Cristo, que é salvação para os homens de todos os tempos e de todos os lugares, tinha que arranjar forma para que essa salvação de facto fosse estendida de facto a todo tempo e a todo o lugar.
A Igreja é Cristo em todo tempo e todo lugar
Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos Mt 28, 20
A Igreja, corpo místico de Cristo, é a maneira que Jesus arranjou para estender a sua mensagem e ação no tempo e no espaço. Ele mesmo o disse, se tiverdes fé fareis tudo o que eu faço e obras ainda maiores. Deus não está limitado pelas coordenadas do tempo e do espaço; Cristo era Deus mas, em tanto em quanto viveu entre os homens, ficou também ele limitado por aquelas coordenadas.
Cristo é caminho, verdade e vida para os homens de todo tempo e lugar. A Igreja somos todos nós, mas dentro da igreja há carismas que precisam de um chamamento especial porque requerem uma especial consagração. Os sacerdotes e os religiosos estão ao serviço da Missão e da fraternidade universal porque consagram toda a sua vida a este serviço; como dizem os espanhóis põem toda a carne no assador.
É de supor que Cristo, continue a chamar e talvez mais ainda que antes pois, para os pastores o rebanho cresceu, para os pescadores de homens a messe é ainda maior (Mt 9,32-38); e se Cristo continua a chamar, como é que hoje há cada vez menos missionários, gente disposta a deixar a sua terra e a sua família para levar o evangelho a outras latitudes e longitudes? Se Cristo continua a chamar porque é que o clero é cada vez mais idoso e há sacerdotes com 3 e 4 e até 5 e mais paróquias?
Tal como na parábola do semeador, o problema não está na semente nem no próprio semeador que é Cristo; o problema está nos diferentes terrenos onde esta semente cai. Cristo continua a chamar mas as respostas a esse chamamento são cada vez mais como a do jovem rico…
Maus exemplos
Uma das razões pela escassez de vocações são os maus exemplos, que alguns de nós religiosos e sacerdotes damos. É o tal escândalo dos pequeninos do qual o evangelho nos fala; cada um de nós pode ser uma pedra de calçada, que facilita o caminho, ou uma pedra de tropeço, que faz cair. Em grego escândalo significa mesmo pedra de tropeço.
É um facto que com o escândalo da pedofilia muita gente abandonou a Igreja; mas foram os “pequeninos” do evangelho que a abandonaram, os de fé pequena ou uma fé que precisava de crescer para se tornar adulta. Num cesto de maçãs é inevitável que haja alguma podre. Já assim aconteceu nos primórdios da Igreja com o grupo de 12 apóstolos que Jesus escolheu; um deles, Judas Iscariotes, era traidor.
Os que abandonaram a Igreja de Cristo, pelo escândalo de algum sacerdote demonstraram que a fé deles não era em Cristo mas no sacerdote em questão. Deitaram fora o menino com a água da banheira; desqualificaram a fé em Cristo e o próprio Cristo por causa do mau exemplo de um cristão.
O sacerdote é um sacramento, representa a Cristo e actua em nome de Cristo, mas não é Cristo. Como há bons actores e maus actores, há sacerdotes que representam bem a Cristo e outros que o representam mal. O sacerdote é um ícone de Cristo a nossa fé é em quem ele representa e não nele mesmo.
Jovens auto-referenciais
Não peças o que o teu país pode fazer por ti mas o que tu podes fazer pelo teu país. John F. Kennedy
Uma jovem de 17 anos dizia-me na escola: “em vez de acreditar em Deus eu acredito em mim mesma, aliás eu sou o deus de mim mesma”. Como esta, muitos jovens de hoje não têm ideais, são auto-referenciais, giram à volta de si mesmos. O mundo tem muito para oferecer e o jovem olha para o mundo, não como uma messe grande onde os trabalhadores são poucos mas sim, como um grande buffet de cosias belas e prazenteiras que não querem perder por nada. Para eles, aceder a estes bens é ganhar a vida, renunciar a eles ou ver-se privado deles é perder a vida. Assim pensando não podem entender o que Cristo disse: “Quem quiser ganhar a vida há-de perde-la, e quem a perder pelo evangelho há-de ganha-la (João 12, 25).
A maior parte dos santos da Igreja católica eram de famílias ricas, nobres e famosas, tinham tudo o que estes pobres jovens e hoje tanto desejam e tudo puseram de lado e tudo consideraram porcaria com tal de ter Cristo (Filipenses 3, 7-10). Tal como São Paulo estes jovens ricos belos e nobres, não renunciaram simplesmente às riquezas mas encontraram em Cristo uma riqueza maior e tal como o comerciante de perolas ao encontrar uma de grande valor colocou as outras de parte (Mateus 13, 45-46) Pena que estes jovens nunca encontrem a Cristo.
Para o jovem de hoje, resulta muito difícil entender que a sua vida não é acerca dele mesmo; que a sua vida é um valor relativo, que o que lhe dá valor é o que faça ou não faça com ela. Bethoven sem a música seria um Zé Ninguém; o mesmo seria Picasso sem a pintura; os talentos individuais estão orientados antes de mais ao bem comum só depois ao bem individual. Não vivemos para ser felizes mas sim para ser uteis à sociedade e é na medida em que somos úteis que somos felizes, quando não, somos inúteis até para nós mesmos.
Que somos um ser social prova-o o facto de que quando partilhamos a nossa tristeza com um amigo ficamos menos tristes; ao contrário, ficamos mais alegres, quando partilhamos alegria. O bem social harmoniza-se com o bem individual e vice-versa; não se é feliz rodeado de infelicidade, nem se é feliz à custa dos outros mas só quando contribuo para a sua felicidade.
A felicidade é o efeito secundário do nosso altruísmo, sendo o efeito principal o bem dos outros. Ninguém toma um medicamento pelo efeito secundário mas pelo efeito principal; toda a nossa actuação tem um feedback, um retorno, um efeito boomerang; What goes around comes around.
Jesus diz de si mesmo: “Eu vim ao mundo para servir e não para ser servido”. É certo que ninguém diria, em público, que veio ao mundo para ser servido, no entanto se colocarmos a nossa hipocrisia de lado e formos honestos, connosco próprios, reconheceremos que não é o serviço que buscamos mas sim o poder, e o ser servidos pelos que estão abaixo de nós, por isso somos infelizes.
O caminho da grandeza é de facto o serviço, os grandes na nossa vida foram os que nos serviram e não os que se serviram de nós, ou nos dominaram. Os grandes para a humanidade foram também os que a serviram e não os que se serviram dela, como Hitler, Estaline e outros tantos ditadores…
Diabos de Deus os pais paternalistas
Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos-sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de três dias. E dizia claramente estas coisas. Pedro, desviando-se com Ele um pouco, começou a repreendê-lo. Mas Jesus, voltando-se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo-lhe: «Vai-te da minha frente, Satanás, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens. Marcos 8, 31-33
Deus chama sempre, porém os poucos jovens que dizem que sim, depois de vencer a auto-referencialidade e o atractivo da sociedade de consumo, ainda têm que vencer aqueles de quem são mais próximos, os seus pais. Estes movidos mais pelo instinto materno, que um verdadeiro amor de pai e de mãe opõem-se a Deus tal como Pedro a Jesus. Como se opõem aos planos de Deus, o mesmo que Jesus chamou a Pedro, haveria que chama-lo a estes pais paternalistas, de facto Diabolus ou satanás significa opositor.
Há inúmeras histórias de pais que se opuseram, “com unhas e dentes”, a que os seus filhos seguissem a vida para a qual Deus os chamou. Um pai deixou de falar a uma filha por 30 anos por esta rejeitar o casamento e se fazer missionária. Outros pais, quando não conseguiram demove-los totalmente do chamamento de Deus modificaram-lhes a vocação missionaria em sacerdócio diocesano, para os terem mais debaixo das suas asas.
Um sacerdote cujo pai sendo médico obrigou o filho a seguir a carreira de medicina, ao terminar o curso, por amor e respeito ao pai, no dia em que se graduou, entregou o diploma ao seu pai dizendo: “aqui tens o que querias de mim, agora vou fazer o que Deus quer de mim…”.
Eu mesmo, sempre ficarei agradecido à minha mãe porque nem por activa nem por passiva me tentou desviar do meu caminho. Recordo que depois dos primeiros três anos de Etiópia, um dia ao ouvir o meu pai que tentava convencer-me a não voltar, com voz forte repreende-o: dizendo “cala-te homem que Deus pode-te castigar”. É certo que Deus não castiga, mas de qualquer maneira eu não queria estar na pele destes pais que um dia se terão de colocar diante Dele e justificar a sua posição de diabulos, opositores do seu desígnio para com os seus filhos.
Conselho aos pais
Muitas mães e pais nunca chegam a cortar o cordão umbilical, amam como um amor possessivo, paternalista que cria dependência e impotência, nunca saindo da vida dos filhos na qual querem sempre ter voz e voto, mesmo depois de casados.
A boa educação é aquela que visa a liberdade, a autonomia e independência dos educandos. O bom educador tem como objectivo o não ser mais necessário. Ao contrário, muitos pais querem sentir-se sempre fundamentais na vida dos filhos, acabando por anula-los.
Conselho aos filhos
A oposição dos que nos são mais queridos não é coisa que Jesus já não tivesse contemplado:
Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. Mateus 10, 34-37
E disse a outro: «Segue-me.» Mas ele respondeu: «Senhor, deixa-me ir primeiro sepultar o meu pai.» Jesus disse-lhe: «Deixa que os mortos sepultem os seus mortos. Quanto a ti, vai anunciar o Reino de Deus.» Disse-lhe ainda outro: «Eu vou seguir-te, Senhor, mas primeiro permite que me despeça da minha família.» Jesus respondeu-lhe: «Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus. Lucas 9, 59-62
Tal como outrora, Cristo continua a chamar. Os jovens porem, invadidos pelo ego dos seus pais, ofuscados pelas criaturas - o mundo de hoje que parece ter tanto para lhes oferecer, voltam as costas ao Criador e único Senhor de tudo e de todos.
Pe. Jorge Amaro, IMC