15 de junho de 2016

Pedir Perdão

Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Mateus 5, 23-24

A palavra religião vem do latim religare ou seja relacionar-se. A nossa religião consta de dois tipos de relações: a Deus sobre tudo e sobre todos, ao próximo como a nós mesmos. Estos dois mandamentos são inseparáveis tanto na teoria como na prática.

Não é possível estabelecer uma relação com Deus quando estou de relações cortadas com algum irmão. Enquanto não restabeleço a relação com o meu próximo, Deus volta-me as costas; é portanto contraproducente todo o meu esforço em relacionar-me com Deus estando de relações cortadas com o meu irmão. Por outro lado, e parafraseando a São João, como podes pedir perdão a Deus que não vez, se não pedes perdão, ao teu próximo que vês.

Inevitabilidade do conflito nas relações humanas
É inevitável o conflito nas relações humanas. Os conflitos dividem as pessoas entre agressores e agredidos. Para que a paz se volte a restabelecer, os agressores devem pedir perdão, os agredidos devem perdoar. Perdoar e pedir perdão, são portanto, duas caras da mesma moeda. Porque uma vez somos agressores, outras, somos agredidos, todos nós durante a nossa vida temos sobradas ocasiões para pedir perdão e para perdoar. Para uns é mais difícil perdoar, para outros pedir perdão.

O perdão não pedido e não concedido amarra agressores e agredidos a um passado que não acaba de passar, acabando por viver os dois num contínuo presente perfeito. Quando um verbo está em presente perfeito a acção começa no passado mas continua no presente.

Quem não pedir perdão ou perdoar, estabelece-se e permanece no rancor para sempre; faz com que algo que aconteceu no passado num determinado lugar aconteça uma e outra vez; porque cada vez que o acontecimento aflora à consciência os sentimentos perturbadores de odio de rancor e raiva fazem-se sentir outra vez. O agressor que não pediu perdão continua ainda a agredir, mas agora não só a vitima de antanho, mas também a si mesmo vitima do seu orgulho. O agredido que não perdoou perpetua a agressão do agressor e está a pagar inocentemente por algo que não fez.

Se vos irardes, não pequeis; que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento, nem deis espaço algum ao diabo. Efésios 4,26-27

Um delito cometido no passado deve permanecer no passado; como St Paul aconselha aos Efésios. Não se deve deixar passar um dia sequer sem restabelecer a paz: porque se um dia passa, com mais probabilidade passa o segundo e o terceiro, desta feita, como alerta o apostolo, damos uma oportunidade para que o mal se estabeleça em nós.

Quando o agressor e o agredido não assumem a sua responsabilidade e restabelecem a paz por vias do perdão, a ofensa nutrida pelo odio e ressentimento de ambos, cresce de dia para dia drenando-os da sua energia. “Como pedra no sapato”, torna-se omnipresente na mente e no coração de ambos sob forma de uma ansiedade continua criando um clima instável de guerra fria com a possibilidade sempre iminente de o conflito se reacender.

Perdoar e esquecer
Muitas vezes ouvimos a expressão que aquele que não se esqueceu, não perdoou. De uma forma, é verdade, não ter esquecido a ofensa pode de facto significar que a raiva e o ressentimento continuam. Quer isto dizer que só é possível perdoar verdadeiramente quando sofrermos de alguma forme de amnesia ou Alzheimer?

Há diferentes formas de lembrar; uma ofensa perdoada aflora menos vezes à nossa consciência, e quando o faz, já não me perturba como costumava; é como um vírus desativado; já não me faz sentir raiva nem rancor; ao contrario, uma ofensa não perdoada, aflora mais vezes à nossa consciência fazendo com que a raiva e o ressentimento cresçam de dia para dia.

The ball is in your court
“Crê o ladrão que todos são da sua condição” - Muitos dos agressores projectam a sua personalidade e talante sobre os agredidos e não dão o primeiro passo porque temem não ser perdoados. Como a ofensa dói a uns e a outros, e agrilhoa tanto agredido como agressor ao passado, cada um deve fazer-se responsável pela parte que lhe toca, fazendo o que se espera dele, sem entrar em cálculos de probabilidade sobre a possível reacção do outro.

Os nossos inimigos não são os que nos odeiam mas sim a quem nós odiamos - A maior parte das vezes o agredido cessa de odiar-nos no momento em que pedimos perdão e as relações ficam restabelecidas às vezes até cresce mais a amizade.

Reconheço que agredi, reconheço que falhei como o filho pródigo, levanto-me e peço perdão a quem ofendi. Se o outro me perdoar muito bem, se não me perdoar muito bem na mesma; a bola está agora no seu campo se, se recusar a perdoar; o stress, a ansiedade e o remorso que a culpa me causava, desaparece da minha mente e do meu coração pois eu descarreguei-a e desenvencilhei-me dela fazendo o que era requerido de mim e estava ao meu alcance. Não posso obrigar o outro a perdoar; se ele decide ficar no passado está nele sozinho não comigo.

Pedir perdão não é humilhante
Todo aquele que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado, Lucas 14,11 – Quem reconhece o seu erro e pede desculpa, aparentemente humilha-se, mas essa humilhação leva a uma exaltação. O não reconhecer o erro e não pedir desculpa é em si mesmo um acto de orgulho e exaltação e prepotência o qual não poucas vezes leva à humilhação.

Muitas vezes o que nos impede pedir perdão é o medo de ser humilhados pela pessoa que ofendemos, mas na realidade o que acontece é o oposto. O ato de pedir perdão é vivenciado de forma diferente pelo agressor e pelo agredido.  O agressor vivencia-o como humilhação o ter de pedir perdão, o agredido vivencia-o como exaltação; ou seja, o agressor sobe na consideração do agredido.

Ao contrario, quando não admitimos os nossos erros e não pedimos desculpas, é provável que sintamos um certo prazer dentro das muralhas do nosso orgulho e arrogância, porém aos olhos de quem agredimos somos simplesmente patéticos e perdemos a já pouca consideração que tinha por nós. Se conseguirmos pôr de lado nossos sentimentos naturais e abraçar a realidade, todos nos sentiremos melhor vivendo em paz em harmonia com Deus e nossos vizinhos.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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