Aliança, não é radicalmente diferente e oposta à Antiga, mas sim uma continuação desta e sobretudo a realização das promessas ali descritas. Assim Isaías com o seu universalismo personifica e preconiza, já no Antigo Testamento de uma forma utópica, o Reino de Deus que Cristo veio trazer à Terra; sobretudo intui já no seu tempo que a salvação é para todos os sem distinção de língua, povo ou nação.

Os dois são personalidades cerneiras para fazer a ponte entre os dois Testamentos. Isaías, desde o Antigo Testamento estende-se ao novo ligando-os detrás para a frente. Ao invés, o autor da carta aos Hebreus da frente para trás, visualizando o Velho como pré-história do Novo.

Como uma árvore que para crescer para cima e alongar os seus ramos precisa de crescer para baixo aprofundando as suas raízes, assim o autor da Carta aos Hebreus, desde o Novo Testamento aprofunda no Antigo para encontrar nele as promessas que agora vê cumpridas no Novo, os cabos soltos que agora são atados, a semente semeada que agora dá fruto, e de como toda a história da salvação estava orientada para a vinda de Cristo.

Como um velho agricultor que planta uma árvore da qual não irá comer fruto, assim foi o sonho utópico do Profeta Isaías acerca de um mundo que havia de vir no qual não houvesse nenhum “povo escolhido” pois se Deus é o Criador logo é também o Pai de todos; um mundo como um teto comum, uma cidade à qual todos chamam lar; uma mesa redonda como o mundo onde lobos e cordeiros partilham a mesma comida; um mundo que não encontra utilidade nas armas ou instrumentos de destruição e as transforma em utensílios de construção.

O autor da carta aos Hebreus é embaixador do Novo Testamento no Antigo porque tenta explicar e conceptualizar o Novo usando os mesmos conceitos teológicos do antigo; por outro lado, Isaías é o embaixador do Novo no Antigo porque apesar de viver no Antigo Testamento, tem uma mentalidade que sintoniza melhor com o Novo que com o Antigo Testamento. Assim sendo, podemos chamar Isaías um cristão “avant la lettre”, e ao autor da carta aos Hebreus um Judeu convertido.
Pe. Jorge Amaro, IMC