15 de março de 2015

As coisas que o dinheiro não compra

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Deus manda no outro mundo, o dinheiro manda neste. Não há nada que o dinheiro não te faça fazer; todos têm um preço.

Quanto custas? Ouvimos tantas vezes nos filmes; o dinheiro compra tudo e todos; ninguém resiste ao vil metal. As pessoas que chegam ao ponto de venderem a sua honra, a verdade e a sua dignidade fazem-no na certeza de que o dinheiro lhes vai comprar tudo, que é essencial para a auto-realização e para a felicidade.

A verdade é que o dinheiro, longe de comprar tudo, não compra sequer as coisas mais importantes, as de que realmente precisamos na vida. É por isso que não é difícil encontrar pessoas deprimidas e infelizes entre os ricos, e pessoas felizes e auto realizados entre os pobres.

O dinheiro pode comprar uma cama, mas não pode comprar o sono; pode comprar comida, mas não o apetite; pode comprar livros, mas não a inteligência; pode comprar luxo, mas não beleza; pode comprar uma casa, mas não um lar; medicamentos, mas não a saúde; reuniões sociais, mas não amor; brincadeira ou diversão, mas não felicidade; um crucifixo, mas não a fé; um lugar luxuoso no cemitério, mas não no céu. Não há nada mais valioso do que a vida e a vida é um dom de Deus; o amor, que é o princípio da vida, é livre e não pode ser vendido nem comprado. Em essência, só se compram os meios materiais, essenciais para estarmos vivos; a vida, nem se compra, nem se vende, nem se possui.

A Princesa Diana, de Gales, tinha tudo que uma jovem poderia pedir na vida: juventude, beleza, poder, dinheiro, fama, "sangue azul" e dois filhos preciosos, e mesmo assim não estava feliz porque lhe faltava, o principal, o que o dinheiro não pode comprar, amor. À procura deste, abandonou tudo e foi nessa busca que perdeu a vida. Outros há, que tendo o essencial, o amor, fazem o oposto da princesa, buscando afanosamente tudo aquilo que ela desprezou, gastando nisso as suas vidas, muitas vezes acabando por perder o que de antemão tinham, o amor.

Tal como Diana de Gales, São Bento de Nursia, São Bernardo de Claraval, São Francisco de Assis, Sto. Inácio de Loyola, São Francisco Xavier, Sto António de Lisboa, Sta. Isabel de Portugal, São Nuno Alvares Pereira, Sta Beatriz da Silva etc., os santos da Igreja católica, na sua grande maioria, eram de classe media alta, cultos, jovens, belos, ricos alguns de sangue azul, e todos abandonaram tudo por Cristo, tal como São Paulo outrora fizera, por causa dele, tudo perdi e considero esterco, a fim de ganhar a Cristo, Fl, 3, 8.

O valor e não valor da pobreza
A pobreza, exaltada na Bíblia, não é a que impede os seres humanos de sustentar as suas vidas e viver com dignidade. Desde o princípio, a Biblia apresenta-nos um Deus que, longe de ser neutral ou imparcial, luta contra este tipo de pobreza.

Com efeito, Deus está do lado dos pobres contra os ricos, como vemos no cântico de Maria (Lucas 1:53). Alegra-se com a queda dos ricos, como tal, não como seres humanos. Enquanto seres humanos, Deus quer a conversão do pecador não a sua morte. Deus é provavelmente o único que diferencia entre o pecador e os seus pecados, condenando o pecado, salvando o pecador.

Como religiosos, o nosso voto de pobreza brota da segunda bem-aventurança, que São Mateus cita no seu Evangelho: a opção pela pobreza (Mateus 5:3). A escolha da pobreza, portanto, é motivada pela liberdade em relação ao dinheiro, que pode dominar o coração, e também pelo desejo de testemunhar o amor de Deus pelos últimos, os discriminados, os rejeitados, partilhando a sua condição. Procuramos partilhar da condição dos pobres tanto, ou da mesma forma, como o fez Jesus: que sendo rico se tornou pobre... 2 Coríntios 8,9.

O voto de pobreza
Como os votos religiosos de castidade, pobreza e obediência fazem referência a valores eternos, aqueles que os encarnam transformam-se em sacramentos, embaixadores, signo e símbolo de eternidade para o resto dos cristãos. Ao viverem, já no aqui e no agora, os valores que todos estamos chamados a viver no céu, relativizam realidades como o dinheiro, o poder, o prazer.

Quanto ao voto de castidade, como no céu não há morte, não há nenhuma necessidade de haver casamentos como sugere Mateus 22,30. Viver em castidade, ou amizade universal, é o que a todos nos espera.

Quanto ao voto de obediência o que o religioso quer relativizar é o amor pelo poder, que tantos têm; a mania de querer chegar ao topo, pensando que uma vez lá não se tem que obedecer a ninguém. Obedecendo o religioso quer mostrar que é fazendo a vontade de Deus que melhor nos auto realizamos.

A necessidade de bens materiais está relacionada com o facto de ter, de sustentar a vida nas suas implicações biológicas. No céu, teremos um corpo glorioso (1 Coríntios 15, 44) ou espiritual, feito à imagem e semelhança do nosso corpo físico mas não é o corpo físico. Como é um corpo imaterial, não há necessidade de possuir e armazenar bens materiais.

Muitas pessoas vivem na ilusão de que, por possuir mais meios de vida, têm mais vida, ou podem alongá-la mais. Em si mesma a vivência do voto apregoa a verdade de que não se pode amar a Deus e ao dinheiro; o possuir, para além do necessário para nos mantermos em vida, impede de “armazenar tesouros no céu”, (Mateus 6,19-20), ou seja gastar a vida cultivando valores humanos. São estes valores que dão sentido e relevância à nossa vida, tanto do ponto de vista individual como social, e a sustêm na eternidade fazendo parte do nosso corpo espiritual, com o qual viveremos com Deus.

Vivendo o voto de pobreza, no contexto de uma comunidade religiosa, destacamos o valor da partilha de bens comuns, assim como o valor de os usar e administrar com responsabilidade, sem possuí-los. Nós acreditamos, na verdade, que só Deus é o verdadeiro dono de tudo o que as pessoas pensam, que possuem. Não somos proprietários de coisa nenhuma, nem de nós mesmos, nem da nossa vida; apenas somos administradores de tempo, de talentos, de recursos e dessa administração prestaremos um dia contas.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de março de 2015

O dinheiro nunca fez ninguém rico

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- Rabino que pensas acerca do dinheiro? O discípulo perguntou a seu mestre.
- Olha pela janela, disse o mestre. O que vês?
- Eu vejo uma mulher com uma criança, uma carroça puxada por dois cavalos e um homem que está a ir para o mercado.
- Bom. Agora olha para este espelho que vês? ”
- O que quer que eu veja mestre? Vejo-me a mim mesmo, obviamente.
- Considera então: a janela é feita de vidro, o espelho também. Um fino revestimento de prata atrás do vidro é suficiente para fazer com que um homem só se veja a si mesmo.

Um todo e uma parte
A vida humana está fundada sobre dois princípios, a liberdade e a igualdade; O ser humano para viver autenticamente tem de ser livre autónomo e independente; porém como não existe sozinho, mas coexiste com outros; o valor da liberdade deve ser doseado e harmonizado com o valor da igualdade. Com efeito, os outros, com quem o ser humano coexiste, são seres iguais a ele em dignidade.

A liberdade define o ser humano como um ser pessoal e individual, a igualdade define-o como um ser social. O Amor pela riqueza é regressivo, porque faz a pessoa regressar e permanecer no estado egocentrista do desenvolvimento infantil negando assim o princípio da igualdade.O ser humano define-se ao mesmo tempo, individualmente como um todo, porque é livre e independente, socialmente como uma parte pois sempre faz parte de uma família, um povo, uma sociedade dentro da qual estabelece relações de igualdade.

Estes dois valores correspondem aos dois mandamentos do cristianismo:
Amar a Deus sobre todas as coisas - é a única garantia de liberdade: ao darmos a Deus o nosso coração, ao prestarmos vassalagem só a Ele, estamos livres de todos os outros e de tudo o resto; somos livres quando o afecto por Deus está por cima dos outros afectos.

Amar o próximo como a nós mesmos – é como dizer que eu sou igual ao meu próximo e o meu próximo é igual a mim; que o amor que me devo a mim mesmo, devo-o em igual medida ao meu próximo; que a estima que devo ter ao outro não deve ser menor que a minha auto-estima. Sem entender o outro como “alter ego” um outro eu, sem altruísmo não há vida social; é através da partilha a todos os níveis, incluindo os bens materiais, que a vida em sociedade é possível.

Com a psicanálise em mente, nunca devemos incorporar, declarar ou tornar nosso, o que não é nosso. Porque somos seres temporais, o nosso possuir é passageiro; em realidade não somos donos de nada; só Deus é Senhor de tudo e de todos, pois é eterno. Nunca se viu que um camião de mudanças fizesse parte da comitiva que se dirige para o cemitério. As pessoas que se definem pelo que TÊM são pobres, porque vivem na insegurança de perder o que eventualmente perderão. As pessoas que se definem pelo que SÃO, possuem uma riqueza que nem a morte pode corromper.

Não sendo proprietários de coisa nenhuma nem da nossa própria vida, devemos sinceramente considerar-nos administradores, tanto da nossa vida como dos recursos que possuímos, e dessa administração prestaremos um dia contas.

Quando na nossa mente conseguimos substituir o chip do conceito “dono” pelo de “aministrador”, uma sensação de desapego e desprendimento, dos bens materiais, invade a nossa mente. Esta nova mentalidade é imprescindivel para o crescimento espiritual, como pessoa livre e independente, mas ao mesmo tempo parte de uma comunidade e como filhos de Deus.

Ser ou ter
Sto. Antão, São Bento, São Francisco de Assis e muitos outros, também de outras religiões, abdicaram dos seus bens porque viram neles um empecilho para o crescimento pessoal. Deram-se conta que não podiam servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro (Lc 16, 13). Que o ter e o ser eram antagónicos.

O psicanalista Erich Fromm no seu livro titulado “Ter ou ser?” Debruça-se sobre este tema; para ele há duas formas de viver a vida, uma baseada no “Ter”, a outra no “Ser”. Para ele o que tem é possuído pelas coisas que tem e são elas que definem o seu ser; só o que vive em modo de ser é que é verdadeiramente livre. Em modo de Ser as pessoas são activas, pois são o sujeito da sua actividade; em modo de Ter as pessoas estão ocupadas, têm ocupações e algumas até as realizam contra a sua vontade.

Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. Mt 6,19-21

O que se define pelo que tem vive inseguro, tem medo dos ladrões, das mudanças económicas e políticas, dal altas e baixas da bolsa, da doença, da morte, da dor; sofre uma hipocondria crónica, em relação à saúde e a tudo o que tem e pode perder. Se eu sou o que sou ninguém pode ameaçar a minha segurança, nem o meu sentimento de identidade, pois o meu centro está em mim mesmo.

Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. Mt 10, 28

Enquanto o “Ter” é algo que se consome com o uso, o “Ser” é algo que aumenta com a prática; pensemos o muito que podemos fazer com os nossos talentos e virtudes; estes aumentam quando os usamos, enquanto os bens materiais diminuem quando os usamos ou doamos. Para quem vive em modo de ter, amar é possuir o outro e sente ciúmes quando aparece um potencial rival; para quem vive em modo de ser, amar é entregar-se ao outro e querer o bem do outro.

A ganância é a pobreza dos ricos
"Quanto menos és e quanto menos expressão tem a tua vida, tanto mais tens e mais alienada ela é” disse Karl Marx. Jesus expressou isso muito antes quando ele disse, "Não se pode servir a Deus e o dinheiro" Lucas 16:13. Isto quer dizer, que na nossa vida, não podemos conjugar ao mesmo tempo os verbos, Ter e Ser, porque sendo antagônicos auto excluem-se. "O homem sábio é também pobre ou torna-se pobre" (Sêneca); o materialmente rico é, por regra geral, espiritualmente pobre e vice-versa.

O homem pobre que está feliz com o que tem, e não procura mais riquezas materiais, é rico. Enquanto o homem rico que nunca está satisfeita com o que possui quer e busca ter mais, é pobre.

É como uma adolescente anoréxica auto enganada por uma falsa percepção da realidade; está tão obstinada em tornar-se mais magra que sempre que se vê ao espelho se vê gorda; como não foca a sua atenção na magreza, que já tem mas na que ainda pode ter, sempre se verá gorda e obrigada a perder mais peso, arriscando a morte se não for curada da sua falsa percepção da realidade.

O rico é pobre porque a sua atenção não está virada para o que já tem, mas para o que ainda pode vir e sonha ter, investindo nesse objectivo todo o seu tempo e as suas energias. Como sempre haverá alguém mais rico que ele, sempre se verá a si mesmo como faltando-lhe ainda algo pelo que, para todos os efeitos, é pobre. O pobre é rico porque está satisfeito com o que tem e investe no Ser o seu tempo e as suas energias; o rico é pobre porque ao não achar que tem o suficiente investe no Ter mais toda a sua vida.
Pe. Jorge Amaro, IMC