15 de dezembro de 2014

Amor platónico, amor encarnado

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Ai flores, ai flores do verde pino,
sesabedes novas do meu amigo!
ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
sesabedes novas do meu amado!
ai Deus, e u é?
Cantiga de amigo da autoria de El rei D. Dinis

Quando Portugal ainda estava no seio do reino de Leão a língua que se falava, em todo o Noroeste da Península Ibérica, era o Galaico-Português. Uma língua nascida no mundo artístico, pelo que os primeiros escritos nesta língua são as cantigas de amigo e de amor, que cantavam os trovadores vindos de França a caminho de Santiago de Compostela.

“Absense makes the heart grow fonder”- A distância faz o amor mais profundo, diz o proverbio inglês. O que de facto caracterizava estas cantigas de amor e de amigo era o facto de os amantes estarem distantes um do outro. Escasseavam os encontros pelo que, consumidos pela saudade, os amantes viviam o seu amor platonicamente na imaginação e na fantasia, alimentadas pelas poucas notícias e cartas. Quando depois de muito tempo, anos até, os amantes se encontravam a alegria era indescritível….

Assim foi também, durante muito tempo, o amor entre Deus e os homens, os homens e Deus. Um amor platónico que era alimentado pelos mensageiros, os profetas que Deus ia enviando ao mundo. Até que um dia… Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito, João 3,16. Em Jesus de Nazaré nascido em Belém encontram-se finalmente a humanidade e Deus, Deus e a humanidade. Este encontro está simbolizado na parábola dos convidados à boda (Mateus 22, 1-14); a boda na qual Deus casa o seu filho com a humanidade.

Religião e revelação
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho. Hebreus 1,1-2

Esta frase, da carta aos Hebreus, pode resumir todas as religiões para além da cristã. Religião, do latim “religare”, significa relação com Deus e com o proximo. Desde que a especie humana é consciente de si mesma acredita na possível existencia de um ser superior, transcendente a tudo e a todos porque criador de tudo e de todos. Em todo o tempo e em todo o lugar o homem procurou comunicar-se com este ser superior, Deus, para obter o seu beneplacito.

As ondas de telemóvel, da televisão e da radio cruzam o nosso espaço e nós não as ouvimos nem as vemos, mas sabemos que é assim porque quando temos os instrumentos adequados nós captamo-las. Analogicamente Deus também buscou comunicar-se com o homem e o homem com Deus; mas também esta comunicação não é acessível a todos, é preciso ter uma sensibiliade especial para entrar nesta comunicação.

Sempre houve pessoas com uma sensibilidade especial para comunicar-se com Deus. Na tradição bíblica, os profetas eram os catalisadores dos desígnios de Deus para o povo e das petições do povo a Deus. A comunicação, no entanto, não se fazia sem dificuldades; tal como no campo das telecomunicações, havia muitas “interferências”; a persoanlidade e caracter do profeta, defeitos e preconceitos, filtravam a mensagem que não chegava ao destinatário tal como tinha saído do emissor. Por outro lado e muitas vezes estes profetas entendiam que o Céu estava fechado e Deus envolto em silêncio.

Meu Deus, clamo por ti durante o dia e não me respondes; durante a noite, e não tenho sossego. Salmo 22, 3. O povo de Israel nunca se contentou com esta comunicação, tão deficitária, e vivia num contínuo desassossego.

O meu coração murmura por ti, os meus olhos te procuram; é a tua face que eu procuro, Senhor. Salmo 27, 8. O verdadeiro amor nunca se acostuma à ausência.

O cristianismo não é uma religião, pois não consta do esforço ou tentativas do homem em chegar a Deus, ao contrário; o cristianismo é uma revelação porque é Deus que busca o homem e se revela a ele.    Como diz Jesus no evangelho, não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça; e assim, tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome Ele vo-lo concederá. João 15, 16

Natal, o dia do encontro
Tudo me foi entregue por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai, como ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.» Mateus 11, 27

O homem por mais que tentasse nunca chegaria por si só a Deus; por isso, ao contrário de todas as religiões, no entender do cristianismo, por ser um Revelação, Deus não manda recado vem Ele mesmo.

No Natal celebramos a grande verdade, que Deus não está envolto em silêncio, mas sim em panos e depositado numa manjedoura. Com o nascimento de Jesus, Deus rompe o silêncio, elimina a distância e desfaz a inacessibilidade. Jesus é o Emanuel, Deus connosco, à nossa beira; companheiro de viagem na nossa vida como o foi com os discípulos de Emaús.

Em Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, dá-se finalmente o tão esperado encontro da humanidade com Deus e de Deus com a humanidade; uma comunicação plena sem interferências nem intermediários. O amor que foi platónico, durante tanto tempo, é agora um amor real.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de dezembro de 2014

A Imaculada Conceição da Virgem Maria

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Origem do pecado e pecado original
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; com o pecado perdemos a semelhança de Deus, mas mantemos ainda a sua imagem. Já não somos como Deus nos criou; o pecado dos nossos pais alastrou-se no espaço e no tempo alterando profundamente a natureza humana. O homem construiu o seu próprio inferno, tipificado nas cidades de Sodoma e Gomorra. O dilúvio destruir tudo e começar de novo, com a família de Noé, foi o primeiro plano para salvar a espécie humana. A descendência de Noé depressa voltou ao pecado dos seus antepassados.

Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que ficaram embotados. (Jeremias 31, 29) Sem conhecer as leis da hereditariedade de Mendel os hebreus eram conscientes que certos males passavam de pais para filhos. De facto o pecado de Adão e Eva corrompeu-os, não só a nível existencial como pessoas mas também a nível genético, pelo que as consequências seriam sofridas por toda a espécie humana.

Usurpação do critério do bem e do mal
A pseudo emancipação do homem, o querer ser como deus, o ter usurpado a Deus a prerrogativa do bem e do mal, foi a origem do pecado ou pecado original que vai passando de geração em geração, pois modificou o ADN da espécie humana. O mal instalou-se dentro da espécie humana de tal forma que como dizia Jesus, em Mateus 15, 11, “Não é aquilo que entra pela boca que torna o homem impuro; o que sai da boca é que torna o homem impuro”. Não é portanto a má educação que leva o homem a ser mau; a maldade já está no interior.

Enquanto o critério do bem e do mal estava no centro do jardim do Éden, e pertencia exclusivamente a Deus, a terra era o Reino de Deus; havia paz, união, consenso, pois todos se submetiam a um critério único. Quando o Homem querendo ser como Deus se colocou no centro, roubando a prerrogativa do bem e do mal, instalou-se a divisão, a guerra, a subjectividade, a arbitrariedade, o relativismo, a divisão, a discórdia. Todos os indivíduos querem o centro. Não pode haver dois centros, se eu tenho o critério do bem e do mal tu não o tens ou eu não to reconheço.

Ninguém faz o mal pensando que está afazer o mal; Hitler ao matar 5 milhões de Judeus pensava que estava a fazer um serviço à humanidade; as bombas suicidas que se matam, matando pessoas inocentes, dizem que se estão sacrificando por um bem maior; os extremistas muçulmanos matam em nome de Deus….

Somos maçãs com bicho
Os pais que se esmeram na educação dos seus filhos ficam admirados quando estes começam a mentir, a roubar e a fazer outras travessuras que eles nunca ensinaram aos filhos. O mal está dentro de nós e não precisa de ser aprendido. Como diria o psicólogo Jung o mal pertence ao inconsciente colectivo da humanidade. Cada acto malvado, que um individuo leva a cabo, instala-se nesse coeficiente colectivo de tal forma que os indivíduos que nascem depois nascem com a capacidade de o voltar a realizar sem precisarem de nenhuma aprendizagem.

Muita gente ao ver uma maçã com um buraquinho pensa que o buraquinho foi feito pelo bicho, ao entrar na maçã, quando o contraio é que é verdade, foi feito pelo bicho ao sair da maçã. O bicho é um ovo que um insecto depositou na maçã, no momento da sua concepção, ou seja quando era ainda uma flor. Todos nós somos maçãs com bicho, o mal está dentro de nós e só precisa de uma determinada circunstancia para se revelar.

Não é portanto como diz o proverbio “A situação faz o ladrão”. Todos, tarde ou cedo, são confrontados com situações onde podem roubar; à partida todos somos capazes de roubar. Roubar ou não roubar vai depender do grau de educação, em valores humanos, que temos no momento da tentação. Só esse grau de educação, em valores humanos, pode contrariar a tendência inata em todos.

De Eva a Avé
Duas são as razões pelas quais Deus veio até nós em forma humana; a primeira para nos dizer, de uma forma definitiva, como é Deus, a segunda para nos dizer como é o ser humano e como deve ser. Cristo é de facto a medida do humano, o metro padrão da humanidade, aquele com quem todos os indivíduos se devem medir, pois Ele é a norma, ele é o modelo, o paradigma. Cristo é o homem que Deus criou em Adão, antes de este ter desobedecido, de facto Jesus mostra, pelas palavras e pelas obras que se mantem, toda a sua vida, obediente a Deus.

Como Cristo é o segundo Adão, Maria é a segunda Eva. Avé é de facto Eva ao contrário. Cristo, o filho de Deus altíssimo, não podia ter como mãe Eva, depois do pecado; por isso no momento da sua conceição, no momento em que meia célula de Joaquim se uniu à meia célula de Ana sua esposa, Deus actuou, evitando que os genes que desde o pecado de Adão e Eva tinham passado de geração em geração passassem também para Maria. Maria foi concebida sem pecado original, por ter sido destinada a ser a mãe do filho de Deus. Não faz sentido que Deus encarnasse na natureza humana que Adão e Eva modificaram com o pecado. Por isso Maria que ia a ser a mãe do Senhor foi preservada desta herança negativa comum a todos os mortais.

Na Etiópia não existe a figura negativa de madrasta. Muitas vezes uma é a mãe biológica e outra é a mãe que cria e educa. Chama-se a “Ingera enat” ou seja, mãe do pão. Quando estudava teologia tinha um colega que à sua tia biológica chamava mãe e à sua mãe biológica chamava tia. O meu colega tinha sido rejeitado pela sua mãe biológica e acolhida pela irmã desta que o criou, era tanto o amor que tinham um pelo outro que estando ela já doente, terminal de cancro, não faleceu enquanto não viu o seu filho (biologicamente sobrinho) ordenado sacerdote.

Eva é a mãe biológica de todos os viventes; Maria é a nossa mãe de pão, desse pão eucarístico que é o seu filho que nasceu num cidade chamada Belém, que literalmente significa casa de pão, e que ela depositou numa manjedoura, recipiente onde se come, para que nós nos alimentássemos dele.

Eva é a nossa progenitora, mas abandonou-nos à nossa sorte, Maria é aquela que provê às nossas necessidades quando em Caná diz “Não têm vinho” João 2, 2

Eva é a que nos ensinou a fazer o mal, Maria é a que nos educa e ensina a fazer o bem ao apontar para o seu filho e dizer “fazei o que ele vos disser” João 2, 5.
Pe. Jorge Amaro, IMC