1 de fevereiro de 2016

Perdidos & Achados - Quem são os pecadores?

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Nas grandes superfícies comerciais, nas Igrejas e em geral onde se encontram grandes multidões há sempre um local para entregar as coisas que uns perdem e outros acham. As crianças perdem-se com frequência, pois não são ainda autónomas e não sabem como orientar-se. No sentido existencial há muita gente perdida e muitos destes acham que não o estão. O evangelho é a melhor loja de perdidos e achados.

Não há capítulo tão conhecido em todo o Novo Testamento como o capítulo 15 do evangelho de São Lucas. É chamado o evangelho dentro do evangelho, pois apresenta e representa a essência da mensagem de Jesus. É também chamado o evangelho da misericórdia.

Comer com pecadores
Os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: «Este homem acolhe os pecadores e come com eles». Lucas 15, 2

O Mestre fala em parábolas quando tem que explicar algo abstracto, como o Reino de Deus, ou quando o interrogam ou criticam o seu comportamento. O capítulo 15, do evangelho de Lucas, é composto por três parábolas sobre a misericórdia; o que motiva estas parábolas foi a crítica dos fariseus sobre o facto de Jesus comer com os pecadores, os socialmente proscritos.

Quem eram os pecadores? – Depois de Sto Agostinho ter dito, “Homo simul justus et peccator”, todos nos consideramos um pouco justos e um pouco pecadores. Afirmar-se justo seria igual a dizer-se santo e por muito fanfarrões que sejamos ninguém se atreveria a tal.

Nos tempos de Jesus não era assim; os mestres da lei, os escribas e os fariseus tinham-se a si mesmos como justos, pecadores eram os cobradores de impostos, porque eram aliados do invasor romano, as prostitutas por razões obvias, os pastores por passarem muito tempo apartados da comunidade e, por regra geral, todo o povo que não se dedicava ao cumprimento da lei com a meticulosidade com que o faziam os profissionais religiosos.

Comer com pecadores - “Junta-te aos bons e serás como eles, junta-te aos maus e serás pior que eles” - Jesus já tinha sido acusado de andar com pecadores, agora porém a acusação é ainda mais forte, ele come com eles à mesa. Na nossa mentalidade ocidental moderna comer com uma pessoa má à mesa nada significa, mas não era assim na mentalidade da gente no tempo de Jesus. No médio oriente a comida é a fonte da vida; os que partilham da mesma fonte de vida estão unidos entre si.

Por esta mesma razão na Etiópia, ainda hoje, os muçulmanos não comem a carne dos cristãos e vice-versa, os cristãos não comem a carne dos muçulmanos. Nas cidades onde vivem cristãos e muçulmanos há talhos de carne para muçulmanos e talhos de carne para cristãos. No acto de abater um animal são ditas orações próprias, pelo que se o animal é abatido por um muçulmano a sua carne é para o consumo exclusivo de muçulmanos; se a comessem os cristãos seriam considerados muçulmanos. Isto mesmo fez um colega meu sacerdote, para ridicularizar esta tradição, em consequência nunca ninguém quis participar nas eucaristias por ele celebradas.

Para os fariseus portanto, se Jesus come com os pecadores significa que é pecador e partilha da mesma vida do pecado com eles. Mas Jesus pensa de outra maneira, come com os pecadores não para se tornar pecador, mas para que os pecadores se tornem como ele. Ao fazer-se amigo dos pecadores e comer com eles, Jesus mostra que a bondade de Deus destina-se a levar os pecadores ao arrependimento (Romanos 2,4)

Mistério da Incarnação - Jesus, viveu com os pecadores, não para se juntar a eles nos seus caminhos pecaminosos, mas para lhes apresentar a boa notícia de que o perdão estava disponível. Muitos foram de facto os pecadores que, ao experimentarem em Jesus o acolhimento, a ausência de crítica, a bondade e o amor incondicional, reconheceram o próprio pecado e converteram-se; exemplo claro disto é o episódio de Zaqueu (Lc 19, 1-10). Do ponto de vista psicológico, ou de “savoir faire”, Jesus usava a melhor estratégia, como dizemos hoje em dia “com fel não se caçam moscas”. Não é com ódio que se vence o inimigo, mas com amor; o ódio ainda o faz mais forte e mais inimigo.

Jesus morreu por nós quando ainda eramos pecadores, (Rom 5,8). A morte de Jesus é o culminar do mistério da encarnação pela qual, segundo Sto Ireneo, “Deus se fez homem para que o homem se faça Deus”. O seu rebaixamento está em função da nossa elevação à categoria de filhos de Deus.

O mistério da encarnação pode ser já antevisto na mensagem do profeta Oseias. Este profeta deliberadamente casa-se com uma prostituta, para que ela se tornasse virgem e voltasse aos tempos do namoro. Com isto queria dizer o profeta que Deus estava casado com um povo infiel, que se prostituía adorando os deuses falsos de Baal; em contrapartida, Deus, representado no profeta, é fiel e não perdeu a esperança de guiar o povo a fidelidade do tempo do noivado ou seja, durante a travessia do deserto desde o Egipto até à terra prometida

Chama a todos porque todos são pecadores
Os fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?» Jesus ouviu-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.» (Mt. 9, 11-13)

Jesus não pode ter dito isto aos fariseus e aos doutores da lei sem uma pisca de ironia um tanto ou quanto sarcástica. Deus não quer sacrifícios frios e rituais, mas que reconheçamos que somos pecadores, que estamos em dívida com Ele, que aceitemos o Seu perdão e a Sua misericórdia e depois, como sugere a parábola do credor incompassivo (Mt 18, 23-35 sejamos também misericordiosos com os outros.

“Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós” (1ª Jo 1,8). Para Jesus ninguém é justo diante de Deus, todos somos pecadores e precisamos da misericórdia divina. Como refere muito bem São João os que, como os fariseus e doutores da lei, se consideram justos, são mentirosos e desonestos, têm não só uma falsa imagem de si mesmos como também uma falsa imagem de Deus.

As três parábolas que se seguem, no capítulo 15 de Lucas também chamado evangelho da misericórdia, ilustram a razão pela qual Jesus, não só anda e come com pecadores, como até escolhe alguns deles para apóstolos.

As primeiras duas, a parábola da Ovelha e da Dracma perdidas são apenas uma introdução à grande parábola do filho pródigo; nelas enunciam-se temas que são depois melhor explicados e desenvolvidos na terceira parábola. Por si só estas duas parábolas, mais que passar uma mensagem, escandalizariam o ouvinte: que sentido tem que um pastor abandone no deserto 99 ovelhas à mercê dos lobos, para ir à procura de uma perdida e festeje o seu encontro?

Da mesma forma também parece ser muito extravagante que uma mulher chame as vizinhas para festejar o encontro de um dracma que tinha perdido em casa. No entanto, quando são seguidas da parábola do filho prodigo servem para despertar a atenção do ouvinte e coloca-lo num estado de maior concentração e em expectativa da parábola seguinte.

Sendo na primeira parábola protagonista um homem e na segunda uma mulher, Jesus quer-nos dizer que vem chamar a todos os pecadores sem distinção de género, nacionalidade, estatuto social, ou quaisquer outras distinções. Por outro lado, quando olhamos para as três parábolas como um todo Jesus quer que concluamos que todos estão perdidos, ou seja todos são pecadores e todos podem ser encontrados e ser recipientes e destinatários da misericórdia divina.

Portanto tão pecadores são a ovelha e o filho pródigo, que se perderam para fora do rebanho e abandonaram a casa do Pai, como a moeda e o filho mais velho que viviam perdidos dentro da casa. Pecadores fora do rebanho e de casa eram os publicanos, as prostitutas e a raia miúda em geral; pecadores dentro do rebando e de casa eram os que se consideravam justos, os fariseus, os doutores da lei e os escribas.
Pe. Jorge Amaro, IMC