15 de outubro de 2014

Halloween

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Origen de "All Hallows Eve"
Todos os anos no dia 31 de Outubro, nos Estados Unidos e no Canadá, festeja-se o Halloween. Mas não foi nestes países, tradicionalmente protestantes, onde nasceu esta festividade, cujo nome deriva do termo "All Hallows Eve", que significa Véspera de Todos os Santos. Com efeito, a véspera e o dia de todos os santos, assim como o dia a seguir, o dia dos fiéis defuntos, são a cristianização de festas que os Celtas celebravam, sobretudo na Escócia e na Irlanda, muitos anos antes de o cristianismo chegar a essas terras.

Halloween tem a sua origem num antigo festival Celta chamado Samhain, que em Gaelic significa Summer’s end, o fim do Verão. Os celtas, que viveram há 2000 anos no norte da França e da Península Ibérica, na Escócia e na Irlanda, comemoravam o novo ano no dia 1 de Novembro. Este dia marcava o fim do verão e as colheitas, a queda das folhas e o início do inverno escuro e frio; uma época do ano que não podia deixar de ser associada ao fim da vida humana, à morte.

Os Celtas acreditavam que na noite do dia 31 de Outubro, véspera do ano novo, a fronteira entre os mundos dos vivos e dos mortos difuminava-se e quase desaparecia; os fantasmas, dos mortos, voltavam à terra e vagueavam à procura de corpos para habitar. Como os vivos não queriam ser possuídos por espíritos, vestiam-se com trajes e desfilavam pelas ruas, fazendo barulhos para confundir, assustar e afugentar os espíritos.

O desfile passava pelas ruas da aldeia até chegar a uma grande fogueira, criada por um sacerdote druida, fora da aldeia. A fogueira era acesa primordialmente para honrar o deus sol e agradecer-lhe pela colheita de verão, mas era também um meio para afastar os espíritos furtivos. Se alguma pessoa manifestasse sinais de já estar possuída por um espírito, era sacrificada como exemplo para dissuadir os espíritos de possuir um corpo humano.

Pelo ano 43 D.C., o Império Romano conquistou a maioria do território celta. No decurso dos quatrocentos anos que governaram as terras celtas, o festival romano chamado Feralia, que comemorava a passagem dos mortos, foi combinado com a tradicional celebração Celta de Samhain.

No século VIII, o Papa Gregorio III designou o dia 1 de novembro para homenagear todos os Santos e mártires. E o dia 2 para homenagear e rezar pelo eterno descanso de todos os fieis defuntos. Estas duas festividades incorporaram algumas das tradições do Samhain. A Igreja não conseguiu cristianizar todas as tradições e costumes dos Celtas, pelo que algumas destas sobreviveram até serem levadas para a América pelos imigrantes irlandeses, que fugiram da fome da batata no ano 1846.

Halloween hoje
O iluminismo, o racionalismo, as grandes descobertas científicas do século XIX e os avanços da técnica do século XX, fizeram uma autêntica caça às bruxas ou seja à superstição. Podemos dizer que os povos ocidentais são, regra geral, hoje menos supersticiosos do que foram há séculos. Neste contexto Halloween é o dia em que nos rimos das superstições; e quando nos rimos delas quebramos o seu feitiço, elas deixam de ter qualquer poder sobre nós.

De facto ninguém tem medo dos trajes e máscaras, que desfilam neste dia e sim teríamos medo das mesmas num contexto diferente. O humor desfaz o medo, o poder e o efeito placebo e sugestivo que a superstição tem sobre as pessoas; enquanto nos rimos das superstições não as levamos a sério; enquanto nos divertimos com elas, não têm qualquer poder ou efeito sobre nós; quando temos medo delas então sim elas são poderosas como um cão, que nos ataca depois de farejar o nosso medo.

Superstição e fé
Desconsolados pela frieza de décadas de ateísmo e racionalismo teórico e prático, que combateu a fé como se fosse superstição e a superstição como se fosse fé, muitos refugiaram-se numa nova religião chamada New Age, Nova Era. A Nova Era é um sincretismo, ou salada russa, das religiões maioritárias do nosso planeta, associada a todo tipo de superstição, bruxaria e feitiçaria. Bem perto de nós, como exponente desse tipo de pensamento está o escritor brasileiro Paulo Coelho. Os êxitos de bilheteira, de filmes como Harry Potter e series sobre o oculto e vampiros, pode ser visto como uma reação ao ateísmo e materialismo que marcou a segunda metade do século passado.

A diferença entre a fé e a superstição é que a fé é razoável e plausível; há sempre razões que auxiliam e assistem a nossa fé em Deus e nos homens; todos os que acreditam têm razões para tal; ao contrário, a superstição é de todo irracional, é uma fé cega. Que um gato preto dê azar, e que um cornito e uma ferradura dêem sorte, é pressupor que esses objetos, materiais, têm poderes espirituais, ocultos em si mesmos; isto é uma crença irracional, porque o que é material não pode ter poder espiritual; só um ser espiritual pode ter poderes espirituais; a matéria é sempre matéria. Deus e o nosso próximo são o único objeto da nossa fé. A superstição, pelo contrário, tem como objeto realidades materiais, coisas, animais e artefactos.

Isto leva-nos a refletir sobre a diferença entre ícone e ídolo. Para os supersticiosos, o gato preto, a ferradura e o cornito, são ídolos, pois esses objetos valem por si mesmos, têm, segundo reza a crença, um poder espiritual oculto neles. Ao contrário, um ícone é como o ídolo, um objeto material, mas não tem valor em si mesmo, de facto a sua função é invocar uma realidade que está para além de si mesmo e transportar-nos para essa realidade; a madeira, esculpida em figura de Jesus, não tem valor nenhum em si mesma mas evoca e transporta-nos para Aquele que sim tem muito valor para nós; a imagem não é Cristo mas representa-o. Os iconoclastas protestantes acusam os católicos de adorarem ídolos (Imagens de Jesus de Maria e dos santos), porque não sabem a diferença entre um ídolo e um ícone.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de outubro de 2014

Ter ou não ter Passaporte...

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Nova evangelização versus missão ad gentes
Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Mateus 28, 19

No envio missionário, Jesus mandou os seus apóstolos pelo mundo inteiro para fazerem discípulos, de todas as nações e povos e não de um só povo ou nação, a própria nação. Hoje, porém, obcecada pelo decréscimo de fiéis e pela “Nova Evangelização”, como única solução para o problema, a Igreja, sobretudo a europeia, voltou-se para dentro de si mesma e colocou a “Missão Ad Gentes”, o objectivo para o qual Cristo a constituiu, em segundo plano.

Provando esta tendência a própria conferência episcopal portuguesa, que em toda a sua história só há bem pouco produziu um documento sobre a Missão, até colocou na mesma comissão Nova Evangelização e Missão Ad Gentes.

Antigamente havia sacerdotes diocesanos que se queriam fazer missionários, hoje o movimento é inverso; são cada vez mais os missionários que se fazem diocesanos. Depois de terem possuído a vocação mais perfeita da igreja, como dizia o nosso fundador José Allamano, dão agora as costas à Missão; depois de serem pescadores de homens, contentam-se em serem pastores; depois de serem águias contentam-se agora em serem galinhas de capoeira. Por outro lado, talvez para justificar “teologicamente” o ficar por cá, foi diluído o conceito “Ad gentes”; hoje toda e qualquer actividade pastoral é considerada “Ad Gentes”. Quando tudo é “Ad Gentes” nada é “Ad Gentes” O que é de todos, não é de ninguém; o sal e o açúcar desapressem da vista quando são diluídos; o “Ad gentes” torna-se em “Ad Nientes”.

Se os 12 apóstolos tivessem como objectivo converter todo o povo de Israel, e se para tal tivessem permanecido no seu país, o cristianismo não teria a dimensão universal que hoje tem e os judeus também não se teriam convertido.

A tese do livro “A terceira Igreja às portas” de Otto Kuss defende que serão os evangelizados, de outros países, que voltarão a evangelizar o velho continente. A nova evangelização portanto não vai ser feita por nós, mas por aqueles a quem, há muitas gerações atrás, fomos evangelizar; de facto já há entre nós, missionários, clero e movimentos laicais desses países a tentar talvez não uma “Nova Evangelização”, no entender de João Paulo II, ou seja evangelizar outra vez, mas sim uma “Evangelização Nova”, no entender do cardeal Martini, ou seja uma nova forma de evangelizar.

Houve um tempo em que a Europa dava, desde a sua abundância, à igreja universal; hoje, ante a escassez, é natural pensar mais em si e fechar-se em si mesma; pode ser natural, mas não é evangélico. Não é isso que aprendemos no Antigo Testamento, no episódio da viúva de Sarepta que fez um pão para o profeta Eliseu da última farinha que tinha reservado para ela mesma e para o seu filho, antes de ambos morrerem de fome. A mesma ideia vem vincada no Novo Testamento, como no episódio da viúva pobre que deu do que lhe era preciso para sobreviver. Do ponto de vista do evangelho não tem quem retém, mas sim quem dá.

Pastoral de manutenção
Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? Mt 18, 12

A triste realidade é que as paróquias não saem fora da sua rotina de “business as usual” traduzindo-se numa pastoral de manutenção que graficamente pode ser representada na inversão da parábola da ovelha perdida: tudo o que o pastor faz é manter e entreter uma ovelha dentro do redil e não se importa com as 99 que andam tresmalhadas. De facto, ir à procura delas é trabalho de um “bom pastor” e o bom pastor é mais parecido com o pescador, pois deixa a sua zona de conforto para ir em busca. Como não vejo, na nossa igreja, grandes iniciativas de “Nova Evangelização” não será que esta foi inventada para contra restar, tirar força à Missão Ad Gentes? E portanto um pretexto para não fazer nem uma nem outra?

Cartão do cidadão ou passaporte?
Quando nascemos o nosso nome é escrito no registo civil e mais tarde é-nos dado um DNI (documento nacional de identidade), que nos define juridicamente à semelhança do nosso DNA, ou ADN, que nos define biologicamente. Mais tarde é-nos dada uma cédula de Baptismo, quando o nosso nome é registado no livro da comunidade cristã.

O cartão do cidadão só nos define como Portugueses em Portugal, enquanto o passaporte, apesar de não ser mais que um duplicado do cartão do cidadão, define-nos como Portugueses no mundo; abre-nos as portas de todos os países que constituem este planeta. Todos os portugueses têm um cartão de cidadão, mas nem todos têm um passaporte; analogamente todos os registados no livro do baptismo são cristãos, mas nem todos são missionários.

“Todo cristão é missionário” dizia-se aqui há uns tempos, e teoricamente é verdade mas na pratica não é assim; há cristãos que o são de portas para dentro, são cristãos evidentemente, tal como uma vela não precisa de estar acesa para ser vela, mas não são missionários, ou seja são velas apagadas. Como todos os talentos, a fé cresce quando se partilha e decresce quando não se partilha; ou se apega ou se apaga; o cristão que não é missionário, que não partilha a sua fé, tarde ou cedo, como todo talento que não se exercita, perde o que não dá deixando de ser cristão.

O missionário é aquele que para além do cartão do cidadão, que o define para dentro do país, tem também um passaporte, que o define para fora do país e o capacita para responder à chamada de Cristo, de deixar a sua terra e os seus, e ir pelo mundo inteiro anunciando a Boa Nova. O cristão é membro da Igreja, o missionário é membro do Reino de Deus, que é o objectivo da missão. Cristo fundou a Igreja para alastrar o Reino de Deus no mundo, e não para ser um castelo, no meio de um mundo sem Deus como Rei.

A Alegria de ser missionário
Os setenta e dois discípulos voltaram cheios de alegria, dizendo: «Senhor, até os demónios se sujeitaram a nós, em teu nome!» Disse-lhes Ele: (…) não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem; alegrai-vos, antes, por estarem os vossos nomes escritos no Céu.» Lc. 10, 17,18,20

Como cristãos os nossos nomes estão escritos no livro da paróquia; se queremos que estejam também escritos no céu temos que ser mais que isso, temos que ser missionários. Nem todo cristão é missionário, como nem todo discípulo é apóstolo. Cristo chamou os doze como discípulos e enviou-os como apóstolos, é como apóstolos, que têm os nomes escrito no céu, e não como discípulos.

A salvação é para todos, salvamo-nos na medida em que contribuímos para que outros se salvem; da mesma maneira que só somos felizes quando contribuímos para a felicidade dos outros. A Missão é coisa de todos os cristãos; Cristo disse estas coisas não no contexto da missão dos 12, mas sim no contexto da missão dos 72, que significa os membros do sinédrio, que eram os  representantes do povo judeu. Analogamente todo povo cristão está chamado a ser missionário, de longe ou de perto.
Pe. Jorge Amaro, IMC