1 de agosto de 2015

Em Espírito e Verdade

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Disse-lhe a mulher: «Senhor, vejo que és um profeta! Os nossos antepassados adoraram a Deus neste monte, e vós dizeis que o lugar onde se deve adorar está em Jerusalém.» Jesus declarou-lhe: «Mulher, acredita em mim: chegou a hora em que, nem neste monte, nem em Jerusalém, haveis de adorar o Pai. (…) Mas chega a hora - e é já - em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade, pois são assim os adoradores que o Pai pretende. João 4, 19-21, 23

Em duas simples palavras – Espírito e Verdade - Jesus revela à Samaritana e a todos nós a essência da oração. Como Deus é um ser espiritual, está em todo o lado, a oração não precisa de um lugar específico; Deus transcende todos os lugares e ao mesmo tempo é imanente a todos eles. Não sendo condicionada pela
especificidade do lugar, a oração é condicionada pela nossa forma de ser e estar na vida. Só pode rezar, só se pode encontrar com Deus, quem vive e permanece na verdade.

Yahweh, o Deus dos nómadas
Greg Retallack fez um estudo, no qual estabelece uma relação entre a identidade do deus adorado num templo particular e a localização desse mesmo templo. Por exemplo, os nómadas vivendo em solos pobres adoravam Hermes, o deus mensageiro e mediador; os povos instalados em terrenos férteis tendem a adorar deuses da fertilidade como Hera. Retallack conclui que os deuses da Grécia antiga não surgem de uma cidade imaginária e poética, chamada Olimpo, mas personificam a forma de vida daquelas gentes; no fundo, os antigos adoravam os próprios meios de subsistência, ou melhor dito, adoravam Aquele que eles acreditavam garantir esses meios.

Deus é um ser espiritual - Obrigados a guiar os seus rebanhos à procura de novos pastos, os povos dedicados à pastorícia, como o povo Judeu, são necessariamente nómadas. Enquanto os povos sedentários construíam grandes templos e grandes estátuas para representar as suas crenças; os nómadas, para não ter que carregar ídolos pesados nas suas deslocações, conceptualizaram a Deus como sendo um Ser ao mesmo tempo transcendente e imanente.

Transcendente porque ao ser Criador de tudo e de todos, não pode ser representado por nada do que existe; para os nómadas qualquer forma material de representar a Deus é idolatria. Imanente pois está no coração de cada coisa e cada pessoa, logo, fácil de transportar.

Os Turkana, no norte do Quénia, usam a mesma palavra para dizer céu e Deus. Da mesma forma os Mongóis, os Turcos e os Tártaros adoravam Tengri, o Deus do céu azul. Deus, tal como o Céu, está em todo lugar. Uma realidade que é ao mesmo tempo transcendente e imanente não pode ser de natureza material mas sim espiritual.

Deus é um ser pessoal – Longe de tudo e de todos, ao guardarem os seus rebanhos os pastores passam muito tempo sozinhos; a solidão, o medo e a insegurança leva-os a estabelecer uma relação como esse Ser espiritual; um Ser que se preocupa, que protege e que quer ter uma relação pessoal com cada membro do povo. Os deuses dos povos sedentários são materialistas e chamam o povo a ter mais. Os deuses dos nómadas são espirituais e chamam o povo a desinstalar-se e desligar-se dos bens materiais para cultivar o espirito e ser mais.

Templos do Espirito Santo  (1 Cor 3, 16)
Respondeu-lhe Jesus: «Se alguém me tem amor, há-de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos morada. João 14, 23

Deus, um ser espiritual, criou-nos à sua imagem e semelhança; por isso somos, ao mesmo tempo, um corpo, ou seja, temos uma dimensão física e um espirito, temos uma dimensão espiritual. O nosso corpo é o que temos em comum com as outras criaturas que Deus criou; o nosso espirito é o que temos em comum com o Criador.

Como somos intrinsecamente templo do Espirito Santo, não precisamos de mais nenhum templo para nos encontrarmos com Deus; só precisamos de guardar silêncio e fazer um exercício de introspecção entrando dentro de nós mesmos.

O silêncio é capaz de escavar um espaço interior no nosso íntimo, para ali fazer habitar Deus, para que a sua Palavra permaneça em nós, a fim de que o amor por Ele se arraigue na nossa mente e no nosso coração, e anime a nossa vida. Bento XI

Não há oração sem silêncio, nem silêncio sem oração, um leva ao outro. A prática diária da meditação tem benefícios para a saúde em geral, tanto física como psicológica e espiritual. Reduz o stress, a tensão alta, ajuda a concentração, a dormir, a vencer a ansiedade, a asma, o cancro. A meditação é para a alma o que o exercício é para o corpo. Não tem contra-indicações só tem benefícios a todos os níveis.

Que é a verdade?
(…) Para isto vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz.» Pilatos replicou-lhe: «Que é a verdade?» João 18 37-38

Como não espera pela resposta, mais que pergunta, a afirmação de Pilatos é um amargo desabafo de alguém enfastiado, que não encontra sentido nem conforto na filosofia e no “modus vivendi” dos gregos e romanos do tempo. Esta mesma pergunta foi respondida por Jesus aos seus discípulos, quando Ele mesmo se apresentou a eles como “caminho verdade e vida” (João 14,6)

Jesus veio ao mundo para dar testemunho da verdade, ou seja, para mostrar aos homens como se vive a verdade e em verdade no dia-a-dia. Neste sentido, Como Cristo é a verdade, o metro padrão de humanidade, o que quer ser autenticamente humano, mede-se com Cristo. A oração, sobretudo a oração bíblica ou “Lectio Divina”, é de facto o acto de medir-se com Cristo.

Medir-se com Cristo é encontrar a verdade das nossas vidas; algo assim como ligar um GPS que nos diz onde estamos, o que somos, onde devemos chegar, o que nos falta para lá chegar e o caminho até lá.

Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Mateus 5,23-24

Quando nos medimos com Cristo não encontramos só a nossa verdade a nível individual, mas também a nossa verdade como membros de uma comunidade. Rezar, portanto, não tem só a dimensão vertical de amar a Deus mas também a horizontal de amar o próximo. Quando me encontro com Deus fico a conhecer os meus défices de amor ao próximo porque Deus sempre pergunta como o fez a Caim, onde está o teu irmão. (Genesis 4,9)

Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro, cobrador de impostos. O fariseu, de pé, fazia interiormente esta oração: 'Ó Deus, dou-te graças por não ser como o resto dos homens, que são ladrões, injustos, adúlteros; nem como este cobrador de impostos. Lucas 18,10-11

Também há quem viva a oração e a participação nos actos litúrgicos como autojustificação das suas vidas na falsidade. O fraco conhecimento de si mesmos leva a um fraco conhecimento de Deus e vice-versa. Sem autocritica não há progresso na vida espiritual, estas pessoas que vivem a religião como opio substituem a autocritica pela autojustificação.

A minha verdade
Quando vires um gigante, examina antes a posição do sol, para certificar-te de que não é a sombra de um anão. Von Hardenberg

Deus revela-se a quem está em contacto com a sua realidade. Quem possui uma falsa imagem de si mesmo terá também uma falsa imagem de Deus; tal pessoa vive fora de si, ao perder o contacto consigo mesma perdeu o contacto com Deus. Perifraseando a afirmação de Hardenberg há muitos anões, que não aceitando a sua realidade, projetam para fora de si mesmos a imagem do gigante que pretendem ser. Tantas vezes se escondem e projectam, nessa imagem idealizada e irreal de si mesmos, que chegam a identificar-se com ela e verdadeiramente pensar que são essa sombra.

Não há complexos de superioridade, o fanfarrão e orgulhoso que projecta para fora de si uma imagem de ser superior, na realidade vê-se e sente-se inferior; ao não aceitar essa inferioridade procura escondê-la, não só dos outros, mas até de si próprio; então enche-se de si mesmo, como a rã que queria ser maior que um boi, para colmatar o vazio que sente. Se estamos chamados a ser Templo do Espírito Santo, não podemos encher-nos de nós próprios; por isso Deus não habita naqueles que não são humildes porque estão cheios de si mesmos.

Quando perdemos o contacto com a nossa realidade, a nossa verdade, então também perdemos contacto com Deus porque Deus não pode relacionar-se com alguém que não existe. Deus só se relaciona comigo, quando estou em contacto com a minha realidade; quando sou honesto comigo mesmo, não desculpando os meus pecados nem escondendo de mim próprio os meus defeitos; quando sou autêntico, não me refugiando em falsas imagens de mim.

Possuir uma imagem falsa de mim mesmo leva a possuir uma imagem falsa de Deus. A consequência é que se eu não sou eu, Deus não é Deus. Assim sendo, a oração não é possível pois ando divorciado da minha verdade.

Deus íntimior timo meo
Conta-se que Deus querendo ser o resultado de uma busca com algum grau de dificuldade, consultou os seus anjos sobre o melhor lugar para esconder-se dos homens. O anjo sugeriu de fazer-se enterrar no fundo da Terra, Deus achou, tarde ou cedo o homem acabaria por escava-lo e encontra-lo. Nas profundezas do oceano, sugeriu outro anjo, também não pois o homem um dia terá a capacidade de explorar o fundo dos oceanos e facilmente o encontraria. Já sei, disse o próprio Deus, vou esconder-me no fundo do coração do próprio homem, ele buscará em todos os lugares menos ali….

Dizia Sto. Agostinho que Deus esta para além do meu íntimo. Como Júlio Verne, na sua viagem ao centro da Terra, para chegar até Deus eu tenho que empreender uma viagem de introversão ao centro de mim mesmo e mais além dele. É por isso que a oração é um exercício de autoconsciência e autoconhecimento. Tal como Deus, o ser humano também é um mistério para si mesmo; quem reza aumenta ao mesmo tempo o conhecimento de si mesmo e o conhecimento de Deus.

O conhecimento de Deus e o conhecimento de nós próprios são partes do mesmo processo. Não é possível conhecer-se sem conhecer a Deus, nem conhecer a Deus sem conhecer-se; porque Deus está para além de mim, para chegar até ele tenho de passar por mim mesmo.

Yoga, Reiki, Zen e meditação transcendental
Buda era indiano e hindu portanto formado e versado no politeísmo e na parafernália de um número ilimitado de deuses. Por reacção a tudo isto fundou o Budismo, uma “religião”, ou melhor dito uma espiritualidade ateia. O budismo tradicional é uma via para a iluminação, para a auto perfeição individual e até egoísta, pois não contempla os outros nem a nossa relação com eles.

Hoje no Ocidente o Budismo vem-nos fornecido misturado com outras filosofias, em forma de sincretismo religioso da New Age. Para a New Age, Deus não é um ser pessoal mas sim uma energia, da qual todos podemos participar. O homem é só uma partícula dessa energia, vivendo no espaço e no tempo. Se Deus não existe como pessoa o ser humano também não é pessoa.

É certo que para nós isto é errado; Deus é muito mais que uma energia é um ser espiritual e pessoal. Um ser que buscou sempre revelar-se ao Homem e assim o fez de uma forma limitada ao longo da história da humanidade, acabando por encarnar-se na criatura que criou para um maior conhecimento e interacção.

Para discernirmos qual a melhor atitude em relação às práticas espirituais do extremo oriente, tomemos como exemplo a reacção da Igreja á teoria da evolução das espécies de Darwim. Pio XII aceitou as conclusões de Darwin, na sua encíclica Humanae Generis, como o próprio Darwin o fez pois era religioso e continuou a acreditar em Deus Criador e Salvador depois das suas descobertas. É irrelevante que Deus tenha criado directamente o ser humano ou pensasse nele ao fim de uma processo evolutivo….

Neste sentido podemos, também, desligar as práticas do budismo e outras práticas espirituais do extremo oriente da sua ideologia ou filosofia ateia. “O que não mata engorda” diz o nosso povo na sua simplicidade, e Jesus diz “Quem não é contra nós é por nós” Marcos 9,40

Nestas férias, com tempo livre, busquemos a ajuda destas técnicas orientais e não demos ouvidos àqueles, cristãos fundamentalistas fanáticos, que gostam de deitar fora o menino com a água da banheira.

Podemos desculpar-nos de não ter ido à Missa um Domingo porque não havia Igreja no alto da montanha ou nas profundezas do vale, na praia fluvial ou na praia marítima onde nos encontrávamos; mas não temos desculpa de não nos termos encontrado com Deus em Espírito e connosco próprios em verdade.

Onde é que eu poderia ocultar-me do teu espírito? Para onde poderia fugir da tua presença? Se subir aos céus, Tu lá estás; (…) Se voar nas asas da aurora ou for morar nos confins do mar mesmo aí a tua mão há-de guiar-me e a tua direita me sustentará. Se disser: "Talvez as trevas me possam esconder, ou a luz se transforme em noite à minha volta", nem as trevas me ocultariam de ti e a noite seria, para ti, brilhante como o dia.- Salmo 139, 7,12
Pe. Jorge Amaro, IMC