15 de outubro de 2015

Ser obediente é ser fiel

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Ser obediente é ser fiel aos compromissos assumidos
Depois de recuperar a liberdade relativamente às ataduras do nosso passado, e desta feita estar capacitados para poder comprometer ou investir o nosso tempo e as nossas energias numa opção fundamental, a obediência é agora uma questão de fidelidade aos compromissos assumidos.

Obediência à verdade
Já que purificastes as vossas almas pela obediência à verdade que leva a um sincero amor fraterno, amai-vos intensamente uns aos outros do fundo do coração (1 Pedro 1, 22).

Jesus não disse que era um dos caminhos, uma das verdades e uma das formas de viver a vida; só há um caminho, uma verdade e uma vida que é Jesus, assim como só há uma natureza humana, que permanece invariável ao longo dos séculos e dos milénios; por exemplo o que era amor há dois mil anos é amor hoje e será daqui a 5 mil anos se ainda existir a raça humana.

A Natureza humana não é uma moda susceptível de mudar com o tempo. Só assim faz sentido que o Céu tenha falado em Cristo uma vez por todas; só assim faz sentido que chamemos ao evangelho palavra de Vida Eterna, pois é a Palavra de Deus encarnada num tempo, há dois mil anos, mas é válida até ao fim dos tempos, para todo o tempo e para todo o lugar, pois a diversidade de culturas ou civilizações também não altera a natureza humana.

… Quem não junta comigo, dispersa. Lucas, 11, 23 - Como Jesus é a única forma de viver a vida, de acordo com a natureza humana por Deus criada, de alguma forma a liberdade é a obrigação de fazer o bem, de escolher este caminho e somos livres enquanto nele permanecermos, perdemos a liberdade quando dele saímos. Por obediência entendemos então a plena submissão à verdade pois é ela, e só ela, que nos faz e nos mantém livres. Não existe vida humana autêntica fora dos parâmetros da natureza humana que Deus criou o Evangelho estabelece.

Como Palavra de vida eterna, o evangelho delineia, ao mesmo tempo, a nossa natureza humana e ensina-nos como viver de acordo com ela. A obediência a esta palavra é imprescindível para que a nossa vida seja significativa tanto para nós como para os outros e o mundo em geral. É evidente que somos livres pelo que podemos rejeitar a única forma de vida; de certa maneira somos livres até usar a liberdade, pois no momento em que a usamos já não a temos e sofremos as consequências da nossa desobediência a qual traz consigo um abuso da natureza humana, tal como fizeram os nossos antepassados Adão e Eva.

Tomemos um exemplo da nossa natureza fisiológica. Em particular, beber vinho o qual não é intrinsecamente mau, como muitos fundamentalistas cristãos afirmam, indo ao ponto de reescrever o evangelho, criando um evangelho "seco", pois era sumo de uva e não vinho o que os apóstolos bebiam. Até que ponto uma ideologia, ou um problema social obriga a reinterpretar de uma forma diferente o evangelho.

Está demonstrado que beber com moderação, especialmente vinho tinto, longe de ser prejudicial à nossa saúde é benéfico. Como podemos definir ou quantificar a moderação? Moderação é quantificada pela quantidade de álcool que o nosso fígado pode processar com segurança.

Uma vez definida esta quantidade, os nossos hábitos de consumo têm que ser ajustados a este valor; beber para lá desta quantidade é desafiar e desobedecer a nossa natureza fisiológica, arruinando a nossa saúde.

Volto a citar Erich Fromm no seu livro, "Ter e ser”: “a satisfação ilimitada dos nossos desejos não produz bem-estar; não é o caminho para a felicidade e nem mesmo um meio de obter o máximo prazer." Daí, afirmar o prazer para além da realidade é o mesmo que negá-lo, um "contraditio em terminis".

Jesus de Nazaré modelo de obediência
Jesus veio ao mundo pela obediência de Maria, enquanto crescia em Nazaré era obediente aos seus pais (Lucas 2, 51). Na vida adulta, em todo o momento, faz a vontade do Pai e não a sua; a vontade do pai tinha-se tornado a sua comida (João 4, 34) e tanto foi esta comunhão, entre o pai e o filho, que "O filho não faz nada na sua própria, mas apenas o que ele vê o pai fazer" (João 5,19).

A carta aos Hebreus (5, 8) sugere que a obediência de Jesus não era inata, mas o resultado de um processo de aprendizagem no qual o sofrimento desempenhou um papel importante, sendo a morte o ponto culminante (Filipenses 2:8). Na vida de Jesus de Nazaré, o processo de aprendizagem da obediência corre em paralelo com dois outros processos de aprendizagem: a consciência da sua identidade, como Filho de Deus, e a da sua missão, como o Redentor da humanidade.

"O pai ama o filho e colocou todas as coisas nas suas mãos" (João 3, 35). Longe de se sentir forçado, obedecer ao Seu Pai era para Jesus algo conatural com sua natureza e a sua identidade. Em essência era algo que ele tinha escolhido, a sua opção fundamental motivada pelo amor que Ele tem pelo Seu Pai, porque Ele e o Pai são um só (João 10,30).

Obediência é fidelidade
Era uma vez um homem que gostava tanto de possuir ouro que se tinha tornado uma obsessão devoradora. O ouro ocupava a sua mente e o seu coração de tal forma que tudo o que não fosse ouro não existia; quando ia às compras só tinha olhos para as montras das ourivesarias, não via mais nada, nem ninguém; não via as pessoas, nem o azul do céu, nem o ruído da cidade, nem o perfume das flores.

Um dia, não resistiu mais, irrompeu numa ourivesaria e começou a encher os bolsos de anéis, pulseiras e fios de ouro, dispunha-se a fugir quando foi agarrado. Estupefactos os polícias perguntaram-lhe: “como pensavas que ias poder escapar com a ourivesaria cheia de gente?” Ao que ele respondeu: “que gente? Eu não vi ninguém só vi o ouro”.

Como devemos obediência à nossa natureza fisiológica, devemos obediência também à nossa natureza sobrenatural, que é nossa vocação ou nossa opção fundamental, como fez Jesus. Todo o nosso tempo e energias devem ser dedicados à vocação que escolhemos, com a mesma determinação do amante de ouro da história.

Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus (Lucas 9, 62). Obediência é sermos fiéis aos compromissos assumidos, ao que Deus nos chamou a fazer, àquilo a que decidimos dedicar as nossas vidas. O amor leva ao compromisso matrimonial, mas depois, é este compromisso que guarda e nutre o amor.

Guarda as regras, que as regras te guardarão a ti
Na vida, obedecemos muitas mais vezes do que gostaríamos de admitir, obedecemos ao nosso corpo, quando este está com fome e pede comida, quando tem sede e pede água; obedecemos a estas e muitas outras directivas referentes a necessidades fundamentais e fazemo-lo sem levantar questões, porque sabemos que é para o nosso próprio bem.

Alem das necessidades fisiológicas, temos também necessidades sociais; como seres sociais que somos, nascemos e crescemos em interação com os outros, com quem formamos grupos; a existência e a permanência destes grupos exigem que haja regras, que definem a identidade e os objectivos do mesmo. Estas regras são obedecidas por todos os membros, não só porque foram decididas por eles, mas porque o grupo satisfaz as necessidades sociais de cada um dos membros, buscando ao mesmo tempo o bem comum.

Para qualquer lado que nos viremos há regras para serem observadas. Na vida, somos livres de escolher o jogo que queremos jogar; uma vez escolhido temos de obedecer às suas regras, guardando estas regras elas guardam-nos a nós dando-nos sentido de pertença e segurança.

A alternativa seria não escolher, mantendo todas as opções abertas, acampar num cruzamento, não investindo nem comprometendo o nosso tempo e energias num projecto como, na parábola dos talentos, fez o servo néscio que escondeu o talento recebido. É certo que seriamos livres mas um dia, perto do fim das nossas vidas olhando para trás, ficaríamos com a impressão de nunca ter vivido pois não teríamos escrito nenhuma história e teríamos gasto o tempo, e as energias, em futilidades e em mantermo-nos vivos.

Mais que sobreviver, a vida humana é implicar, comprometer o nosso tempo e energia num projecto de utilidade social. O que é bom para a comunidade é bom para nós. Quando não somos úteis aos outros somos inúteis até para nós mesmos; a nossa vida só será significativa para nós se for significativa para os outros.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de outubro de 2015

A Rotunda do Relógio

1 comentário:
Como sugere o artigo anterior, sobre a obediência, quando o nosso comportamento deixa de ser reactivo, ou seja uma resposta incontrolável a um estímulo accionado fora de nós, para ser proactivo, ou seja planeado e decidido livremente pela nossa razão, quando nos possuímos e conscientemente estamos ao comando do nosso comportamento, então somos livres, podemos fazer o que queiramos, ou melhor dito, o que Deus quer de e para nós.

Chegados a este momento, sentimos como se tivéssemos a vida nas nossas mãos; sentimo-nos cheios de tempo e energia para dedicar a algo. Quando falamos da castidade, chegamos à conclusão que a vida era de facto composta por tempo + energia + opção fundamental. Também os animais e as plantas, em geral todos os seres vivos, são constituídos por tempo e energia regulados pela natureza; sós os humanos são conscientes de si mesmos, e conscientes de um tempo e uma energia que cabe a eles e não à natureza regular
, usar, dar sentido e ocupação.

Trabalhai não tanto pelo pão que perece mas pelo que permanece até à vida eterna (Jo 6,27)
 Trabalhai não tanto pelo pão que perece… mas também – Depois de multiplicar os pães as multidões, pensando ter encontrado a galinha dos ovos de ouro, foram à procura de mais pão, tal como a Samaritana vinha todos os dias ao poço à procura de mais água. Jesus aconselhou-os que para esse pão, que nos mantem vivos, eles teriam que trabalhar. “Deus alimenta as aves do Céu mas não lhes vai deitar a comida ao ninho”, elas têm que sair e colectar essa comida que Deus providencia para elas na natureza. Quem não quer trabalhar que não coma, diz São Paulo, o pão que sustenta a nossa vida física deve sair do nosso suor e esforço.

Como a vida dos outros seres vivos, a nossa vida não pode reduzir-se ao círculo vicioso de trabalhar para comer e comer para trabalhar, ou pão e circo como diziam os romanos, pão e diversão. Estar vivos e viver não são a mesma coisa; não vivemos para estar vivos mas sim estamos vivos para viver. Sobre este pano de fundo como é triste, e sem sentido, a vida daqueles que gastam o seu tempo e as suas energias buscando meios de vida, ou seja, gastam a vida a preservar a vida, a manter-se vivos como se dessa forma a pudessem manter para sempre. 'Insensato! Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida; e o que acumulaste para quem será?' Lc 12, 20

Daí a advertência de Jesus de trabalhar não tanto pelo pão, que perece, mas guardar algum tempo e energias para trabalhar para o pão que permanece para a vida eterna; e mais que algum tempo, o evangelho sugere que esta seja a actividade principal da nossa vida: Não vos preocupeis, dizendo: 'Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?' Os pagãos, esses sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. (Mt 6, 31-33)

Jesus é o pão nós somos o pão
O discurso de Jesus sobre a eucaristia acaba com a declaração de que é ele o pão e portanto quem comer da sua carne, e beber do seu sangue, é que tem a vida eterna; coisa que os judeus, e muitos dos discípulos de Jesus, não conseguiram tragar por saber-lhes a canibalismo e vampirismo; por esta razão abandonaram o mestre ficando só Pedro, que falando em nome dos restantes reconheceu que aquelas palavras de Jesus eram palavras de vida eterna, ou seja, palavras que conduziam à vida eterna.

A natureza do pão que permanece para a vida eterna, que alimenta e torna possível a vida eterna, é diferente da do pão que alimenta esta vida e que perece. Tal como a água, que Jesus promete à Samaritana, este pão também brota desde dentro.

Por outro lado Jesus sendo caminho, verdade e vida, é a pessoa a que devemos imitar para estar na verdade e ter uma vida autêntica, no único caminho que leva ao Pai e à vida eterna. Por isso tal como Jesus foi pão também nós estamos chamados a ser pão. Somos tempo e energia que alimenta e dá vida a um valor ou uma causa humana, a uma opção fundamental. E tal como Cristo estamos também nós chamados a “poner toda la carne en el asador” como se diz em Espanha.

A opção fundamental como compromisso
A opção fundamental é uma decisão que se toma sobre o conjunto da nossa vida, é o objectivo, a meta do nosso viver, que dá sentido, cor e sabor a todos e cada um dos dias da nossa vida. É a chama que é mantida pelo combustível da nossa vida, energia e tempo. É o ponto de apoio da alavanca que levanta o mundo, no princípio de Arquimedes. É a motivação, a inspiração que reúne todos os nossos recursos e os coloca ao serviço de uma meta, de um alvo por nós escolhido.

A vida é feita de muitas opções e decisões; são elas que dão cor, sabor, aroma e sentido à nossa vida. Estas pequenas opções geralmente referem-se a um ou mais aspectos de nossa vida; podem afectar-nos muito ou pouco mas não chegam a afectar o conjunto da nossa vida. A opção fundamental é a decisão das decisões, a opção mestra, a mãe de todas as opções porque se refere a toda a vida presente e futura; na maior parte das vezes é irreversível; é a razão do nosso viver, é a causa que vamos alimentar com o nosso tempo e energia; é a boca para a qual nós somos o pão.

A causa, ou opção fundamental, que Nelson Mandela alimentou com a sua vida foi o fim do apartheit na Africa do sul; para Beethoven foi a música; para Picasso a pintura; para Gandhi a independência da India de uma forma não violenta; para uns pais são os filhos; para os professores são os alunos; para os médicos são os doentes…. Mais que uma profissão a vida é uma missão.

Não há vida sem compromisso
Vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido. Dalai Lama

Quando chega o momento para escolher a nossa opção fundamental estamos na encruzilhada da nossa vida, ou como é mais actualizado pensar pelo menos na Europa, estamos na rotunda da nossa vida. Não podemos estar aí para sempre, nem por mais tempo do que é adequado. Frequentemente quando permanecemos demasiado tempo indecisos, a vida acaba por decidir por nós, ou o governo como acontece em alguns países a respeito das uniões de facto dos jovens; depois de um tempo o estado considera-os casados. Em Lisboa existe uma rotunda chamada “rotunda do relógio”; enquanto permanecemos indecisos o tempo passa e algumas oportunidades não aparecem segunda vez na vida….

"I want to keep all my options open"– Costumava eu ouvir os jovens nos Estados Unidos e no Canadá. Durante a infância, e a primeira juventude, de facto tudo está em aberto. Manter todas as opções em aberto seria como ser uma estátua no centro de um cruzamento, ou andar à roda numa rotunda, como um burro à nora. Seria estar vivo sem viver e morrer sem nunca ter vivido.

Para quem não sabe para onde ir não há ventos favoráveis – “You can't have your cake and eat it too”; “Não se pode ter o sol na eira e a chuva no prado”. Num cruzamento, ou numa rotunda, escolher um estrada, dizer que sim a uma estrada, significa dizer que não a todas as outras. Não se pode contemporizar; a vida acaba por penalizar fortemente os que pretendem viver mais que uma vida; frequentemente quem tudo quer tudo perde… Casar-se com uma mulher, significa dizer não a todas as outras; ordenar-se sacerdote, significa dizer que não ao casamento. Imigrar para um país, significa deixar o próprio país. Todos estivemos, ou estaremos, um dia no cruzamento ou na rotunda das nossas vidas: o dia em que tomamos a vida nas nossas próprias mãos e decidimos o que fazer com ela.

É por isto que meu Pai me tem amor: por Eu oferecer a minha vida, (…) Ninguém ma tira, sou Eu que a ofereço livremente. Jo 10, 17-18 - Eramos livres enquanto parados no cruzamento decidíamos que estrada tomar; somos livres enquanto rodamos numa rotunda sem escolher uma estrada; a vida é um dom e os dons só doando-se podem ser vividos. Não temos opção, de facto, ou damos a vida ou ela nos é tirada, como àquele que escondeu o talento. Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. (Mt 16, 25)

Outros valores mais altos se levantam, Camões – A liberdade absoluta não existe, nem serviria nenhum interesse. Somos livres até ao momento em que sacrificamos voluntariamente essa liberdade, num compromisso com a vida, a sociedade e o mundo. A partir do momento em que sacrificamos a nossa liberdade começamos a obedecer ao nosso compromisso. A liberdade, como a vida, existe para ser entregue. Uma vez que nos doamos já não nos possuímos, pelo que, viver é obedecer…
Pe. Jorge Amaro, IMC