15 de dezembro de 2016

A Magia do Natal

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No tempo do grande rabino Israel Baal Shem-Tovvi quando os judeus estavam sob a ameaça de algum infortúnio, o rabino dirigia-se a um lugar secreto da floresta para meditar. Lá acendia uma fogueira, fazia uma oração especial e o milagre acontecia, o povo era salvo da catástrofe iminente.

Mais tarde, quando tocou ao seu sucessor a tarefa de interceder pelo povo, ia ao mesmo lugar secreto da floresta uma vez lá dirigia-se a Deus nestes termos: “Já não sei como acender o fogo, mas ainda posso recitar a oração”, mas mesmo assim o milagre acontecia.

Os anos foram passando até que um dia quando uma catástrofe estava para abater-se sobre o povo e tocava ao rabino Moshe-Lieb de Sasov realizar o ritual de libertação este disse para si mesmo: “Não sei como acender a fogueira nem a formula da oração, mas ainda conheço o lugar suponho que será suficiente para que o milagre se dê”, e assim foi, ao dirigir-se ao lugar secreto da floresta o milagre da libertação do povo aconteceu.

Passados muitos anos tocou ao rabino Israel de Rizhyn realizar o ritual de libertação do infortúnio. Sentado na sua poltrona, com a cabeça entre as mãos, dirigiu-se a Deus nestes termos, “Sou incapaz de acender o fogo, desconheço a oração e o lugar secreto onde iam os meus antecessores; o único que posso fazer é contar a história”; isto fez e o milagre também aconteceu.

Tradições natalícias
As tradições que se foram associando ao Natal, fazem desta festa a mais rica de todas do ponto de vista simbólico e também a mais popular na cultura ocidental. Cada uma destas tradições, por si só não engloba todo o sentido do Natal mas ajuda na sua explicação.

O Natal é o Pai Natal, venerável senhor idoso que não esconde a idade nem quer aparentar ser mais jovem, e que se desfaz em amabilidades dando presentes às crianças, acariciando-as e tomando-as ao colo. As suas vestes vermelhas não têm que ver com esse tal refrigerante castanho, como dizem as más-línguas, mas sim com as vestes vermelhas de um bispo; historicamente, o Pai Natal está associado com o Bispo São Nicolau de aí se chamar Santa Claus em Inglês; miticamente, representa a Deus Pai que nos dá o seu filho como presente.

Natal é a bênção Urbi et Orbe do Papa.O Natal são as inúmeras luzinhas intermitentes que enfeitam e iluminam as nossas cidades e aldeias; O Natal são as ruas e montras de todos os comércios adornadas para a ocasião que convidam os clientes a comprar prendas; o Natal são os presépios de tamanho natural nas nossas praças, mais pequenos nas nossas casas, que evocam a verdadeira história do Natal; o Natal é a árvore do Natal, pinheiro alpino cónico que aponta para o Céu, iluminado e enfeitado tanto em sítios estratégicos das nossas cidades e aldeias como dentro dos nossos lares.

O Natal é o frio que leva a acender a lareira onde origem de calor físico motivante de calor humano; o Natal é a noite escura que congrega todos os homens à luz de uma vela; o Natal é uma casa com janelas flamejantes de cálida luz amarela e fumo na chaminé, que contrasta com uma paisagem nocturna de neve branca e fria.

O Natal são os cartões de boas festas que recebíamos às dezenas e ficavam expostos até ao fim das festas, e que agora escasseiam; o Natal é uma família reunida e unida no amor e na harmonia à volta da mesa da consoada; o Natal é a ceia: as batatas cozidas com bacalhau e couves regadas com um luminoso azeite; é o polvo o peru inteiro dourado no meio da mesa; os doces típicos: as filhoses, as rabanadas, o bolo-rei…

O Natal é o sapatinho na lareira, a alegria dos pais que dão presentes e das crianças de olhos esbugalhados, abrindo-os freneticamente; o Natal é a grande fogueira que arde no adro da Igreja aquecendo os que esperam pela Missa do Galo; o Natal é o canto dos anjos “Gloria a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” acompanhado pelas campainhas.

O Natal são as canções de Natal, a “noite Feliz” e demais cânticos apropriados, os “Christmas carols” em inglês, os “vilancicos” em Espanhol e as “Janeiras” em Português; o Natal é o beijar do menino Jesus; o Natal é a saudade dos Natais de outrora que nunca mais voltam; o Natal é a tristeza por não poder estar alegres quando estamos sós ou longe dos que amamos… O Natal é tudo isto e muito mais que isto…

“Jesus is the reason for the season”
A nossa sociedade há muito que vive esta quadra sem referencia à verdadeira historia do Natal, o que leva alguns cristãos a levantarem-se em cruzada contra aquilo que o Natal se tornou vociferando: “Jesus is the reason for the season” (Jesus é a verdadeira razão da festa).

É certo que já poucos conhecem a visitação do Anjo a Maria a encarnação do Criador na criatura e o Verbo Divino que se faz homem, Deus um de nós, Deus connosco para nos ensinar desde dentro da nossa natureza como se deve viver a vida humana. Já poucos sabem que o menino Deus de nome Jesus nasceu num curral de animais em Belém e foi depositado por Maria sua mãe numa manjedoura a servir de berço; os anjos cantavam Gloria a Deus e os mais pobres da região, os pastores, não cabiam em si de contentes e felizes.

Parafraseando o conto acima citado, a magia do Natal acontece todos os anos no tempo assinalado apesar do desconhecimento da verdadeira história. Como se estivesse nos nossos genes, o Natal, o seu espirito e magia é espoletado todos os anos pela chegada do Inverno.

A sua chegada tem o mesmo efeito que o pó das fadas nos contos populares; modifica os pensamentos, os sentimentos e as acções de todos. Em tempo de Natal fazer o bem parece o mais natural e todos têm mais força e motivação para evitar o mal. Nas grandes cidades diminui o crime, há tréguas nas guerras, o homem deixa por um tempo de ser lobo do seu congénere.

“Rainha por um dia”
O Natal é o sonho e a utopia de um mundo futuro mais justo mais pacifico e mais fraterno. A realidade do dia a dia está muito longe deste sonho, mas o dia de Natal parece que o sonho se realiza, e o milagre acontece.

Pode ser tal como “rainha por um dia”, mas é o suficiente para que não nos esqueçamos que o nosso objetivo é de facto que todos os dias sejam Natal como de certo simboliza e significa uma loja de Natal na cidade de Québec no Canadá aberta todos os dias do ano.

O Natal já não é o que era, nem será o que foi; independentemente do que quer que se torne , o seu espirito e a sua magia não se perderão, e teremos sempre Natal, nem que seja só um dia ao ano, pois já não podemos passar sem ele.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de dezembro de 2016

O profeta Isaías - um cristão “avant la lettre”

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Moisés e Elias ao lado de Jesus no monte da Transfiguração simbolizam a Lei e os Profetas, uma forma sintética de referir-se aos livros que compõem o Antigo Testamento. Para os Judeus, como Moisés, o legislador do Monte Sinai ao qual são atribuídos os 5 livros do Pentateuco simboliza a Lei. Elias, que dizimou os profetas do deus Baal no Monte Carmelo, simboliza os profetas por estar considerado para os hebreus, o maior de todos os profetas; tão grande era Elias que nem experimentou a morte como o resto dos mortais, em vida foi arrebatado ao céu do qual se esperava que voltasse como percursor do messias para anunciar a sua vinda.

Diferente da perspetiva judaica, do ponto de vista do Cristianismo, e entendendo o Antigo Testamento como uma preparação para o Novo, o maior profeta é Isaías. Ao contrário de Elias que era tendenciosamente nacionalista e algo xenófobo, Isaías é universalista e está aberto a todos os povos e a todas as raças. Todos os anos no advento nos deleita com a sua visão idílica de uma sociedade aberta e inclusiva onde reina a paz e a harmonia entre todos apesar das suas diferenças:

Então o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito; o novilho e o leão comerão juntos, e um menino os conduzirá. (Isaías 11, 6) Neste mundo renovado onde as espadas se transformam em arados e as lanças em foices, (Isaías 2,4) Jerusalém não é a capital de Israel mas do mundo pois é lá que o Senhor do Universo vai preparar para todos os povos um banquete de manjares deliciosos e vinhos generosos. (Isaías 25,6).

Cristo de facto no discurso inaugural da sua vida pública cita este mesmo profeta para dizer que a Palavra que Deus proferiu pela sua boca como promessa é hoje em Jesus cumprimento, Palavra encarnada facto. O espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu: enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem… (Isaías 61, 1-2; Lucas 4,16-22)

É Isaías que 300 anos antes de Cristo nos fala das circunstâncias do nascimento de Jesus apresentando-nos a sua visão do mistério da encarnação de Deus; uma virgem dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel que significa Deus connosco. (Isaías 7, 14).

É também Isaías que nos antecipa a paixão do Senhor no seu canto sobre o servo de Javé e nos oferece também o sentido expiatório da paixão e morte do Senhor: Na verdade, ele tomou sobre si as nossas doenças, carregou as nossas dores. (…) Foi ferido por causa dos nossos crimes, esmagado por causa das nossas iniquidades. (…) Foi maltratado, mas humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro (Isaías 53, 2-7).

Isaías faz no Antigo Testamento o que o autor da carta aos Hebreus faz no novo. Tal como, no Novo Testamento, o autor da carta aos hebreus procura demostrar que o Novo Testamento, a Nova Aliança, não é radicalmente diferente e oposta à Antiga, mas sim uma continuação desta e sobretudo a realização das promessas ali descritas. Assim Isaías com o seu universalismo personifica e preconiza, já no Antigo Testamento de uma forma utópica, o Reino de Deus que Cristo veio trazer à Terra; sobretudo intui já no seu tempo que a salvação é para todos os sem distinção de língua, povo ou nação.

Os dois são personalidades cerneiras para fazer a ponte entre os dois Testamentos. Isaías, desde o Antigo Testamento estende-se ao novo ligando-os detrás para a frente. Ao invés, o autor da carta aos Hebreus da frente para trás, visualizando o Velho como pré-história do Novo.

Como uma árvore que para crescer para cima e alongar os seus ramos precisa de crescer para baixo aprofundando as suas raízes, assim o autor da Carta aos Hebreus, desde o Novo Testamento aprofunda no Antigo para encontrar nele as promessas que agora vê cumpridas no Novo, os cabos soltos que agora são atados, a semente semeada que agora dá fruto, e de como toda a história da salvação estava orientada para a vinda de Cristo.

Como um velho agricultor que planta uma árvore da qual não irá comer fruto, assim foi o sonho utópico do Profeta Isaías acerca de um mundo que havia de vir no qual não houvesse nenhum “povo escolhido” pois se Deus é o Criador logo é também o Pai de todos; um mundo como um teto comum, uma cidade à qual todos chamam lar; uma mesa redonda como o mundo onde lobos e cordeiros partilham a mesma comida; um mundo que não encontra utilidade nas armas ou instrumentos de destruição e as transforma em utensílios de construção.

O autor da carta aos Hebreus é embaixador do Novo Testamento no Antigo porque tenta explicar e conceptualizar o Novo usando os mesmos conceitos teológicos do antigo; por outro lado, Isaías é o embaixador do Novo no Antigo porque apesar de viver no Antigo Testamento, tem uma mentalidade que sintoniza melhor com o Novo que com o Antigo Testamento. Assim sendo, podemos chamar Isaías um cristão “avant la lettre”, e ao autor da carta aos Hebreus um Judeu convertido.
Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de novembro de 2016

Misericordia, não sacrificios!

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Este Jesus sem abrigo deixa-te um lugar para te sentes ao seu lado, 
e possas ser misericordioso com Ele e todos…
Estou farto de holocaustos de carneiros, de gordura de bezerros. Não me agrada o sangue de vitelos, de cordeiros nem de bodes. (…) Não me ofereçais mais dons inúteis: o incenso é-me abominável; (…) as reuniões de culto, as festas e as solenidades são-me insuportáveis (…) Quando levantais as vossas mãos, afasto de vós os meus olhos; podeis multiplicar as vossas preces, que Eu não as atendo. (…) Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem; procurai o que é justo, socorrei os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei as viúvas. Isaías 1, 11-17

Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus mais que os holocaustos.
Oseias 6, 6

Os profetas do Antigo Testamento, eram as pessoas certas para os momentos certos. A sua voz, os seus oráculos provinham de uma análise da realidade, os problemas concretos do povo à luz da Palava de Deus e as soluções que apresentavam para os vários problemas e situações eram de inspiração divina. A solução, intuída pelos profetas, era sempre destabilizadora do “status quo” existente porque, frequentemente, a análise era crítica das estruturas sociais e formas de vida que nada tinham que ver com os desígnios de Deus.

A religião que não transforma a vida é ópio
Conta-se que um muçulmano ia com uma faca a perseguir o seu inimigo para o matar, enquanto o perseguia ouviu a voz do Almuadem no alto do minarete da mesquita chamando os fiéis à oração. Interrompeu abruptamente a perseguição, deixou cair a faca, estendeu o seu tapete no chão voltou-se para a Meca e pôs-se a rezar. Terminada a oração enrolou novamente o tapete empunhou de novo a faca e retomou a perseguição do seu inimigo.

Esta é somente uma caricatura de como a pratica da religião pode chegar a estar completamente divorciada da vida. O mesmo ou parecido pode acontecer com os fiéis de todas as religiões. Quando Karl Marx disse que a religião é o ópio do povo, o seu ponto referencial era mais o cristianismo que qualquer outra religião.

Os que frequentam a igreja vão são os piores – Diz um velho ditado; de facto, frequentemente observamos que a pratica dos rituais prescritos de cada religião, não é fator de crescimento pessoal dos seus fieis; em muitas situações até se comportam pior que os que são ateus ou agnósticos; é como se depois de dar a Deus o seu devido o resto das suas vidas não fosse da Sua conta.

A misericórdia como sacrifício de si mesmo
Os profetas do antigo Israel eram unânimes em condenar um culto separado da vida e uma vida separada de um culto conivente e convivente com a injustiça e a corrupção. Não podendo ter as duas coisas, justiça e misericórdia juntamente com sacrifícios, a ter de escolher, já o Deus do Antigo Testamento, prefere a misericórdia aos sacrifícios. Cristo recordou aos judeus do seu tempo que o Deus seu Pai que o enviou mantém esta mesma escolha quando lhes diz peremptoriamente: Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Mateus 9,13

Ao preferir a misericórdia aos sacrifícios, Deus não está de maneira nenhuma a abdicar dos sacrifícios; ele não veio revogar nada da lei só a veio aperfeiçoar. O sacrifício do seu filho na cruz veio substituir os antigos sacrifícios pelos novos sacrifícios; de facto na hora em que Cristo morria na cruz o véu do tempo, o santo dos Santos, rasgou-se como para dizer acabaram-se os sacrifícios da antiga lei e começam os sacrifícios da nova lei.

A nova lei é o amor por isso os sacrifícios que valem, depois de Cristo ter dito e colocado em prática que não há maior amor que dar a vida pelos seus amigos, não são os sacrifícios de cordeiros e bodes; ou seja o dar do que tenho e me sobra aos outros; também não é dar coisas exteriores a mim, mas sim dar-me a mim mesmo. Ante tudo, o sacrifício do meu ego esse é que é agradável a Deus. «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, dia após dia, e siga-me. Lucas 9, 23

No extrañeis dulces amigos que tenga mi frente arrugada, / yo vivo en paz com los hombres / y en guerra com mis entrañas. - É a este sacrifício existencial que o poeta popular, António Machado, alude nesta quadra:  para estar em paz com os homens eu guerreio, sacrifico os meus instintos, as minhas baixas tendências, a ira, o instinto de vingança, o orgulho, o egoísmo, até as minha ideias; tudo isto, eu sacrifico, para viver no amor e na paz com os meus semelhantes.

Ao preferir a misericórdia aos sacrifícios, Deus está a ter as duas coisas numa, pois não há misericórdia que não implique sacrifício; não o sacrifício de algo que me pertence, mas o sacrifício de mim próprio ou uma faceta do meu ego.

Na parábola do Bom Samaritano vemos os dois mundos em confronto; o mundo da antiga aliança, simbolizado no sacerdote e no Levita que obcecados pelo sacrifício de coisas externas a si mesmos passam de largo à necessidade humana sem sentir compaixão, e o mundo da nova aliança, simbolizado no bom samaritano que ante a miséria humana responde com misericórdia; sacrificando-se pelo indigente meio morto, deliberadamente descarrilando-se do seu caminho, pondo de parte a sua vida e os seus negócios.

Esta parábola põe a relevo o quão uma religião que supostamente existe para nos humanizar pode fazer tudo o contrário. Foi precisamente a religião que esvaziou o coração daqueles clérigos de compaixão e os impediu de socorrer aquele que precisava urgentemente de assistência.

Os sacrifícios da antiga lei, os sacrifícios de coisas exteriores a mim, quanto muito fazem-me bem a mim e só a mim. O sacrifício da nova lei, a misericórdia, ou seja, o sacrifício de mim mesmo faz-me bem a mim e aos outros. Nesta óptica, jejuar guardando o que não comi para comer mais tarde é um jejum da antiga lei que me aperfeiçoa só a mim; jejuar dando o que poupei a quem o precisa é um sacrifício da nova lei, pois me aperfeiçoa ao mesmo tempo que me faz solidário com o pobre e desvalido. Quem diz o jejum diz as idas a pé a Fátima, e até as voltas de joelhos na capelinha das aparições.

Sede perfeitos versus sede misericordiosos
Sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito. Mateus 5, 48
Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Lucas 6,36

Que ganho eu com a perfeição do outro? Nada, posso até sofrer se ele usa da sua perfeição e superioridade moral para me criticar ou humilhar. Ao contrário, nada tenho que temer daquele que é misericordioso pois ante a minha miséria será solidário e compassivo.

O cristianismo não é como o budismo, um meio de perfeição e progresso espiritual individual para pertencer a uma pretensa elite de iluminados. Aperfeiçoar-se sem ter em conta os outros não é perfeição nenhuma; um melhoramento individual, que nalguma parte do seu processo não leve a um melhoramento dos outros e do mundo em geral, é negativo pois vai estabelecer mais diferenças sociais, e estas, acabarão por criar mais injustiças. No cristianismo o meu progresso espiritual passa pelo progresso social e vice-versa.

No cristianismo sempre que te diriges a Deus, Ele pergunta-te, como o fez a Caim, onde está o teu irmão? E dentro da filosofia existencial que diz que "cada um sabe de si, Deus sabe de todos” responder, como fez Caim: porventura sou eu o guardião do meu irmão, não é a resposta que Deus quer ouvir… Génesis 4, 9
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de novembro de 2016

Confessar-se directamente a Deus

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É muito frequente encontrar católicos que dizem que não precisam de sacerdote para reconciliar-se com Deus; dizem, “se Deus conhece bem os nossos pecados, e é Ele que perdoa, para que serve o sacerdote? Confesso-me diretamente a Deus”.

Com efeito, no sacramento da reconciliação o sacerdote é somente um intermediário, que medeia entre o penitente e Deus; atua “in persona Christi”, ou seja, representa a Cristo que é quem de facto perdoa. Associados ao capitalismo, os intermediários estão hoje muito mal vistos. Mediando entre produtores e consumidores, são vistos como parasitas da sociedade pois são os que mais, e os que sempre lucram em qualquer transacção comercial.

O consumidor procura comprar directamente ao produtor porque compra mais barato; e o produtor procura vender directamente ao consumidor pois vende mais caro. Em cada vez mais situações os intermediários ficam de fora. Quer queiramos, quer não, a prática do sacramento da reconciliação tem sido negativamente influenciada por esta ideologia negativa a respeito da pessoa do intermediário.

No entanto, e apesar do dito, o sacramento da reconciliação continua a fazer sentido por razões que têm que ver com a mesma natureza humana assim como por razões bíblicas e teológicas.

Razões de natureza humana
O homem é intrinsecamente um ser social porque a sua individualidade - carácter e personalidade, é o resultado da interação com os outros, a começar pelos pais, seguidos dos irmãos, tios, primos, professores, catequistas, colegas de escola etc. Porque se formou na interação, esta mesma interação, muito mais que a introspecção, é um meio privilegiado para o ser humano se conhecer a si mesmo como pessoa.

Diz-se que a cara é o espelho da alma pois é a parte do nosso corpo que mais nos define; e precisamente a cara é também a única parte do nosso corpo que não podemos ver directamente. Vemos a sua imagem num espelho, não a vemos tal qual ela é, pois não há espelhos perfeitos. Só os outros a vêm tal qual ela é; da mesma forma, para ver bem o nosso íntimo precisamos da ajuda de outro.

A Janela de Johari diz-nos que o nosso EU, está dividido em 4 instâncias e dessas quatro só somos conscientes de duas:

  • Eu aberto – Constituído por tudo o que, eu e os outros sabem de mim pela minha partilha; actividades e projectos públicos e conscientes, assim como os sentimentos partilhados.

  • Eu Cego – Constituído pela linguagem corporal e por toda a espécie de mecanismos e dos quais os outros se dão conta e eu não. Eu posso ter um cisco na cara que é visível aos outros e não a mim; só os outros me podem ajudar a possuir esta dimensão da minha personalidade. Só quem está fora da floresta pode ver a floresta, quem está dentro só vê arvores. Até Jesus para possuir esta dimensão pergunto aos seus discípulos “Quem dizem os homens que eu sou?”. Precisamos do “feedback” dos outros para saberemos verdadeiramente quem somos.

  • Eu secreto – Constituído pelas motivações secretas do meu comportamento; sentimentos ocultos, a minha privacidade e os meus segredos; ou seja, aquilo que eu conheço, mas não quero que os outros saibam de mim.

  • Eu desconhecido – Constituído pelos mecanismos de defesa, e por tudo o que Freud chama de inconsciente, e que é a causa de uma variedade de comportamentos para os quais nem eu nem os outros têm explicação. Como conhecer significa poder e controle, o que eu conheço de mim eu posso controlar; o que não conheço controla-me a mim. Para conquistar cada vez mais terreno ao meu inconsciente também preciso da ajuda dos outros.

Para atingir a vida em plenitude, a pessoa humana deve possuir liberdade de movimentos e de expressão, ser independente e senhor do seu destino, ser autónomo e responsável pelas suas opções. Neste sentido, o ser humano não obedece a nenhuma instância para além da sua consciência moral que se supõe bem formada e informada.

Porém, como diz o proverbio, “Ninguém é justo juiz em causa própria”. Nem sempre a consciência moral está bem formada e informada; há consciências morais escrupulosas, que veem o mal onde este não existe, e se culpabilizam para além do que é razoável, e há consciências morais laxas que não veem o próprio mal.

Exemplo disto é o caso do rei David que cometeu adultério com a mulher de Urias e enviou este para a frente da batalha para que fosse ferido mortalmente; depois de tudo isto fazer não se sentiu culpado, foi preciso o profeta Nathan lhe contar uma parábola que espelhava bem a magnitude do seu pecado, para que David reconhecesse o crime por si cometido. (2.º Samuel 11- 12).

É certo que quando tenho problemas físicos recorro a um médico; quando tenho problemas psíquicos recorro a um psicólogo; a quem devo recorrer quando tenho problemas morais e a minha consciência me acusa? Como posso eu libertar-me da culpa sem a ajuda de alguém?
   
Há estudos que revelam que os católicos praticantes, porque têm o sacramento da reconciliação, precisam menos de psicólogos e de psiquiatras que os protestantes que não o têm. Todos conhecemos a necessidade de desabafar, para isto precisamos de um amigo, de um sacerdote ou de um psicólogo para faze-lo em segurança; não podemos desabafar sozinhos para uma parede, precisamos de alguém que nos ouça empaticamente.

Só me liberto da culpa se a partilho com alguém o que não sai fora de mim, e é escutado por alguém, fica dentro de mim envenenando o meu íntimo. Os judeus experimentavam uma catarse libertadora quando projectavam todas as culpas sobre um bode, chamado bode expiatório. Há certos pecados e certas culpas das quais não nos podemos libertar sozinhos, e confessa-las directamente a Deus não ajuda, precisamos de as assumir e chorar sobre uns ombros concretos e só assim nos podemos libertar delas.

O remorso da culpa e a obsessão do trauma são mecanismos psicológicos e morais dos quais a pessoa não se pode libertar sozinha. Recordemos o primeiro filme do Exorcista, a rapariga só se sente libertada do demónio que a possui quando este sai dela e entra no sacerdote que a está a exorcizar. Da mesma forma só nos sentimos verdadeiramente livres de assuntos que nos perturbam quando alguém psicologicamente e moralmente qualificado nos ouve.

Porque somos seres sociais, só nos podemos livrar de certas coisas que envenenam a nossa alma, desabafando com uma pessoa qualificada para nos ouvir. Por esta razão, Jesus deu aos sacerdotes a faculdade para perdoar os pecados em seu nome, tanto individualmente no confessionário como comunitariamente numa absolvição geral no contexto de uma celebração penitencial comunitária.

Razões bíblicas ou teológicas
Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem, na terra, poder para perdoar pecados - disse Ele ao paralítico: 'Levanta-te, toma o teu catre e vai para tua casa.» E ele, levantando-se, foi para sua casa. (Mateus 9, 6-7)

Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que
desligares na terra será desligado no Céu.» (Mateus 16, 19 e João 20, 21-23)

“Confessai, pois, os pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes curados. A oração fervorosa do justo tem muito poder”. (Tiago 5,16)

O sacerdote, Homem de Deus consagrado para representar a Cristo “bode expiatório” dos pecados de toda a humanidade, cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, é de por si um sacramento, ou seja uma pessoa visível que representa Deus invisível. Continuador da obra de Jesus que incluía a faculdade de perdoar os pecados; pontifex ponte entre Deus e os homens pelo que, não estando ainda com Deus, vive já na terra a vida que todos viveremos no céu, por isso representa a Cristo e é o seu embaixador para continuar na terra aqui e agora o que Cristo iniciou à dois mil anos em Israel.

Absolução individual ou comunitária?
Para que haja sacramento tem de haver alguém que represente a Cristo; esse alguém é o sacerdote que pelo sacramento da Ordem foi revestido e investido com as mesmas funções que Cristo exerceu enquanto viveu entre nós.

Não é imprescindível que o sacerdote ouça os nossos pecados; como acontece em celebrações penitenciais comunitárias e individualmente quando confessamos alguém que fala uma língua que nós desconhecemos, como acontece nos primeiros anos nas missões. O que é imprescindível para que haja sacramento, é a presença do sacerdote.

Em Marcos 2, 1-12 Jesus disse ao paralítico: “Os teus pecados estão perdoados” Jesus perdoou os pecados do paralítico sem os conhecer, sem ouvir o paralítico confessa-los. Perdoo-lhos porque grande era a sua fé de que encontraria saúde junto de Jesus.

Quando o sentimento de culpa é grande, precisamos de desabafar ou de direção espiritual, é bom recorrer à confissão individual; como somos seres sociais, do ponto de vista pastoral, psicológico e pedagógico, a confissão e absolução individual têm mais força e a alegria de nos termos libertado do peso da culpa é muito superior pelo que a confissão individual é de preferir sempre que possível.

Porém quando não é possível e de todo impraticável a confissão uma celebração comunitária onde depois de um exame de consciência extensivo e intensivo guiado pelo sacerdote, que traz à consciência as nossas faltas e provoca no nosso coração o arrependimento, a absolvição geral e comunitária do sacerdote tem o mesmo valor teológico e sacramental que a individual.
Pe. Jorge Amaro, IMC



15 de outubro de 2016

Perdoar com condições

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Os fracos não conseguem perdoar.
A capacidade de perdoar é atributo dos fortes
… Perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.' Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.» Mateus, 6 12-15 

Deus só perdoa se perdoarmos
A oração do Pai Nosso é muito mais que uma simples oração; é o resumo mais resumido da mensagem de Jesus; contem tudo o que devemos praticar para ter vida e tê-la em plenitude. Desta forma a dimensão do perdão não só faz parte do corpo da oração, como merece de Jesus um comentário a modo de “Post Scriptum”.

De todos os temas enumerados nesta oração, como se de uma lista se tratasse, Jesus só comenta um, o perdão, para que fique claro sem lugar a dúvidas ou falsas interpretações tudo o que pensa a respeito. Fá-lo nos versículos 14 e 15 já fora do corpo da oração.

Frequentemente em homilias dialogadas costumo perguntar se Deus nos ama incondicionalmente ao que unanimemente todos respondem que sim; seguidamente pergunto se Deus também nos perdoa incondicionalmente e sem muito pensar todos respondem que sim porque acham que é logico que assim seja.

Quando contradigo a ideia consensual de que Deus perdoa incondicionalmente dizendo que não que o perdão de Deus não é incondicional como o seu amor, mas tem condições, exige alguns requisitos, todos são apanhados de surpresa e muitos, mais uma vez sem pensar, até se apressam a dizer que a minha doutrina é falsa.

Muitos cristãos rezam o Pai Nosso provavelmente mais que uma vez por dia e não se apercebem do que dizem e ao que se obrigam. Do comentário a modo de apêndice, que o próprio Cristo faz, se só podemos concluir que embora Deus não coloque condições para nos amar, não sucede o mesmo à hora de perdoar; Deus não nos perdoa incondicionalmente pelo que devemos satisfazer as suas condições para obter o Seu perdão. Para sermos perdoados, é “conditio sine qua non”, que perdoemos aqueles que nos ofenderam.

De facto, na oração que Jesus nos ensinou, quando dizemos, perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido, estamos a dizer a Deus que, como nós já perdoamos, ou seja, já fizemos a nossa parte, que faça também Ele a sua e nos perdoe; colocamos o perdão que devemos conceder aos outros como condição prévia ao perdão que pedimos a Deus; ou seja nós mesmos já condicionamos o perdão de Deus ao perdão que devemos conceder aos outros. O que nos autoriza moralmente a pedir perdão a Deus é o facto de que nós já perdoámos de coração aqueles que nos ofenderam.

Com a medida com que medirdes, assim sereis medidos. (Mateus 7,2). Como o amor que temos por nós próprios deve ser a medida do amor que devemos ter pelo próximo, não podemos querer Deus para nós e o diabo para os outros; não podemos exigir que Deus nos perdoe se nos negamos a perdoar de coração a quem nos fende. Dura é esta linguagem como foi o sermão sobre a eucaristia no evangelho de São João que provocou que muitos já não andassem com o Senhor.

E perdoai nossas ofensas de um modo maior com que perdoamos – A dureza desta linguagem sobre o perdão provocou igual dissidência que aquela sobre a eucaristia. O sacerdote carismático Marcelo Rossi, fazendo ouvidos surdos às palavras de Jesus do versículo 12 pela sua dureza, substituiu-as pelas suas próprias aqui acima citadas.

Perdão revocado
Palavra de rei não volta atrás – Recordemos a promessa do rei Herodes à filha de Herodíade; recordemos Pilatos a respeito do letreiro que escreveu para colocar no alto da cruz do Senhor. Um rei não “rói a corda”, não volta atrás no que disse e prometeu. Muito menos Deus Rei do universo volta atrás.

No entanto, a parábola descrita em Mateus 18, 23-35 sugere que, no caso do perdão Deus volta atrás na sua palavra. A parábola fala de um que devia uma soma exorbitante de dinheiro ao seu Senhor e este, tendo compaixão dele, perdoou-lhe a dívida. Porém como este servo não perdoou a quem lhe devia uma quantia insignificante, o Senhor voltou atrás na sua palavra e revocou o perdão que previamente tinha concedido.

Quando Deus chega ao ponto de tirar o que já tinha dado, algo que uma pessoa sensata nunca faz, quer dizer que não abdica da única condição que exige para nos conceder o seu perdão; ou seja devemos estar preparados para perdoar aqueles que precisam do nosso perdão tanto quanto nós precisamos do de Deus.

Ajudas de custo
Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Mateus 18, 21-22

Sempre a bater na mesma tecla, estes são os versículos prévios à parábola que acima citamos na qual Deus retira o perdão concedido. Deus não nos dá trégua, devemos perdoar não uma nem duas nem três vezes, mas sempre sem nos cansarmos, como Ele mesmo faz. Nunca poderemos dizer “enough is enough”; nunca podemos desistir de ninguém porque Deus nunca desiste de nós.

Não retirando nada à dificuldade de perdoar, os seguintes pontos podem ser uma ajuda:
  1. Ter em conta a educação da pessoa: os traumas recebidos na infância, os maus pais, os maus professores. Não há educações perfeitas; desde Freud, ninguém discute o determinante que são os primeiros anos para o resto da nossa vida; superar esse determinismo não é fácil e muitos nunca o conseguem. Tendo isto em conta, até que ponto a pessoa é responsável pelo que faz? Se os tribunais de justiça têm em conta estes determinantes porque não nós na hora de perdoar. 

  2. Perdoa-lhes Senhor porque não sabem, o que fazem. Esta foi a razão que o Senhor encontrou para perdoar a quem o matou. Quando fazemos o mal, a maior parte das vezes actuamos sob a influência de uma grande emoção; as emoções fortes enevoam a mente, como o faz o álcool e a pessoa não sabe o que diz nem o que faz. Fora de si estava o filho pródigo quando decidiu abandonar a família, como muito bem refere o evangelho, e como a mesma parábola refere, quando voltou a si, regressou à sua família.

  3. Uma coisa é o pecado outra é o pecador. A pessoa que fez uma má obra também faz muitas boas e nós, tendenciosamente, não olhamos às boas só vemos as más. Chegamos a condenar uma pessoa que nos fez bem uma vida inteira por uma única ação contra nós. Relatamos aos quatro ventos o mal que alguém faz, ao contrario, o bem que a mesma pessoa faça nem em privado o relatamos; criticamos o mal, invejamos o bem. Como Deus devemos fazer uma distinção entre o pecador e o pecado, para que não aconteça que “deitemos fora o menino com a água da banheira”.

  4. Muitas vezes somos hipócritas, criticamos nos outros as mesmas más ações que nós também praticamos, ou não estamos livres de um dia vir a praticar, se fossem dadas as mesmas premissas e circunstâncias. Se honestamente concluímos que faríamos o mesmo então perdoar é pôr em pratica o preceito do Senhor, o que queres que os outros te façam faz tu aos outros.

  5. Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos odeiam. Mateus 5, 44 –, Mais do que uma exortação ou um conselho, eu diria que Jesus nos está a dar uma técnica que milagrosamente funciona. Ninguém tem vontade de rezar aqueles que nos odeiam, mas se forçarmos a faze-lo, se nós comprometermos a fazer o que é certo contrariando os nossos instintos, após algum tempo, o sentimento de ódio começa a enfraquecer acabando por desaparecer por completo. Experimenta e verás por ti mesmo. O evangelho não pode estar errado.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de outubro de 2016

Perdoar e esquecer

1 comentário:
Um Ex prisioneiro de um campo de concentração Nazi foi visitar a um amigo que com ele tinha partilhado tão penosa experiência. “Já perdoaste os Nazis tudo aquilo que nos fizeram?” Perguntou ao seu amigo. “Sim já” respondeu ele. Pois eu não e nunca os perdoarei ainda os odeio com toda a minha alma. Ao ouvir isto, o seu amigo disse-lhe aprazivelmente, “se é assim, ainda te têm prisioneiro”. 

Deus perdoa e esquece é como um computador com muita memória operativa sem disco duro para armazenar dados. Para Deus, que vive num eterno presente, o passado não tem valor. Mal e bem contribuíram para o que somos hoje que é o que a Deus interessa; as boas obras formaram o nosso bom caracter as más ações, se soubemos lidar com as suas consequências, deram-nos uma lição, pois na vida aprendemos mais dos nossos erros que dos nossos acertos.

“Águas passadas não movem moinhos”
Não perdoar é escolher ficar preso numa cela de amargura, cumprindo pena pelo crime de outra pessoa.  Mahatma Gandhi

Deus perdoa e esquece, passa página como costumamos dizer; a água não fica agarrada a nenhum lado corre, “moves on” como se diz em inglês. O que acontece com Deus e com a água que uma vez passada já não pode mover o moinho, não acontece connosco. De facto, muitos de nós, contra todas as leis da física, ficamos amarrados ao passado e vivemos a nossa historia circular e repetitivamente como um disco riscado. Desta forma o passado é contínua e obsessivamente projetado no presente, obrigando as pessoas das nossas relações do presente a representar e atuar os nossos monstros do passado, reagindo nós como reagimos naquele então.

Só perdoando as pessoas que nos magoaram no passado nos libertamos das amarras do ressentimento e outras emoções prejudiciais que andam à solta no nosso ser; como nós não as conseguimos controlar porque não as conhecemos, controlam-nos elas a nós, influenciando o nosso comportamento no presente. Só quando perdoamos a que nos emancipamos totalmente dos que nos ofenderam e lhes retiramos o poder que, no caso de não perdoarmos, ainda têm sobre nós.

Conta-se que no Céu Caim evitava a companhia de Abel até que um dia este não entendendo a razão do comportamento do seu irmão resolve confrontá-lo. Ouve lá porque é que foges de mim? Acaso não somos irmãos? Caim olhando-o cabisbaixo e envergonhado responde em tom de pergunta; tu não sabes o que aconteceu lá em baixo na terra entre mim e ti? Tenho uma vaga ideia, disse Abel; foste tu que me mataste a mim ou fui eu que te matei a ti?

Enquanto dura o remorso dura a culpa. Caim não se tinha perdoado ainda a si mesmo… Se Deus perdoa e esquece, passa página nós, pelo nosso bem e equilíbrio anímico, estamos chamados a fazer o mesmo, perdoar os outros e perdoarmo-nos a nós próprios. É certo que os factos não são totalmente esquecidos do ponto de vista cognitivo: mas, se verdadeiramente conseguirmos perdoar, estes são recordados de uma forma diferente, sem emoção; já não provocam stress ou ansiedade, ódio ou ressentimento no nosso coração pelo que verdadeiramente ficaram no passado e podem até ser mesmo esquecidos cognitivamente.

Pecado é dívida contraída
Anulou o documento que, com os seus decretos, era contra nós; aboliu-o inteiramente, e cravou-o na cruz. Colossenses 2, 14

“Perdona nuestras deudas asi como nosotros perdonamos a nuestro deudores” Assim rezavam os espanhóis o Pai Nosso há uns anos. Quando pecamos, contraímos uma dívida contra quem pecámos; as relações com essa pessoa, a ordem, o equilíbrio e a harmonia não ficam restabelecidas se a dívida não for paga. A ideia de satisfazer, compensar ou recompensar a quem lesámos vem do facto de nos sentirmos devedores para com essa pessoa. A palavra ofensa, que usamos em português é também agora a que usam os espanhóis para estar em sintonia com a América Latina, não confere o mesmo sentido.

Precisamos de olhar para o pecado como dívida contraída para entender o que São Paulo diz aos cristãos de Colosso. Fala-lhes de facto de uma factura que contem extensivamente e em detalhe os pecados da humanidade e os nossos próprios.  Essa factura que é um documento da nossa dívida, de por si fala contra nós, pois relata todo o mal que fizemos.

Em Cristo, Deus Pai aboliu ou anulou a fatura; no original grego São Paulo não usa o termo chiastrein que significa anular ao colocar um X em todo o corpo da factura. Não usa este termo porque mesmo depois de anularmos uma factura sempre a podemos ler e depois arrependermo-nos de termos perdoado a dívida. O termo que Paulo usa é exalaifein, que significa apagar.

Naquele tempo não havia papel, como há hoje; os papiros, e peles eram usados uma e outra vez por isso se escrevia com uma tinta que se apagava facilmente como até há bem pouco fazíamos com as nossas ardósias. Uma vez apagada a factura já não pode ser lida. Mas para que não restasse nenhum vestígio de tal factura Deus crucificou-a ou seja destruiu-a por completo, ou seja é como se tivesse sido queimada; já não pode ser lida não só porque foi apagada, mas porque já não existe.

Jesus de Nazaré pagou a fatura da nossa divida; ao assumir os nossos pecados e de alguma forma Ele incarnou a fatura da divida de toda a humanidade, e com a sua morte destruiu-a.

Subindo ao madeiro, Ele levou os nossos pecados no seu corpo, para que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fostes curados. 1 Pedro 2, 24

Ao assumir os nossos pecados, Jesus de alguma forma encarnou, ou transformou-se na velha fatura que continha todos os pecados ou dividas da humanidade para com Deus; ao morrer na cruz destruiu-a para sempre. Se em Jesus Deus perdoa e esquece as nossas faltas também nós estamos chamados a perdoar e esquecer as ofensas dos outros e assim como o mal que nos fizemos a nós próprios.
Pe. Jorge Amaro. IMC




1 de setembro de 2016

Se Maomé não vai à montanha...

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Cada cabeça sua sentença - É inevitável que surjam conflitos nas relações humanas e o resultado final, de vivas discussões e polémicas entre indivíduos com personalidades diferentes e posições antagónicas sobre o mesmo tema, é muitas vezes a desavença e o cortar as relações.

É frequente que nenhuma das partes reconheça que ofendeu e ambas se sintam ofendidas. É muito provável que a divergência na mesma atribuição da culpa se deva ao facto de que ambas as partes sejam ao mesmo tempo ofensores e ofendidos.

Para restabelecer a harmonia e a paz, os ofensores devem pedir perdão, os ofendidos devem perdoar. Quando uns e outros fazem o que se espera que façam, para restabelecer a comunicação, o conflito cessa, uma paz mais forte e duradoira é restabelecida entre ambas as partes que se sentem satisfeitas, ainda que inicialmente tivessem que contradizer e superar os seus instintos básicos e engolir o seu orgulho.

No entanto, na realidade muitas vezes não é isso o que acontece. Há ofensores que nunca pedem perdão e ofendidos que nunca perdoam.

É de esperar que Maomé vá à montanha
Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Mateus 5, 23-24

O evangelho acima citado pede aos agressores que reconheçam a sua culpa e peçam perdão. Mas se estes não o fazem, para evitar o imobilismo, a situação de impasse que se cria, o evangelho manda que seja o agredido a ir ter com o agressor. Situação que é descrita ao pormenor em Mateus 18, 15-18.

É das primeiras perguntas que Deus dirige ao homem na bíblia: “Onde está o teu irmão? (Génesis. 4, 9) à qual não posso responder, encolhendo os ombros e dizer que não sei, que não sou guardião do meu irmão, como disse Caim. Se buscamos amar o próximo como a nós mesmos, damo-nos conta de que de facto até somos guardiães dos nossos irmãos.

Quando nos colocamos diante de Deus, como o fiel do texto de Mateus, Deus atua como um espelho, e faz-nos ver quem somos, e como nos relacionamos com os nossos irmãos; é, portanto, impossível que ali não nos recordemos do mal que fizemos aos nossos irmãos. Se não damos ouvidos à voz da consciência, pedindo perdão ao nosso irmão, somos hipócritas; podemos rezar e fazer todo tipo de praticas religiosas, Deus volta-nos as costas, enquanto não nos reconciliarmos como o nosso irmão.

O segundo mandamento é o amor ao próximo, e como não podemos amar a Deus, que não vemos se não amamos o próximo que vemos, (1ª João 4,20), só quando amamos o próximo manifestamos e provamos que amamos a Deus; como sugere o capitulo 25 do evangelho de São Mateus, a Deus ama-se no próximo ou não se ama:  Tudo o que fizeste a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizeste…

O juízo final como o descreve o evangelista, é sobre o mandamento do amor ao próximo e não sobre o mandamento do amor a Deus. É por tanto de certa forma um julgamento civil e não religioso. Com isto podemos concluir que toda a prática religiosa que não leve a um crescimento pessoal, a sermos melhores como pessoas, e a melhorar as nossas relações com os outros, é ópio e alienação.

Muitos Maomés não vão à montanha
Quando era pequeno gostava muito de brincar com o meu gato e ficava maravilhado pela sua agilidade; para pô-la à prova, agarrava-o pelas quatro patas e deixava-o cair de costas e qualquer que fosse a distância do solo, ele virava-se sempre e caía sobre as quatro patas.

Tal como o meu gato há muitos ofensores que caem sempre de pé. Nunca admitem que fizeram mal e procuram desculpabilizar-se a si mesmos. Racionalizam o seu comportamento; dizem que foi sem querer, que não foi por mal; por muito que a alguns custe admitir, onde há fumo há fogo; onde há ofendido houve ofensor, e nunca nenhuma ofensa se fez por bem nem para o bem do ofendido, mas todo o contrário.

O tempo tudo cura menos a velhice e a loucura - Também há quem se faça responsável e admita a culpa, mas no seu orgulho entendem que pedir desculpa é humilhar-se perante os outros e esperam que o tempo sare a ferida do agredido. A psicologia diz-nos que não é isso o que acontece. Quando pedimos perdão a ofensa é retirada; quando não o pedimos ela permanece no coração do ofendido e provavelmente vai juntar-se a outras anteriores, fazendo crescer o ressentimento e envenenando o relacionamento posterior.

Não pedir perdão é como uma ferida que aparentemente parece sarada porque logo fecha; no entanto por debaixo da pele, que a cobre, o tecido vai apodrecendo, criando pus e mudando de cor; quando menos se espera rebenta, criando uma situação pior que a inicial.

Muitas vezes ficamos admirados ante a desproporcionada irascibilidade e explosão de certas pessoas ante uma pequena ofensa, porque desconhecemos que essa pequena ofensa é só a última gota de água que encheu o depósito da resiliência e resistência anímica dessa mesma pessoa.

Se vos irardes, não pequeis; que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento, nem deis espaço algum ao diabo. Efésios 4, 26-27 – Como sugere São Paulo, o melhor é pedir sempre perdão por cada ofensa e nunca deixar passar a ocasião de o fazer para que não haja um acumular de culpas e de ressentimento.

Para certas pessoas o que torna difícil pedir perdão é a possibilidade de não o obter, assim como eventualidade de também ter que enfrentar a raiva e humilhação da pessoa a quem requeremos o perdão.

Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé
Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te escutar, terás ganhado o teu irmão. Se não te escutar, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. Mas se ele não lhes der ouvidos, comunica o caso à Igreja… Mateus 18, 15-18

Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé – Esta é a formulação do ditado popular que ouvimos muitas vezes nos mais variados contextos. Historicamente porem a formulação é ao contrário: Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha. A primeira aparição deste dito assim formulado é do capítulo 12, dos ensaios de Francis Bacon, publicado em 1625.

Talvez fazendo referencia a Marcos 11:23 se tiveres fé podes mover montanhas, Maomé fez com que as pessoas acreditassem que ele tinha poderes para chamar a si a colina do outro lado do vale para no alto dela rezar pelos observadores da sua lei. Uma e outra vez, Maomé chamou a si a colina, mas esta, evidentemente, não obedeceu e permaneceu hirta no seu lugar. Não se sentindo nem envergonhado, nem humilhado ante a desobediência da colina, disse Maomé airosamente, Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha.

Para evitar o imobilismo, a calma chicha, o mar dos sargaços das relações humanas, ou a guerra fria, o evangelho tem uma palavra a dizer aos ofensores e outra aos ofendidos, como acima vimos. Aos ofensores exorta-os a pedir perdão a quem ofenderam. Na eventualidade de que estes não o façam, não cumpram o seu dever, podemos e devemos perdoar-lhes no nosso íntimo, como Jesus no alto da cruz aos seus algozes.

Perdoar no nosso íntimo é insuficiente e não é pedagógico nem para nós ofendidos nem para os ofensores pois é um comportamento passivo. O ideal é um comportamento proactivo assertivo: ir ter com eles de bandeira branca içada como sugere o evangelho acima citado. Primeiro a sós, depois com outra pessoa de preferência um amigo seu, indo alargando gradualmente para mais pessoas, para dar mais força à nossa causa.

Voltando ao exemplo de Jesus, Ele perdoou os seus algozes no seu coração e não foi ter com eles porque estava atado a uma cruz; se tivesse tido liberdade de movimentos é exatamente isso que Ele faria. De facto, foi o que fez; quando levou uma bofetada do servo do sumo sacerdote confrontou-o assertivamente com o seu ato perguntando-lhe porque me bates?

 Não vamos ter com quem nos ofendeu para o acusar, esse seria um comportamento agressivo e contraproducente pois ante uma acusação a tendência natural de todas as pessoas é defender-se. Na esperança de que o nosso agressor se faça responsável pelo seu acto e assim ele mesmo se acuse, tudo o que podemos e devemos fazer ante quem nos ofendeu, é assumir a responsabilidade das consequências do seu acto; ou seja relatar ao nosso agressor, não o mal que nos causou, mas o mal que sofremos.

Como sugere o evangelho,  devemos portanto, ir ter com o nosso agressor e confrontá-lo não com o seu ato, mas com as consequências do mesmo; não com a sua violência, mas com a nossa dor. Esta fala do ato como mais eloquência que a nossa voz acusatória teria, e é infinitamente mais eficiente.

Gramaticalmente a assertividade usa a voz passiva, na esperança de que ante a nossa miséria, aquele que nos agrediu sinta misericórdia e peça nos peça perdão. 
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de agosto de 2016

O Sol põe-se no Ocidente - 2ª Parte

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O declínio de uma civilização vem com a aparecimento dos bárbaros, de uma forma ou outra a senilidade crescente dos países que compõem o mundo ocidental vai sucumbir aos invasores, o resultado será a extinção da cultura ocidental juntamente com a sua riqueza e poder e um retorno à idade das trevas.  - Arnold Joseph Toynbee

A impotência do poder político
Depois dos absolutismos monárquicos e dos fascismos republicanos, o Ocidente habituou-se tanto à democracia que a dá por descontada, desinteressando-se pela política. Assim sendo, qual comboio acelerado sem condutor, os ocidentais não são senhores do seu destino, nem têm interesse em o ser; por um lado confiam demasiado nos seus governantes, por outro não lhes dão importância porque sabem que não governam nada. O governo da “Polis” (cidade em grego) já não pertence aos políticos

Na política manda a economia, na economia mandam os mercados e nos mercados mandam as finanças e nas finanças manda a bolsa, que é como um grande Casino onde o dinheiro sem produzir riqueza, troca de mãos concentrando-se cada vez mais nas de muito poucos. Este ano 2016, segundo diz Oxfam, 1% dos habitantes deste planeta possui mais riqueza que 99% da humanidade; mais propriamente este 1% possui 54% da riqueza mundial. 

De alguma forma conscientes de que quem manda são poderes fácticos não ilegíveis popularmente e que os políticos só são marionetas nas mãos dos verdadeiramente poderosos, que não se fazem ver talvez porque temam pela própria segurança.  O povo perdeu interesse em eleger os seus representantes pois sabem implicitamente que não o representam, mas sim esses tais presidentes e assessores das grandes multinacionais, a quem o povo nem elege nem conhece.

A taxa de abstenção nas democracias ocidentais ronda pela metade do eleitorado. Em Portugal nas ultimas legislativas foi de 46% e nas presidenciais de 51%. É caso para questionar a validez dos resultados quando quase metade, ou nalguns casos mais de metade dos eleitores não se pronunciaram. Ante a irresponsabilidade política de tantos cidadãos, não seria o caso de fazer o voto obrigatório como é nalguns países? Pelo menos como medida pedagógica por algum tempo?

O que se calou sobre o Bataclan
Depois de invocarem e recitarem o credo de Niceia ao contrário: “Eu creio num único deus Satanás todo poderoso…”, no exatíssimo momento em que os jihadistas irromperam no teatro, disparando rajadas de metralhadora em todas as direções o conjunto “Eagles of Death Metal”, interpretava uma canção de prestação de vassalagem e amor ao diabo; os jovens dançavam e cantavam com o conjunto, levantando as mãos com os dedos simbolizando os chifres de satanás que no momento adoravam. A letra do “Cântico” ao deus diabo dizia: Quem quer amar o diabo, quem quer cantar a sua canção? Eu quero amar o diabo eu quero beijar a sua língua, eu quero beijar o diabo na sua boca….

Perante este facto que os “politicamente corretos” media calaram, não faltou quem observasse com negra ironia, eles invocaram o diabo e ele apareceu.  Esta não é, porém, a nossa interpretação até porque naquela fatídica noite os terroristas tomaram como alvo não só o Bataclan mas também o exterior do estádio de Paris, cafés e restaurantes ao acaso. Nem todos, portanto eram adoradores do diabo; muitos só foram ver um jogo de futebol ou jantar fora com familiares e amigos. Ninguém merecia morrer, nem mesmo os ditos adoradores do diabo se é que o eram de verdade e não era apenas uma diversão.

Não há nada, absolutamente nada nem de longe nem remotamente, que justifique a ação daqueles terroristas islâmicos. O que me dá que pensar é a razão pela qual os jovens do Bataclan e tantos outros trocaram a fé racionalmente razoável e plausível na existência de Deus, e na sua revelação em Jesus de Nazaré inquestionavelmente o melhor modelo de vida humana, pela crença supersticiosa da existência do diabo personificação do mal, da violência da guerra e da anarquia. 

Como bebé irrequieto e rebelde o mundo ocidental, morde a mama que o amamentou. Para qualquer historiador imparcial é inegável que a Igreja, o cristianismo, foi e é ainda “Mater ed Magistra”, mãe e mestra da cultura ocidental. Por muito que a sociedade não queira reconhecer, os valores que o mundo chama cívicos “copia & cola” do evangelho. Não havia uma única menção à igreja, nem ao cristianismo, na Constituição da Europa que pelo ex-presidente Francês Valéry Giscard d'Estaing redactou; por ignorância ou por aleivosia?

Uma prova de que a Igreja ainda hoje influencia a cultura Ocidental, está no “Principio de Subsidiariedade”, que hoje é a emenda 14 à Constituição dos Estados Unidos e uma das normas da União Europeia consagrada pelo Tratado de Maastricht no artigo 5. O Principio de Subsidiariedade não nasceu na politica; foi decalcado da doutrina social da Igreja, e apareceu pela primeira vez mais na encíclica “Quadragesimo anno” do papa Pio XI de 1931.

A começar pela França, a europa, e o resto do mundo ocidental, está em decadência porque instalada no luxo, na abundância dos prazeres, da pura mundanidade, perdeu a sua fé, a estrela que a guiava, os ideais do humanismo cristão, a razão de viver… só pode esperar o pior, pois para quem não sabe para onde navega, não há ventos favoráveis.

Vêm aí os bárbaros - com uma nova idade das trevas
A prova disto é que, infelizmente, o Ocidente não está nem remotamente interessado em montar uma defesa de seus valores em face de fanatismo muçulmano. Pior ainda, há sinais de que o Ocidente está mesmo preparado para sacrificar alguns dos seus principais valores para aplacar aqueles que sempre desprezaram esses mesmos valores. ― Lee Harris

Quando no século VIII os muçulmanos invadiram a Europa, e o que restava do Império romano do oriente Bizâncio, tomando e destruindo os lugares santos e impedindo os cristãos de os visitarem, o ocidente tinha uma moral forte: os nobres eram verdadeiramente “nobres” pois se inspiravam nos ideais da cavalaria, e estavam dispostos a dar a vida por valores mais altos que a própria existência”. Neste sentido, as cruzadas foram fundamentalmente um movimento em legitima defesa da nossa idiossincrasia cristã.

Por isso Basta de entoar o “mea culpa” e de esconder a palavra e o conceito de cruzada porque não é politicamente correto. É certo que depois se cometeram abusos e excessos, que não são moralmente justificáveis, porém o mal do politicamente correto é que hoje vergados ao mundo islâmico só vemos os defeitos dos cruzados e não lhes reconhecemos as suas virtudes. Os senhores do politicamente correto esquecem-se que se não fossem os cruzados hoje eles mesmos estariam voltados para meca ao canto do muezim do alto do minarete.

A massa cinzenta do ocidente abandonou o humanismo, o pensamento filosófico e ético, e está toda voltada para a ciência e a tecnologia. Sem ideias a civilização ocidental padece de sida… da síndrome de imunodeficiência cultural sendo por isso facilmente presa do fanatismo muçulmano, que consegue até recrutar jovens que nasceram e cresceram entre nós. Porque é que estes jovens são facilmente ludibriados pelos ideais negativos do fanatismo? A resposta é simples, porque cresceram num mundo asséptico de ideais. Pior que ter ideais negativos é não ter ideias… O Ocidente esqueceu-se que "ter uma boa vida" do ponto de vista material, não é suficiente. Os seres humanos, especialmente os jovens, precisam de saber porque, para o quê ou por quem vivem.

A juventude é o tempo de sonhar por um mundo melhor; os jovens são naturalmente e visceralmente idealistas. Se a sociedade ocidental de matriz cristã, ainda que o renegue, já não lhes oferece nem os educa nos ideais do humanismo cristão, os jovens buscam ideais noutro lado; são muitos os que, fugindo do niilismo de valores e de ideais que lhes oferece a sociedade ocidental optam pelo fanatismo que lhes oferece o estado islâmico ou outros.

O terrorismo islâmico que tem assolado o Ocidente nos últimos tempos, não é praticado por muçulmanos que vêm de fora, mas sim por jovens que nasceram nos nossos países cresceram nos nossos bairros, e foram à escola e formaram-se nas nossas universidades, porem não nos pertencem, pois não comungam dos nosso ideais.

Ninguém dá a vida pelos ditos “valores laicos”
Os assim chamados valores laicos não têm a mesma forma motivadora de comportamento e ação que os valores religiosos, simplesmente porque ninguém dá a vida por eles. Prova disto é a capa do numero de janeiro de 2016 da revista Charlie Hebdo, no primeiro aniversário do massacre de alguns dos seus cartoonistas.

Apresentam a Deus armado de metralhadora e sangue nas mãos e no corpo. A particularidade de esta representação de Deus é que por detrás da sua cabeça, de cabelos compridos e barba branca, está o triângulo que todos entendem como sendo o distintivo do Deus uno e trino dos cristãos.

Como não existe nenhum movimento terrorista de inspiração cristã esta é uma crítica covarde à violência religiosa muçulmana. Os editores desta revista que reservam para si o direito ao insulto, atiram a pedra e covardemente escondem a mão. Porque “damos a outra face”, Eles sabiam que dos cristãos não tinham nada que temer. Por isso usaram o “Deus dos Cristãos” para criticar o “Deus dos muçulmanos” e os seus seguidores.

É como aquele empregado que recebe uma bofetada do patrão e não podendo devolver-lha por medo a perder o emprego, dá uma bofetada à esposa, esta dá-a ao filho mais velho, este ao filho mais novo e este ao cão ou ao gato.

Ao fazer do inocente Deus dos cristãos o bode expiatório da violência muçulmana, os editores de Charlie Hebdo fizeram, inadvertidamente e ironicamente, uma profissão de fé Naquele que inocentemente morreu pelos pecados de outrem, Jesus de Nazaré. A Ele deviam agradecer por tê-los ajudado psicologicamente a desquitar-se da ira que era devida aos fanáticos muçulmanos.

Porque é que os niilistas, ateus, agnósticos e os que vivem sem Deus na pura mundanidade, ao contrário dos cristãos, não estão dispostos a dar a vida pelos seus ideais e valores éticos? A resposta é simples, ninguém dá nada por nada; os cristãos trocam a sua vida, a sua temporalidade pela eternidade, enquanto que os niilistas ao não terem nada com que trocar agarram-se egoisticamente ao único que têm, a vida temporal.

Se os ateus, os niilista e agnósticos fossem intimidados com ameaça de morte a converter-se ao islão, como foram e são no momento presente muitos cristãos, de certo se converteriam para salvar a pele pois seria insólito e quase ridículo que dessem a vida pelo “nada” em que acreditam. De facto, até à data não conheço nenhum mártir do ateísmo, agnosticismo ou niilismo.

Precisamente porque ninguém está disposto a dar a vida pelos valores laicos ou niilistas, como prova a capa da revista Charlie Hebdo de 6 de janeiro de 2016, ao contrário do seculo VIII, quando os parámos em Poitiers, desta vez, tal como o Império Romano à mercê dos bárbaros no seculo V, estamos irremediavelmente indefesos… à mercê dos novos Hunos, Vândalos, Vikings e Visigodos, os fundamentalistas muçulmanos.

Quem os parará desta vez em Poitiers se eles já estão cá dentro como um cavalo de Troia e não param de crescer? Podemos esperar outro desembarque da Normandia se a américa para aquele tempo ainda for cristã?

Falsa segurança é o poderio militar do qual o Ocidente tanto se orgulha. No entanto, por quanto as armas não se disparem sozinhas, os exércitos continuam a fazer-se primariamente com gente jovem que escasseia cada vez mais num ocidente perigosamente envelhecido.

A melhor solução para este problema foi apresentada por aquela que talvez seja o politico mais influente depois do presidente dos Estados Unidos, Ângela Merkel, filha de um pastor alemão que disse ante a potencial islamização da europa as pessoas em vez de darem crédito a teorias da conspiração deveriam voltar à Igreja e a ler a bíblia como antes faziam.

Alerta
O que quisemos dizer é que há certos fatores dentro do mundo ocidental que podem causar o seu colapso:
  • Degradação moral, falta de valores morais e ideais que inspirem e comprometam os jovens
  • Desinteresse pela politica manifestado na abstenção eleitoral
  • Baixa natalidade
  • Fragmentação da família
  • Individualismo falta do sentido comunitário e do bem comum
Com estas duas crónicas não pretendi ser um profeta de mal agoiro. O determinismo de que a história inexoravelmente se repete, é uma crença sociológica tal como a predestinação é uma crença religiosa, não é um princípio ou uma lei da ciência histórica. A função da profecia e o seu sentido bíblico não é adivinhar o que irremediavelmente vai acontecer, mas alertar precisamente para que não aconteça.
Pe. Jorge Amaro, IMC