15 de janeiro de 2016

Ante a miséria misericordia

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Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. (…) Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré. Misericordiae Vultus

Deus que ao longo do Antigo Testamento se revelou como sendo misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e de fidelidade, que mantém a sua graça até à milésima geração, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado, (Ex. 34, 6-7) revela o seu verdadeiro rosto em Jesus de Nazaré. Jesus encarna na sua vida mortal a misericórdia de Deus. Vamos ver como, em diversos episódios da sua vida pública.

Compaixão pelas multidões
Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. (…) Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. (…) Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe. Mateus 9, 36; 14, 14; 15, 32

A palavra usada aqui para significar teve compaixão (splagchnizomai) é a mais forte na língua grega quando se fala de misericórdia, comiseração, ter pena de alguém. Vem de splanxma, que significa entranhas, e descreve o grau de compaixão que comove e faz estremecer uma pessoa até ao mais profundo do seu ser. Aparte do seu uso em algumas parábolas, nos evangelhos só é usada nos episódios que aqui nos propomos estudar: Mateus 9,36; 14,14; 20, 34: Marcos 1, 41 e Lucas 7, 13.

O pão da alma - Jesus sente compaixão pelas multidões, pelo povo em geral, porque andam como ovelhas sem pastor. Como dizia Paulo VI, a fome do espirito é bem pior que a fome do corpo. Um espirito subalimentado não é autónomo, não pode guiar a sua vida, não pode chegar à auto-realização e à felicidade. Ante estas multidões errantes, que não encontram o sentido da vida, Jesus ensina-os e apresenta-se ante eles como caminho, verdade e vida; como modelo a seguir.

Em verdade todos nós, tal como ovelhas perdidas, andamos errantes; cada ser humano tomou o seu próprio caminho… (Isaías 53,6). Jesus deu-nos razões para viver, como pessoas individuais e como membros de um povo de um rebanho do qual Ele é o pastor.

A saúde – Cheio de compaixão ante o sofrimento humano causado por varias doenças, Jesus curou-os; afligido com as aflições dos outros, não suportava ver ninguém a sofrer, logo tratava de terminar esse sofrimento. Em vez de dizermos que Jesus é a nossa salvação bem podíamos dizer que é a nossa saúde. “Salus” do latim significa saúde e não salvação. Grande parte da vida de Jesus foi passada sendo médico, curando todo o tipo de doenças porque sem saúde não há vida. Jesus traz saúde para o corpo, saúde para o nosso psiquismo, saúde para a nossa alma, para o nosso espirito, saúde para a nossa consciência moral e a vida passada, saúde para o nosso corpo.

O pão do corpo – Por causa da fome do espírito as pessoas, ávidas das palavras do Senhor, ( porque falava com autoridade dizem os evangelhos ou seja era um autoridade em tudo o que dizia) permaneceram três dias como ele e por fim tinham fome. Jesus não os podia despedir sem lhes dar algo para comer e restaurar as suas forças para o caminho. Isso queriam os apóstolos despacha-los, que fossem eles buscar a comida, mas Jesus insistiu que fossem eles a providenciar….

Primum vivere deinde philosophari - Bem conhecia Jesus a hierarquia das necessidades de Maslow, por isso não se preocupa só com uns aspectos da vida humana, como pretendiam os discípulos que fizesse, mas com todos, por isso não podia deixar ir a multidão sem dar-lhes ele mesmo de comer…. Pão para as nossas bocas, a satisfação das nossas necessidades materiais é o que também pedimos no Pai Nosso.

Compaixão pelos marginados
Quando iam a sair de Jericó, uma grande multidão seguiu Jesus. Nisto, dois cegos que estavam sentados à beira da estrada, ao ouvirem dizer que Jesus ia a passar, começaram a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de nós!» (…) Jesus parou, chamou-os e perguntou-lhes: «Que quereis que vos faça?» Responderam-lhe: «Senhor, que os nossos olhos se abram!» Dominado pela compaixão, Jesus tocou-lhes nos olhos. Imediatamente recuperaram a vista e seguiram-no. Mateus 20, 29-34

Jericó, a cidade mais antiga do mundo, data do ano 9.000 antes de Cristo. Na bíblia significa e é o símbolo do pecado. A parábola do Samaritano fala-nos de um homem que caiu nas mãos dos salteadores porque descida de Jerusalém para Jericó; vinha da graça para o pecado. Jesus quer salvar a humanidade do pecado, por isso vem a Jericó; encarnou na raça humana que era pecadora. O evangelho mostra-nos Jesus já a sair da cidade acompanhado pela multidão dos que tendo experimentado a salvação agora o seguiam como discípulos.

À beira deste caminho, que leva à salvação, estavam dois cegos, que não podiam andar pela estrada pois não a viam. Ouviram falar daquele que é caminho, verdade e vida e não queriam perder a oportunidade única que agora se lhes apresentava. Há de facto oportunidades que só aparecem uma vez na vida. Por isso apesar do obstáculo da multidão, que os mandava calar, eles gritaram mais forte agarrando-se à única tábua de salvação que era o Senhor.

Jesus pergunta-lhes o que querem, pois podiam não querer mudar de vida, podiam só querer umas moedas para perpetuar a vida de dependência que levavam sem ter de trabalhar; muitos de facto preferem que lhes deem um peixe e não uma cana para pescar. Por isso respeitoso Jesus pergunta e só depois, de ouvir a sua resposta de que de facto querem mudar de vida e também eles abandonar Jericó, o pecado, é que Jesus é dominado pela compaixão e os cura.

Na versão de Marcos (10,46-52) o cego é um só e devia ser bem conhecido pois tem nome e chama-se Bartimeu; é encorajado pelos que antes o queriam calar quando Jesus o chama, e este tão ávido de salvação dá um salto para Jesus, abandonando a capa que o cobria e o ligava a uma vida de dependência, da qual ele se queria libertar.

Compaixão pelos excluídos
Um leproso veio ter com Ele, caiu de joelhos e suplicou: «Se quiseres, podes purificar-me.» Compadecido, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: «Quero, fica purificado.» Imediatamente a lepra deixou-o, e ficou purificado. Marcos 1, 40-41

Naqueles tempos e em grande medida ainda hoje, como vi na Etiópia, não há doença mais terrível que a lepra; desfigura o rosto, mata-te socialmente muito antes de te matar individualmente. O leproso ainda hoje é forçado a deixar a sua família e a viver numa aldeia onde só vivem leprosos.

Nos tempos de Jesus viviam escondidos e tinham de gritar impuro, se alguém inadvertidamente se abeirava dos lugares onde eles habitavam. O leproso era um vivo morto, e um morto vivo. Quando Jesus envia os seus discípulos em Missão diz-lhe para curar os doentes e limpar os leprosos, (Mt 10,8).

O leproso quebrou a lei de Moisés ao vir ter com Jesus; no entanto Este em vez de o mandar embora, respondeu ao seu desespero com compreensão e compaixão. Jesus quebrou também a lei quando o tocou, mas para Ele o leproso não era um impuro, mas sim uma alma desesperada à procura de ajuda.

Compaixão e projecção
(…) Levavam um defunto a sepultar, filho único de sua mãe, que era viúva; (…) Vendo-a, o Senhor compadeceu-se dela e disse-lhe: «Não chores.» Aproximando-se, tocou no caixão, e os que o transportavam pararam. Disse então: «Jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!» O morto sentou-se e começou a falar. E Jesus entregou-o à sua mãe. Lucas 7, 12-15

Filho único de sua mãe, que era viúva – Ao revelar-nos a identidade do defunto, São Lucas, com o mínimo de palavras descreve o máximo de dor; a dor mais excruciante que um ser humano pode suportar. O normal é que os pais partam antes dos filhos e não os filhos antes dos pais; é quase contra as leis da natureza que uma mãe vá sepultar um filho. “Eu não vou sepultar o meu filho, o meu filho é que me vai sepultar a mim” palavras de um pai que sequestrou a sala de operações de um hospital e obrigou os médicos a operar o seu filho, apontando-lhes uma pistola pois ele não tinha dinheiro para pagar a operação.

Para cúmulo, como nos diz o evangelho, esta mulher já era viúva. O seu único filho era também a sua única esperança de vida, pois as mulheres naquele tempo não podiam ter propriedade. Jesus observa a situação e ainda de longe já esta cheio de compaixão pelo que, ao aproximar-se, é ele que toma a iniciativa e dirige a palavra àquela a quem ele quer enxugar as lágrimas.

Tenho para mim que Jesus projectou na viúva de Nain toda a dor que a sua própria mãe, Maria, iria sentir quando, sendo ela também já viúva, fosse sepultar o seu único filho Jesus. Então Jesus fez pela viúva de Nain o que não ia poder fazer pela sua própria mãe. Pôde enxugar as lágrimas da viúva de Nain, mas não pôde enxugar as da sua própria mãe. Não há cena mais enternecedora que a Pietá de Miguel Ângelo, toda uma antítese do Natal, Jesus adulto morto no regaço de sua mãe.

Ante a miséria misericórdia
Os doutores da Lei e os fariseus trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio e disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?» (…) «Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra (…) Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?» Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.» João 8, 3-11

Os Judeus queriam colocar o talante misericordioso de Jesus, para com os pecadores, em contradição com a lei de Moisés que no livro do Levítico (20, 10) mandava de facto apedrejar tais mulheres. A atitude de Jesus é tanto mais de louvar se pensarmos que depois de dois mil anos, actualmente, nos países muçulmanos governados pela Sharia isto ainda acontece.

Não é a primeira vez que Jesus é colocado ante um dilema; se não a condena transgride a lei, se a condena contradiz a sua atitude de misericórdia para com os pecadores. Como em outras ocasiões Jesus não obedece aos termos da questão, com o seu silêncio convida os acusadores e também a mulher a um exame de consciência. Ante a insistência dos acusadores, Jesus questiona a sua autoridade como juízes; ao escrever na areia com o dedo recorda, segundo Sto Agostinho, que Deus escreveu as tábuas da lei com o seu dedo, ao mesmo tempo afirma-se como o verdadeiro legislador, aquele que é mais que Moisés. Jesus nem desrespeitou a lei nem contradisse a sua misericórdia.

A nossa tendência é deitar fora o menino com a água da banheira; não conseguirmos distinguir entre o pecado e o pecador. Como era o caso dos fariseus, condenamos mais o pecador que o pecado, porque de facto não estamos isentos; é hipocrisia que pecadores julguem pecadores. Neste, como noutros episódios, Jesus condena o pecado sem condenar o pecador.

Esta mulher foi usada primeiro como instrumento de prazer, por aquele que cometeu adultério com ela; objecto de deleite para todos os que contemplam a sua nudez e se regozijam com a sua vergonha; no seu intento de apedreja-la os fariseus querem usa-la como bode expiatório dos seus próprios pecados; o povo em geral pretende usa-la como objecto do prazer sádico que envolve todos os espectáculos cruéis de linchamentos populares.

Humilhada, ao ver exposto o seu pecado, envergonhada no meio da multidão, desgraçada por ter perdido a sua reputação, aterrada ante a tortura que a esperava. É provável que ante tanta miséria ela mesma desejasse a morte.

Depois de expor a hipocrisia dos que a expuseram, ao fim ficaram só os dois; como diz Sto Agostinho a miséria e a misericórdia. Para não vexa-la ainda mais, sem olhar para ela desde a mansidão, empatia e misericórdia, com que trata as mulheres no evangelho de Lucas, Jesus dirige-se a ela como pessoa e fala-lhe com uma ternura incomensurável, devolvendo-lhe a vida e a dignidade.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de janeiro de 2016

O amor e a eternidade

Sem comentários:
Mira que eres linda, que preciosa eres, estando a tu lado, verdad que me siento más cerca de Dios... Antonio Machín

O tempo e o espaço
O tempo é um continuum, ou um devir não espacial, no qual os acontecimentos ocorrem numa sucessão aparentemente irreversível desde o passado, através do presente, em direcção ao futuro. O espaço é a realidade tridimensional na qual toda a matéria existe.

Como ser espácio temporal, o Homem, ocupa um determinado espaço, durante um determinado tempo. É, portanto, um ser limitado, porque está confinado a um espaço e finito porque a ocupação desse espaço tem os dias contados. O amor porém, desfazendo as limitações do tempo e do espaço, faz o Homem eterno.

O amor
Não é fácil definir “amor”. É uma palavra demasiado usada e abusada pelo que tem muitos significados, alguns deles variando até de pessoa para pessoa. Fugindo da complexidade e confusão, que o emaranhado de diferentes conceitos e realidades abrangidos pela mesma palavra gera na nossa cabeça, podíamos reduzir o conceito de amor a dois termos; um mais ético, a benevolência e outro menos ético ou mais natural, o desejo ou a atracção que se sente pela pessoa amada.

Amor como benevolência
Sto. Tomás de Aquino definia amar como querer o bem do outro. Ágape em grego, traduzido para Caritas em latim, amar é descentrar-se de si próprio e fazer o outro objecto e razão do nosso existir. Este é o tipo de amor que permitiu a São Francisco de Assis beijar um leproso, por quem não se sentia minimamente atraído, e a Cristo e os seus seguidores amar os inimigos.

Amor como desejo e atracção
Unindo os dois conceitos gregos de “Eros” e “Filia”, o amor é um sentimento de intenso desejo e atracção, por uma pessoa com quem se busca unir espiritualmente, afectivamente e sexualmente, numa relação intima e romântica.

É certo que as duas acepções de amor podem, e até devem, unir-se numa só. No entanto para simplificar, nesta reflecção, vamos colocar de parte a primeira definição dado que, sempre que vulgarmente se fala de amor fora do contexto religioso, a maior parte das pessoas entende o amor romântico e não o de benevolência.

Amar é experimentar a eternidade no aqui e agora da nossa existência
Fui toda a vida coleccionador de momentos de eternidade Artur Rubinstein.

Para os amantes, ou enamorados, todo o tempo é pouco para estar juntos, e só se apercebem do “fugit tempus” depois de muitas horas em que não foram conscientes dele. Durante essas horas, em que o amor os fez abstrair-se do tempo e do espaço, experimentaram a eternidade. Quando estás junto da pessoa amada o espaço que ocupas com ela esfuma-se, e o tempo pára, porque se perde a consciência de um e de outro; só existes tu e a pessoa amada.

Só o amor pulveriza, faz desaparecer e anula o tempo e o espaço; portanto, a eternidade não existe só na eternidade ela pode ser já experimentada aqui, como prova da sua existência. O ser humano está vocacionado à eternidade e a ela acede pelo amor; aqui e agora de uma forma virtual, para além do espaço e do tempo de uma forma real.

Quando os amantes estão juntos perdem a noção do tempo e do espaço e experimentam virtualmente a eternidade provando que ela existe. Só o amor te pode conduzir à eternidade real porque Deus é amor. Como sugere Artur Rubinstein, quantos mais momentos de eternidade coleccionamos, mais eternos nos tornamos.

“Quality time”
É uma expressão inglesa de difícil tradução. Refere-se ao tempo dedicado exclusivamente para nutrir uma pessoa, ou pessoas amadas, assim como uma actividade de tempo livre, um hobby. Por exemplo, um pai decide não ir ao bar à noite para passar “quality time” com a sua mulher e filhos; um namorado decide pôr os livros de parte para passar “quality time” com a sua namorada.

Time is Money dizem os mesmos ingleses; mas o tempo dedicado à angariação de dinheiro não é tão salutar como o tempo dedicado ao amor; não nos faz perder a noção do tempo e do espaço como o amor o qual prova que não são bens eternos mas temporais; por outro lado, não nos enche as medidas porque o nosso coração foi feito para amar pessoas não bens materiais. Ao contrário dos seres humanos, o tempo dos animais é todo ele gasto na angariação do que precisam para viver; pelo que mortais seremos nós, como eles são, se os copiarmos no uso do nosso tempo.

Eternidade – Amor – Deus - são conceitos que se auto implicam. O acima citado cantor, António Machin, sentia-se mais perto de Deus na companhia e na contemplação da beleza da sua amada. Deus é eterno, existe para além do tempo e do espaço que Ele mesmo criou. 1 João 4, 8 diz que aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor.

Quem não ama não conhece a Deus nem acede à eternidade, porque a eternidade é Deus e Deus é amor; e se Deus é amor a única forma de O conhecer é amando. O amor é a porta do céu e faz desta terra o Céu para os que amam. Como o amor leva à eternidade, faz experimentar essa mesma eternidade no aqui e agora de quem ama. Vocacionados e chamados a “ser como Deus” é pelo amor, ou seja quando amamos, que participamos da Sua essência e somos como Ele.

O amor é mais forte que a morte
Grava-me como selo em teu coração, como selo no teu braço, porque forte como a morte é o amor, Implacável como o abismo é a paixão; os seus ardores são chamas de fogo, são labaredas divinas. Cântico dos Cânticos 8, 6

Se o amor existe, Deus existe porque é amor; se Deus existe, a eternidade existe, e se a eternidade existe o amor é eterno, e se o amor é eterno não é tão forte como a morte, como diz a amada no Cântico dos Cânticos, mas sim mais forte que a morte. O nosso Camões diz que o amor é fogo que arde sem se ver… A amada do Cântico dos Cânticos diz que essas labaredas são divinas portanto eternas.

Ars lunga vita brevis, o amor é uma arte e como tal é eterno; a vida porém é breve, no entanto quando é gasta no cultivo do amor torna-se eterna, pois só o amor traspõe os umbrais da morte e conduz à eternidade.

Isto mesmo conclui Camões ao narrar num dos seus sonetos o amor bíblico de Jacob por Raquel. Este por causa de esse amor foi obrigado pelo seu tio Labão a servir de pastor por sete anos; depois dos quais o seu tio em vez de lhe dar Raquel deu-lhe Lia a irmã mais velha, com a desculpa de que não podia casar a mais nova sem primeiro casar a mais velha.

O soneto fecha-se com as palavras de Jacob que ao preparar-se psicologicamente para servir o seu tio por mais sete anos para conseguir Raquel exclama: “Mais serviria, se não fora, para tão longo amor tão curta a vida”. O amor é de facto eterno, não pode realizar-se plenamente no tempo, por isso nos conduz à eternidade para aí se realizar na sua plenitude; o amor concede-nos a eternidade quando nós lhe dedicamos a nossa temporalidade, o tempo da nossa vida.

É também por isso que, como Jesus fez, é possível morrer de amor e por amor, pois quem por amor morre nunca morre pois o amor é eterno. Quem por amor dá a vida, nunca a perde; ao contrário, como garante Jesus, é quem não a dá que a perde. (Lc 9,24). Só se dá o que se tem e só se tem o que se dá.
Pe. Jorge Amaro, IMC