1 de janeiro de 2016

O amor e a eternidade

Mira que eres linda, que preciosa eres, estando a tu lado, verdad que me siento más cerca de Dios... Antonio Machín

O tempo e o espaço
O tempo é um continuum, ou um devir não espacial, no qual os acontecimentos ocorrem numa sucessão aparentemente irreversível desde o passado, através do presente, em direcção ao futuro. O espaço é a realidade tridimensional na qual toda a matéria existe.

Como ser espácio temporal, o Homem, ocupa um determinado espaço, durante um determinado tempo. É, portanto, um ser limitado, porque está confinado a um espaço e finito porque a ocupação desse espaço tem os dias contados. O amor porém, desfazendo as limitações do tempo e do espaço, faz o Homem eterno.

O amor
Não é fácil definir “amor”. É uma palavra demasiado usada e abusada pelo que tem muitos significados, alguns deles variando até de pessoa para pessoa. Fugindo da complexidade e confusão, que o emaranhado de diferentes conceitos e realidades abrangidos pela mesma palavra gera na nossa cabeça, podíamos reduzir o conceito de amor a dois termos; um mais ético, a benevolência e outro menos ético ou mais natural, o desejo ou a atracção que se sente pela pessoa amada.

Amor como benevolência
Sto. Tomás de Aquino definia amar como querer o bem do outro. Ágape em grego, traduzido para Caritas em latim, amar é descentrar-se de si próprio e fazer o outro objecto e razão do nosso existir. Este é o tipo de amor que permitiu a São Francisco de Assis beijar um leproso, por quem não se sentia minimamente atraído, e a Cristo e os seus seguidores amar os inimigos.

Amor como desejo e atracção
Unindo os dois conceitos gregos de “Eros” e “Filia”, o amor é um sentimento de intenso desejo e atracção, por uma pessoa com quem se busca unir espiritualmente, afectivamente e sexualmente, numa relação intima e romântica.

É certo que as duas acepções de amor podem, e até devem, unir-se numa só. No entanto para simplificar, nesta reflecção, vamos colocar de parte a primeira definição dado que, sempre que vulgarmente se fala de amor fora do contexto religioso, a maior parte das pessoas entende o amor romântico e não o de benevolência.

Amar é experimentar a eternidade no aqui e agora da nossa existência
Fui toda a vida coleccionador de momentos de eternidade Artur Rubinstein.

Para os amantes, ou enamorados, todo o tempo é pouco para estar juntos, e só se apercebem do “fugit tempus” depois de muitas horas em que não foram conscientes dele. Durante essas horas, em que o amor os fez abstrair-se do tempo e do espaço, experimentaram a eternidade. Quando estás junto da pessoa amada o espaço que ocupas com ela esfuma-se, e o tempo pára, porque se perde a consciência de um e de outro; só existes tu e a pessoa amada.

Só o amor pulveriza, faz desaparecer e anula o tempo e o espaço; portanto, a eternidade não existe só na eternidade ela pode ser já experimentada aqui, como prova da sua existência. O ser humano está vocacionado à eternidade e a ela acede pelo amor; aqui e agora de uma forma virtual, para além do espaço e do tempo de uma forma real.

Quando os amantes estão juntos perdem a noção do tempo e do espaço e experimentam virtualmente a eternidade provando que ela existe. Só o amor te pode conduzir à eternidade real porque Deus é amor. Como sugere Artur Rubinstein, quantos mais momentos de eternidade coleccionamos, mais eternos nos tornamos.

“Quality time”
É uma expressão inglesa de difícil tradução. Refere-se ao tempo dedicado exclusivamente para nutrir uma pessoa, ou pessoas amadas, assim como uma actividade de tempo livre, um hobby. Por exemplo, um pai decide não ir ao bar à noite para passar “quality time” com a sua mulher e filhos; um namorado decide pôr os livros de parte para passar “quality time” com a sua namorada.

Time is Money dizem os mesmos ingleses; mas o tempo dedicado à angariação de dinheiro não é tão salutar como o tempo dedicado ao amor; não nos faz perder a noção do tempo e do espaço como o amor o qual prova que não são bens eternos mas temporais; por outro lado, não nos enche as medidas porque o nosso coração foi feito para amar pessoas não bens materiais. Ao contrário dos seres humanos, o tempo dos animais é todo ele gasto na angariação do que precisam para viver; pelo que mortais seremos nós, como eles são, se os copiarmos no uso do nosso tempo.

Eternidade – Amor – Deus - são conceitos que se auto implicam. O acima citado cantor, António Machin, sentia-se mais perto de Deus na companhia e na contemplação da beleza da sua amada. Deus é eterno, existe para além do tempo e do espaço que Ele mesmo criou. 1 João 4, 8 diz que aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor.

Quem não ama não conhece a Deus nem acede à eternidade, porque a eternidade é Deus e Deus é amor; e se Deus é amor a única forma de O conhecer é amando. O amor é a porta do céu e faz desta terra o Céu para os que amam. Como o amor leva à eternidade, faz experimentar essa mesma eternidade no aqui e agora de quem ama. Vocacionados e chamados a “ser como Deus” é pelo amor, ou seja quando amamos, que participamos da Sua essência e somos como Ele.

O amor é mais forte que a morte
Grava-me como selo em teu coração, como selo no teu braço, porque forte como a morte é o amor, Implacável como o abismo é a paixão; os seus ardores são chamas de fogo, são labaredas divinas. Cântico dos Cânticos 8, 6

Se o amor existe, Deus existe porque é amor; se Deus existe, a eternidade existe, e se a eternidade existe o amor é eterno, e se o amor é eterno não é tão forte como a morte, como diz a amada no Cântico dos Cânticos, mas sim mais forte que a morte. O nosso Camões diz que o amor é fogo que arde sem se ver… A amada do Cântico dos Cânticos diz que essas labaredas são divinas portanto eternas.

Ars lunga vita brevis, o amor é uma arte e como tal é eterno; a vida porém é breve, no entanto quando é gasta no cultivo do amor torna-se eterna, pois só o amor traspõe os umbrais da morte e conduz à eternidade.

Isto mesmo conclui Camões ao narrar num dos seus sonetos o amor bíblico de Jacob por Raquel. Este por causa de esse amor foi obrigado pelo seu tio Labão a servir de pastor por sete anos; depois dos quais o seu tio em vez de lhe dar Raquel deu-lhe Lia a irmã mais velha, com a desculpa de que não podia casar a mais nova sem primeiro casar a mais velha.

O soneto fecha-se com as palavras de Jacob que ao preparar-se psicologicamente para servir o seu tio por mais sete anos para conseguir Raquel exclama: “Mais serviria, se não fora, para tão longo amor tão curta a vida”. O amor é de facto eterno, não pode realizar-se plenamente no tempo, por isso nos conduz à eternidade para aí se realizar na sua plenitude; o amor concede-nos a eternidade quando nós lhe dedicamos a nossa temporalidade, o tempo da nossa vida.

É também por isso que, como Jesus fez, é possível morrer de amor e por amor, pois quem por amor morre nunca morre pois o amor é eterno. Quem por amor dá a vida, nunca a perde; ao contrário, como garante Jesus, é quem não a dá que a perde. (Lc 9,24). Só se dá o que se tem e só se tem o que se dá.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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