15 de maio de 2015

Castidade como sublimação de energia

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A fórmula da Vida humana
A minha paixão por simplificar as coisas, levou-me a pensar numa fórmula para a vida humana; usando o grego, por tradicionalmente ser a língua da ciência, achei que a vida humana era igual ao somatório de quatro diferentes elementos ou dimensões: Eros + Thanatos + Cronos + Logos.

Eros & Tânatos - Instinto de Vida e Instinto de Morte, afectividade e agressividade, são em linguagem freudiana o polo positivo e o polo negativo da energia humana;

Cronos - É a dimensão do tempo; somos um ser espácio temporal; ocupamos um espaço durante um tempo, que corresponde aos anos que nos são dados a viver;

Logos - Refere-se à autoconsciência que temos de que estamos vivos e possuímos uma liberdade, mais ou menos relativa, para fazermos o que quisermos com a vida. Os animais e as plantas são tempo e energia regulados pela natureza, como não sabem que existem também não têm poder sobre a sua existência. No exercício da nossa liberdade, Logos é a nossa opção fundamental, é o que decidimos fazer com a nossa vida; a quê e a quem vamos dedicar todos, e cada um, dos nossos dias.

A energia da vida humana
Eros & Tânatos, instinto de vida instinto e de morte, afectividade e agressividade, ying e yang, a força centrípeta e centrífuga, o amor e o ódio, polos positivo e negativo da electricidade ou energia com que fazemos tudo o que fazemos. Sem energia nada funciona, numa sociedade, o mesmo acontece connosco.

No ser humano todos os seus actos deveriam ser inspirados e decididos pelo Logos, pela razão; mas a verdade é que o instinto, de Eros & Tânatos, não só provê a energia para a realização de todos os actos, que a razão determina, como motiva, alimenta e orienta muitos outros que se subtraem ao poder da razão; apesar dos milhões de anos de evolução desde a animalidade, o nosso comportamento é mais movido pelo instinto do que gostaríamos de admitir.

Todos os actos humanos têm uma mistura de afectividade e agressividade, mesmo os mais polarizados, tanto na afectividade, como a educação, como na agressividade, como a guerra, há sempre um pouco do polo contrário; como há um pouco de feminidade num homem e um pouco de masculinidade numa mulher. É óbvio que a educação de um filho, pelos seus pais, tem mais de afectividade que de agressividade e no entanto uma educação só afectiva teria a tendência de ser paternalista. Na educação de uma criança a afectividade, os prémios e as caricias, devem ser doseadas com alguma agressividade, castigos e disciplina.

Sublimação
No seu livro, “O mal-estar da Civilização”, Freud defende que tanto a agressividade como a afectividade desbocadas, ou seja, abandonadas a si mesmas, têm um potencial destrutivo incomensurável; podem destruir o que ajudaram a construir. O ser humano abandonou a animalidade quando ganhou poder sobre estas duas forças, quando as conseguiu domesticar, quando lhes colocou rédeas para as aproveitar positivamente.

Desta forma, o Tabu do Incesto funcionou como o “cabresto” do Eros - afectividade – instinto de vida, proibindo as relações sexuais entre pessoas ligadas por laços de sangue. Sem esta proibição a consanguinidade acabaria com a raça humana. A regra “olho por olho, dente por dente” (que pertence ao código de leis mais antigo do mundo, o código Hamurabi) funcionou como o “cabresto” do Thanatos – agressividade - instinto de morte para limitar a natureza da violência que, de por si, deixada livre, tende a escalar e alastrar-se descontroladamente levando à destruição.

Sublimar significa desviar, substituir ou modificar a expressão natural de um impulso ou instinto para uma expressão que é socialmente e culturalmente aceitável e construtiva. O exemplo de uma energia destrutiva transformada numa energia construtiva é a transformação de um touro, de touradas, num boi que lavra a terra e puxa uma carroça.

Vistas as coisas sob este prisma, a civilização humana pode ser considerada como uma história da sublimação do Eros & Tânatos, ou seja o uso inteligente que a humanidade fez destas forças ou instintos básicos. Da mesma forma, a nossa própria história pessoal consiste também nos esforços para desviar o nosso afecto e agressão naturais de seu alvo natural e primordial, a fim de promover o cultivo dos valores humanos.

A Castidade como desvio de energia
Em consonância com essa forma de pensar, o voto religioso de castidade consiste em desviar a afeição natural do homem e da mulher do seu objecto primordial, casar e ter filhos, canalizando-a para uma finalidade mais cultural. Sacerdotes, religiosos e religiosas escolhem não ter esposas e maridos a fim de estabelecer uma fraternidade mais ampla; Optam por não reproduzir-se biologicamente, e ter filhos próprios, a fim de ampliar e estender a sua paternidade e maternidade para além dos laços de sangue.

O dar à luz uma criança, ou contribuir com material genético, faz de uma pessoa um progenitor, não, de per se, um pai e uma mãe verdadeiros. Há autênticos pais que não são progenitores e progenitores que não são pais autênticos. A verdadeira paternidade envolve a dedicação completa, o dom de si mesmo aos filhos, o acompanhamento contínuo e constante até eles se tornarem adultos, e a valentia de cortar o cordão umbilical e de lhes dar o seu espaço e liberdade, quando eventualmente se tornam adultos. A este respeito, ninguém negaria a maternidade de Madre Teresa, mesmo sabendo que ela nunca deu à luz.

Considerando o facto de que, ao longo da evolução, os laços familiares têm tido mais que ver com o instinto que com o puro afecto, podemos concluir que uma sociedade, em que a interacção social se baseie unicamente em relações de família, será sempre muito fragmentada e frágil. Uma irmandade e paternidade que se estende para além dos limites dos laços de sangue, pode ser um elo de união ou cimento entre famílias; mais concretamente, pode ajudar a resolver os conflitos que surgem entre famílias rivais e contribuir para a paz e bom entendimento entre todos, tal como a cartilagem entre os ossos permite um funcionamento das articulações, evitando que osso toque osso o qual causaria dor.

Recapitulando, o curso natural do impulso amoroso é a formação de uma família, onde as relações se baseiam nos laços de sangue. A castidade sublima, ou desvia, o mesmo impulso do seu fim natural para lhe dar um fim cultural - a fraternidade universal. O amor entre pessoas que não estão ligadas entre si, por laços de sangue, actua como elemento unificador da sociedade.

Marcuse chamou a isto, “erotismo difuso” e Freud chamou-lhe, “um impulso amoroso cortado (“castrado”) do seu objectivo primordial, e dá o exemplo de São Francisco de Assis como sendo o homem que melhor sublimou a sua energia de Eros; o homem que mais e melhor partido tirou dela ao universalizar o seu eros, o seu afecto irmanando-se com toda a criação, tratando tudo e todos como irmãos e irmãs: o irmão sol, a irmã Lua, até os seus antagónicos, o irmão lobo e a irmã morte.

Alguns diriam que este conceito de amor não é natural. Na verdade, não é porque transcende a natureza, mas, nesse mesmo sentido, toda a cultura humana se opõe à natureza. De facto o que é verdadeiramente natural no Homem não é o que é dado pela natureza, mas o que ele mesmo alcança através da sua mente criativa.

A Castidade é como uma barragem
O Amor dentro do voto de castidade pode ser comparado a uma barragem. A Natureza não cria barragens, os rios correm em vales entre montanhas, ou abrindo grandes sulcos em planaltos desertos, e a sua água volta ao mar de onde saiu sem nenhum aproveitamento. Com a construção de uma barragem, o nível de água sobe a ponto de poder irrigar os campos e transformar um deserto num oásis, criando e alimentando uma sociedade agrícola e rural; por outro lado pode também ser aproveitada para fazer energia eléctrica, criando e alimentando cidades industriais onde floresce a cultura urbana.

É claro que a barragem reprime, e comprime, a água impedindo o seu fluxo natural; por isso as suas paredes têm de ser fortes e côncavas. Por outro lado, feita nos limites do possível, a mais-valia e os benefícios que se obtém da força da motriz da água para produzir energia, e da sua canalização para a irrigação, justificam plenamente a sua represa ou repressão.

Tal como as paredes côncavas e fortes da barragem, a sublimação do Eros requer que a pessoa possua um caracter forte e robusto, para conter o impulso natural do Eros que se manifesta no desejo sexual e na paternidade natural, e poder assim canalizar a sua energia para uma paternidade e irmandade mais universal. O bem que se faz aos outros, no contexto desta paternidade e irmandade universal, ecoa em nós em forma de alegria; o ver que os outros estão melhores graças à nossa actuação, compensa largamente o esforço e o sacrifício envolvido no processo de sublimação.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de maio de 2015

Amor sem sexo nem matrinónio

1 comentário:
Nós, os errantes, sempre em busca do caminho mais solitário, não acabamos um dia onde o tivermos começado; e nenhum amanhecer nos encontra onde nos deixou o entardecer.
Khalil Gibran, O Profeta

O padrão dos filmes de cowboys
Nos meus tempos de criança, e de adolescente, gostava muito de ver filmes de cowboys na televisão. Hoje, pensando em retrospectiva, é claro para mim que esses filmes influenciaram, diria mesmo, forjaram de alguma forma o meu futuro. O que é que tem que ver um missionário com um cowboy herói (o bom ou artista dizíamos na altura referindo-nos ao protagonista)? Na verdade, não são assim tão diferentes; de facto têm em comum a mística que os move, a sede e o amor pela justiça e pela liberdade; só divergem na forma de actuar.

A maioria dos filmes de cowboys tem uma narrativa semelhante: No início do filme, ao som de uma música característica deste tipo de filmes, vemos o cowboy cavalgando em direcção a uma cidade. Ao chegar, rapidamente se dá conta de que algo de errado se passa naquela localidade. As ruas estão desertas e as poucas pessoas que se podem ver escondem-se atemorizadas, por detrás das suas janelas. Mesmo dando-se conta da sensação de terror, que paira no ar, o cowboy cavalga, e depois de atar o cavalo, caminha intrepidamente com a descontracção e autoconfiança que sempre o caracterizam em direcção à porta do Bar, que abre com um pontapé..

É lá que encontra os fora da lei (barrascos, como lhes chamávamos na altura) que depois de matarem o xerife, e quantos se lhes opuseram, incutiram o medo aos restantes. Enquanto pede um whisky, ao empregado de balcão, aproxima-se dele um dos bandidos para o desafiar; o whisky termina normalmente na cara do bandido e enquanto este leva a mão à pistola já o cowboy disparou sobre ele, apontando a arma aos restantes. Deste primeiro confronto ficou evidente que o nosso protagonista é um durão e, ao contrário do resto dos homens da cidade, não é facilmente intimidável.

Saindo do bar, com o mesmo à vontade com que entrou, encontra-se com as gentes da cidade para se inteirar da gravidade da situação. Inspira-lhes confiança, coragem e juntos divisam um plano e começam a trabalhar para a libertação da cidade. Muitas vezes ensina-lhe técnicas de autodefesa, que rapidamente aprendem, ganhando assim também confiança neles mesmos.

Como sempre tem que haver algum romance para despertar o interesse do público, os filmes de cowboys não são excepção. Enquanto duram os preparativos para a batalha final, uma mulher apaixona-se pelo nosso protagonista, dando assim início a um romance que se desdobra em simultâneo com o trabalho de libertação.

Eventualmente chega o dia tão esperado. Com a ajuda das pessoas da cidade, o cowboy derrota os bandidos. Aqui o padrão dos filmes de cowboys diverge um pouco; nuns quando as pessoas buscam o cowboy para lhe agradecer este já não se encontra, apenas se vê a sua silhueta cavalgando a galope contra a luz do pôr-do-sol ao som da música com que começou o filme; noutros o cowboy permanece só o tempo suficiente para se despedir daqueles a quem amou, e por quem arriscou a vida, por puro amor, pela verdade e pela justiça, sem buscar nada em troca. É certo que o povo lhe oferece, estabelecer-se ali, ser o seu Xerife, casar com a mulher etc…. Até à data não conheço nenhum filme de cowboys que acabe como os contos: “casaram-se, tiveram muitos filhos e foram muito felizes”.

São-lhe oferecidos poder, dinheiro e amor…. Que mais pode desejar uma pessoa humana debaixo do sol? Mesmo assim ele recusa e não fica, porque a justiça, a verdade e a paz, com quem ele está comprometido, e por quem ele arrisca a vida pedem-lhe que se mantenha livre… Se ele aceitasse e permanecesse na cidade, outras cidades não seriam libertadas.

Abraço aberto
Como o cowboy, o missionário ama universalmente. O mundo inteiro é a sua pátria e a humanidade a sua casa. Tem fome de Justiça e sede de paz. Por elas, e para elas, vive cada momento da sua vida e está sempre pronto a sacrifica-la, toda, em cada um desses momentos.

Ao longo de toda a sua vida, o missionário esforça-se para amar a todos, por igual, sem exclusivismos e em liberdade. O seu objectivo não é pertencer a uma pessoa, mas ser um com todos. Na sociedade de hoje, que coloca tanta ênfase no sexo e onde masculinidade se tornou sinónimo de desempenho sexual, um missionário, tal como Jesus no seu tempo, encarna uma maneira não-erótica de amar. Num mundo onde tantos procuram sexo sem amor, os missionários esforçam-se por amar sem sexo.

Um abraço fechado inclui algumas pessoas, mas exclui todas as outras. O missionário não fecha os braços sobre ninguém em particular, o qual não quer dizer que ame menos intensamente. Como uma mãe com vários filhos, no aqui e agora da sua vida, o missionário ama com toda a intensidade a pessoa que tem à sua frente, sem esgotar nela o seu amor, porque o amor nunca se esgota.

Embora a sociedade de hoje tenda a colocar o instinto sexual ao mesmo nível que outras necessidades físicas individuais, tais como comer e beber, a verdade, que poucos querem admitir, é que, à diferença destas apetências que são intrínsecas ao indivíduo em função dele mesmo, a apetência sexual, também intrínseca ao individuo, não se realiza em função dele mas em função da espécie. A relação sexual não é tanto uma necessidade dos seres humanos, como indivíduos, mas uma necessidade da raça humana para sobreviver.

Em função do indivíduo a prática do sexo é completamente inócua, nem tira nem acrescenta nada à pessoa que o pratica ou não pratica. Portanto, o indivíduo não precisa da realização do acto sexual para preservar, afirmar, ou aumentar a sua masculinidade ou feminilidade. Os homens e as mulheres tanto se distinguem como se complementam em todas as áreas de sua masculinidade e feminilidade, não só nos órgãos genitais.

O amor pode existir e subsistir, e faz sentido, sem sexo pois há uma infinidade de situações amorosas onde o sexo não se aplica, não entra nem deve entrar; ao contrário, o sexo sem amor não deve existir, não faz sentido, pois transforma a pessoa num objecto de prazer instrumentalizando-a e degradando-a, mesmo no caso do sexo consentido entre adultos onde ambos são sujeito e objecto.

Amar é, como diz Sto. Tomás de Aquino, querer o bem do outro. Por isso diz o provérbio espanhol “obras son amores y no buenas razones” o amor manifesta-se nas obras tal como a fé. Contrariamente ao que diz o dito popular: praticar sexo não é “fazer amor”, pois o amor manifesta-se nas obras, cresce ou decresce com e por elas.

Longe de ser a única, o acto sexual é tão só uma das muitas formas de dizer: “Eu amo-te”; e não aplica, nem é lícito, nem moral em muitas formas de amar. Mas, mesmo nas situações amorosas em que é correcta e adequada a expressão sexual, esta, por si só, nem tira nem acrescenta nada ao amor, apenas expressa ou não expressa o amor que existe ou não existe.

A necessidade é amar e ser amado
"All you need is love" costumavam cantar os Beatles nos anos 60. De facto, depois das necessidades básicas que não inclui o sexo, amar e ser amado é a única necessidade e condição sem a qual a vida humana nem existe nem subiste. Nenhuma pessoa jamais atingirá maturidade plena, como ser humano, se não for amado incondicionalmente durante a infância e amar incondicionalmente como adulto.

Quem em adulto busca ser amado, mais que amar, comporta-se afectivamente como uma criança. E como a sociedade não tolera que adultos se comportem como crianças, buscará ser amado de forma enviesada, com enganos, manipulações e jogos psicológicos; é disso que tratam as telenovelas. Quem é maduro afectivamente pode passar sem ser amado; não pode passar sem amar. Jesus na sua vida terrena, buscando sempre amar e servir os mais pobres e desfavorecidos, não buscava ser amado, mas também não repelia o amor que lhe devotavam.

Amor universal, paternidade universal
Todo o homem, e toda a mulher, têm uma vocação natural para serem pai e mãe. O missionário está chamado a realizá-la, não de uma forma biológica ou física, mas de uma forma psicológica e espiritual. Mesmo para os que são pais, em sentido biológico, o mais importante não é o escasso tempo do processo da concepção, mas os longos anos do processo educativo.

O missionário não é pai trazendo mais filhos ao mundo mas contribuindo para a educação e humanização dos que já cá estão. Do missionário pode-se dizer, como se disse de Jesus: Passou pelo mundo fazendo o bem…
Pe. Jorge Amaro, IMC