15 de outubro de 2016

Perdoar com condições

1 comentário:
Os fracos não conseguem perdoar.
A capacidade de perdoar é atributo dos fortes
… Perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.' Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.» Mateus, 6 12-15 

Deus só perdoa se perdoarmos
A oração do Pai Nosso é muito mais que uma simples oração; é o resumo mais resumido da mensagem de Jesus; contem tudo o que devemos praticar para ter vida e tê-la em plenitude. Desta forma a dimensão do perdão não só faz parte do corpo da oração, como merece de Jesus um comentário a modo de “Post Scriptum”.

De todos os temas enumerados nesta oração, como se de uma lista se tratasse, Jesus só comenta um, o perdão, para que fique claro sem lugar a dúvidas ou falsas interpretações tudo o que pensa a respeito. Fá-lo nos versículos 14 e 15 já fora do corpo da oração.

Frequentemente em homilias dialogadas costumo perguntar se Deus nos ama incondicionalmente ao que unanimemente todos respondem que sim; seguidamente pergunto se Deus também nos perdoa incondicionalmente e sem muito pensar todos respondem que sim porque acham que é logico que assim seja.

Quando contradigo a ideia consensual de que Deus perdoa incondicionalmente dizendo que não que o perdão de Deus não é incondicional como o seu amor, mas tem condições, exige alguns requisitos, todos são apanhados de surpresa e muitos, mais uma vez sem pensar, até se apressam a dizer que a minha doutrina é falsa.

Muitos cristãos rezam o Pai Nosso provavelmente mais que uma vez por dia e não se apercebem do que dizem e ao que se obrigam. Do comentário a modo de apêndice, que o próprio Cristo faz, se só podemos concluir que embora Deus não coloque condições para nos amar, não sucede o mesmo à hora de perdoar; Deus não nos perdoa incondicionalmente pelo que devemos satisfazer as suas condições para obter o Seu perdão. Para sermos perdoados, é “conditio sine qua non”, que perdoemos aqueles que nos ofenderam.

De facto, na oração que Jesus nos ensinou, quando dizemos, perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido, estamos a dizer a Deus que, como nós já perdoamos, ou seja, já fizemos a nossa parte, que faça também Ele a sua e nos perdoe; colocamos o perdão que devemos conceder aos outros como condição prévia ao perdão que pedimos a Deus; ou seja nós mesmos já condicionamos o perdão de Deus ao perdão que devemos conceder aos outros. O que nos autoriza moralmente a pedir perdão a Deus é o facto de que nós já perdoámos de coração aqueles que nos ofenderam.

Com a medida com que medirdes, assim sereis medidos. (Mateus 7,2). Como o amor que temos por nós próprios deve ser a medida do amor que devemos ter pelo próximo, não podemos querer Deus para nós e o diabo para os outros; não podemos exigir que Deus nos perdoe se nos negamos a perdoar de coração a quem nos fende. Dura é esta linguagem como foi o sermão sobre a eucaristia no evangelho de São João que provocou que muitos já não andassem com o Senhor.

E perdoai nossas ofensas de um modo maior com que perdoamos – A dureza desta linguagem sobre o perdão provocou igual dissidência que aquela sobre a eucaristia. O sacerdote carismático Marcelo Rossi, fazendo ouvidos surdos às palavras de Jesus do versículo 12 pela sua dureza, substituiu-as pelas suas próprias aqui acima citadas.

Perdão revocado
Palavra de rei não volta atrás – Recordemos a promessa do rei Herodes à filha de Herodíade; recordemos Pilatos a respeito do letreiro que escreveu para colocar no alto da cruz do Senhor. Um rei não “rói a corda”, não volta atrás no que disse e prometeu. Muito menos Deus Rei do universo volta atrás.

No entanto, a parábola descrita em Mateus 18, 23-35 sugere que, no caso do perdão Deus volta atrás na sua palavra. A parábola fala de um que devia uma soma exorbitante de dinheiro ao seu Senhor e este, tendo compaixão dele, perdoou-lhe a dívida. Porém como este servo não perdoou a quem lhe devia uma quantia insignificante, o Senhor voltou atrás na sua palavra e revocou o perdão que previamente tinha concedido.

Quando Deus chega ao ponto de tirar o que já tinha dado, algo que uma pessoa sensata nunca faz, quer dizer que não abdica da única condição que exige para nos conceder o seu perdão; ou seja devemos estar preparados para perdoar aqueles que precisam do nosso perdão tanto quanto nós precisamos do de Deus.

Ajudas de custo
Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Mateus 18, 21-22

Sempre a bater na mesma tecla, estes são os versículos prévios à parábola que acima citamos na qual Deus retira o perdão concedido. Deus não nos dá trégua, devemos perdoar não uma nem duas nem três vezes, mas sempre sem nos cansarmos, como Ele mesmo faz. Nunca poderemos dizer “enough is enough”; nunca podemos desistir de ninguém porque Deus nunca desiste de nós.

Não retirando nada à dificuldade de perdoar, os seguintes pontos podem ser uma ajuda:
  1. Ter em conta a educação da pessoa: os traumas recebidos na infância, os maus pais, os maus professores. Não há educações perfeitas; desde Freud, ninguém discute o determinante que são os primeiros anos para o resto da nossa vida; superar esse determinismo não é fácil e muitos nunca o conseguem. Tendo isto em conta, até que ponto a pessoa é responsável pelo que faz? Se os tribunais de justiça têm em conta estes determinantes porque não nós na hora de perdoar. 

  2. Perdoa-lhes Senhor porque não sabem, o que fazem. Esta foi a razão que o Senhor encontrou para perdoar a quem o matou. Quando fazemos o mal, a maior parte das vezes actuamos sob a influência de uma grande emoção; as emoções fortes enevoam a mente, como o faz o álcool e a pessoa não sabe o que diz nem o que faz. Fora de si estava o filho pródigo quando decidiu abandonar a família, como muito bem refere o evangelho, e como a mesma parábola refere, quando voltou a si, regressou à sua família.

  3. Uma coisa é o pecado outra é o pecador. A pessoa que fez uma má obra também faz muitas boas e nós, tendenciosamente, não olhamos às boas só vemos as más. Chegamos a condenar uma pessoa que nos fez bem uma vida inteira por uma única ação contra nós. Relatamos aos quatro ventos o mal que alguém faz, ao contrario, o bem que a mesma pessoa faça nem em privado o relatamos; criticamos o mal, invejamos o bem. Como Deus devemos fazer uma distinção entre o pecador e o pecado, para que não aconteça que “deitemos fora o menino com a água da banheira”.

  4. Muitas vezes somos hipócritas, criticamos nos outros as mesmas más ações que nós também praticamos, ou não estamos livres de um dia vir a praticar, se fossem dadas as mesmas premissas e circunstâncias. Se honestamente concluímos que faríamos o mesmo então perdoar é pôr em pratica o preceito do Senhor, o que queres que os outros te façam faz tu aos outros.

  5. Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos odeiam. Mateus 5, 44 –, Mais do que uma exortação ou um conselho, eu diria que Jesus nos está a dar uma técnica que milagrosamente funciona. Ninguém tem vontade de rezar aqueles que nos odeiam, mas se forçarmos a faze-lo, se nós comprometermos a fazer o que é certo contrariando os nossos instintos, após algum tempo, o sentimento de ódio começa a enfraquecer acabando por desaparecer por completo. Experimenta e verás por ti mesmo. O evangelho não pode estar errado.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de outubro de 2016

Perdoar e esquecer

1 comentário:
Um Ex prisioneiro de um campo de concentração Nazi foi visitar a um amigo que com ele tinha partilhado tão penosa experiência. “Já perdoaste os Nazis tudo aquilo que nos fizeram?” Perguntou ao seu amigo. “Sim já” respondeu ele. Pois eu não e nunca os perdoarei ainda os odeio com toda a minha alma. Ao ouvir isto, o seu amigo disse-lhe aprazivelmente, “se é assim, ainda te têm prisioneiro”. 

Deus perdoa e esquece é como um computador com muita memória operativa sem disco duro para armazenar dados. Para Deus, que vive num eterno presente, o passado não tem valor. Mal e bem contribuíram para o que somos hoje que é o que a Deus interessa; as boas obras formaram o nosso bom caracter as más ações, se soubemos lidar com as suas consequências, deram-nos uma lição, pois na vida aprendemos mais dos nossos erros que dos nossos acertos.

“Águas passadas não movem moinhos”
Não perdoar é escolher ficar preso numa cela de amargura, cumprindo pena pelo crime de outra pessoa.  Mahatma Gandhi

Deus perdoa e esquece, passa página como costumamos dizer; a água não fica agarrada a nenhum lado corre, “moves on” como se diz em inglês. O que acontece com Deus e com a água que uma vez passada já não pode mover o moinho, não acontece connosco. De facto, muitos de nós, contra todas as leis da física, ficamos amarrados ao passado e vivemos a nossa historia circular e repetitivamente como um disco riscado. Desta forma o passado é contínua e obsessivamente projetado no presente, obrigando as pessoas das nossas relações do presente a representar e atuar os nossos monstros do passado, reagindo nós como reagimos naquele então.

Só perdoando as pessoas que nos magoaram no passado nos libertamos das amarras do ressentimento e outras emoções prejudiciais que andam à solta no nosso ser; como nós não as conseguimos controlar porque não as conhecemos, controlam-nos elas a nós, influenciando o nosso comportamento no presente. Só quando perdoamos a que nos emancipamos totalmente dos que nos ofenderam e lhes retiramos o poder que, no caso de não perdoarmos, ainda têm sobre nós.

Conta-se que no Céu Caim evitava a companhia de Abel até que um dia este não entendendo a razão do comportamento do seu irmão resolve confrontá-lo. Ouve lá porque é que foges de mim? Acaso não somos irmãos? Caim olhando-o cabisbaixo e envergonhado responde em tom de pergunta; tu não sabes o que aconteceu lá em baixo na terra entre mim e ti? Tenho uma vaga ideia, disse Abel; foste tu que me mataste a mim ou fui eu que te matei a ti?

Enquanto dura o remorso dura a culpa. Caim não se tinha perdoado ainda a si mesmo… Se Deus perdoa e esquece, passa página nós, pelo nosso bem e equilíbrio anímico, estamos chamados a fazer o mesmo, perdoar os outros e perdoarmo-nos a nós próprios. É certo que os factos não são totalmente esquecidos do ponto de vista cognitivo: mas, se verdadeiramente conseguirmos perdoar, estes são recordados de uma forma diferente, sem emoção; já não provocam stress ou ansiedade, ódio ou ressentimento no nosso coração pelo que verdadeiramente ficaram no passado e podem até ser mesmo esquecidos cognitivamente.

Pecado é dívida contraída
Anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Colossenses 2, 14

“Perdona nuestras deudas asi como nosotros perdonamos a nuestro deudores” Assim rezavam os espanhóis o Pai Nosso há uns anos. Quando pecamos, contraímos uma dívida contra quem pecámos; as relações com essa pessoa, a ordem, o equilíbrio e a harmonia não ficam restabelecidas se a dívida não for paga. A ideia de satisfazer, compensar ou recompensar a quem lesámos vem do facto de nos sentirmos devedores para com essa pessoa. A palavra ofensa, que usamos em português é também agora a que usam os espanhóis para estar em sintonia com a América Latina, não confere o mesmo sentido.

Precisamos de olhar para o pecado como dívida contraída para entender o que São Paulo diz aos cristãos de Colosso. Fala-lhes de facto de uma factura que contem extensivamente e em detalhe os pecados da humanidade e os nossos próprios.  Essa factura que é um documento da nossa dívida, de por si fala contra nós, pois relata todo o mal que fizemos.

Em Cristo, Deus Pai aboliu ou anulou a fatura; no original grego São Paulo não usa o termo chiastrein que significa anular ao colocar um X em todo o corpo da factura. Não usa este termo porque mesmo depois de anularmos uma factura sempre a podemos ler e depois arrependermo-nos de termos perdoado a dívida. O termo que Paulo usa é exalaifein, que significa apagar.

Naquele tempo não havia papel, como há hoje; os papiros, e peles eram usados uma e outra vez por isso se escrevia com uma tinta que se apagava facilmente como até há bem pouco fazíamos com as nossas ardósias. Uma vez apagada a factura já não pode ser lida. Mas para que não restasse nenhum vestígio de tal factura Deus crucificou-a ou seja destruiu-a por completo, ou seja é como se tivesse sido queimada; já não pode ser lida não só porque foi apagada, mas porque já não existe.

Jesus de Nazaré pagou a fatura da nossa divida; ao assumir os nossos pecados e de alguma forma Ele incarnou a fatura da divida de toda a humanidade, e com a sua morte destruiu-a.

Subindo ao madeiro, Ele levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fostes curados. 1 Pedro 2, 24

Ao assumir os nossos pecados, Jesus de alguma forma encarnou, ou transformou-se na velha fatura que continha todos os pecados ou dividas da humanidade para com Deus; ao morrer na cruz destruiu-a para sempre. Se em Jesus Deus perdoa e esquece as nossas faltas também nós estamos chamados a perdoar e esquecer as ofensas dos outros e assim como o mal que nos fizemos a nós próprios.
Pe. Jorge Amaro. IMC