15 de dezembro de 2013

O Embuçado

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(…) E nesse salão dourado / de ambiente nobre e sério / para ouvir cantar o fado / ia sempre um embuçado / personagem de mistério

Mas certa noite houve alguém / que lhe disse erguendo a fala: / -"Embuçado, nota bem, / que hoje não fique ninguém / embuçado nesta sala!"

E ante a admiração geral / descobriu-se o embuçado / era el-rei de Portugal, / houve beija-mão real / e depois cantou-se o fado. / João Ferreira Rosa, O Embuçado

A vida numa gaiola de ouro
A curiosa história, à qual alude este fado clássico, pode não ter nunca acontecido em Portugal, mas nada impede que possa ter acontecido, e voltar a acontecer, em qualquer tempo ou lugar. Isto porque coloca em evidência uma verdade incontornável; dizem que os poderosos em geral: reis, imperadores, presidentes ou papas, são as pessoas mais bem informadas, e de certa forma é verdade, mas também o contrário pode acontecer. A informação que lhes chega não é nem de primeira, nem de segunda, nem de terceira mão; frequentemente a notícia passou por várias pessoas e, como “quem conta um conto acrescenta um ponto”, já chega ao destinatário demasiado filtrada e/ou carregada de conotações e interpretações, que a colocam cada vez mais longe da verdade e da realidade; por vezes, a informação, pode mesmo não chegar ao destinatário porque foi retida por alguém, que segundo o seu critério, a achou irrelevante

Muitas vezes os círculos concêntricos de pessoas, que rodeiam um governante ou qualquer pessoa importante, são autênticas muralhas, que a impedem de ter uma visão clara e objectiva do mundo que a rodeia e dos problemas que é chamada a resolver. A título de anedota: alguém definia segredo pontifício como sendo aquilo que todos sabem, menos o papa. Frequentemente aqueles, considerados poderosos, vivem numa gaiola de ouro e têm menos liberdade que nós… Um dos que tradicionalmente vive em Gaiola de ouro, com liberdade de movimentos bastante reduzida, é a figura do Papa. Contrariando este facto e em linha com o Embuçado, a guarda suíça, encarregada da segurança do papa,  confirma que o papa Francisco" já se aventurou à noite, vestido como um padre normal, para se encontrar com os sem-abrigo de Roma."

Mediadores
Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por meio de quem fez o mundo. Este Filho, que é resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância. Hebreus 1, 1-3

Durante muito tempo, “isolado” no céu, também Deus tinha o seu círculo de intermediários e mensageiros, que toldavam as mensagens de Deus, ao seu povo, com a sua personalidade, preconceitos e ideias próprias, pelo que Deus se encontrava impossibilitado de comunicar-se plenamente com a humanidade. Com efeito,  “Traductor, tradictor” diz um proverbio latino; um tradutor ou intérprete é sempre um traidor, pois no acto da tradução deixa trespassar a sua idiossincrasia.

No Natal o invisível faz-se visível
A Bíblia diz-nos que Deus é espírito. O Espírito é imaterial e portanto é invisível e incomensurável aos nossos sentidos. Nós somos seres espácio-temporais, Deus vive na eternidade, um Reino completamente diferente do nosso. Não vemos as ondas da rádio, da TV e do telemóvel, e precisamos de dispositivos adequados para as captar; como Deus é espírito, só o nosso espírito está preparado para o captar.

Sendo de condição divina, (…) esvaziou-se a si mesmo, (…) tornando-se semelhante aos homens. Filipenses 2,6-7. Num determinado momento da história da humanidade, decidiu Deus despir-se da sua divindade e vestir-se, ou disfarçar-se, de ser humano. “Cansado” de mandar recados, decidiu, Ele mesmo, visitar e viver no meio de nós. Desde dentro da nossa natureza humana, totalmente assumida por Ele, mostrou-nos pela sua palavra, o seu comportamento e a sua acção como é, e deve viver, o homem.

Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. João 1,11. Jesus, Deus feito homem, nasceu em Belém numa manjedoura, cresceu e foi educado humildemente numa aldeia de periferia, Nazaré, foi aprendiz de carpinteiro e dotado de uma aparência física sem relevância. De acordo com a nossa expectativa natural, Deus deveria ter vindo em glória e cheio de poder, com milhares de anjos, flanqueando-o em ambos os lados. A voz dele deveria ter sido como um trovão. O Seu rosto deveria ter sido brilhante como o sol.

Eis porque foi difícil reconhecê-lo como Deus para as pessoas daquele tempo; eles não entendiam que Deus tinha que vir de forma humilde, para ser nosso amigo e nosso irmão, para nos falar de tu a tu, desde dentro da nossa natureza e condição humana. Como naturalmente o esperaríamos, um dia ele virá pela segunda vez, em plena glória como o rei dos reis, para julgar e fechar a história humana da qual Ele é Alfa e Omega.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de dezembro de 2013

Advento, Tempo de Esperança

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(…) O monte do templo do Senhor estará firme, será o mais alto de todos, e dominará sobre as colinas. Acorrerão a ele todas as gentes, virão muitos povos e dirão: «Vinde, subamos à montanha do Senhor, à casa do Deus de Jacob. Ele nos ensinará os seus caminhos, e nós andaremos pelas suas veredas; (…) dará as suas leis a muitos povos, os quais transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices. Uma nação não levantará a espada contra outra, e não se adestrarão mais para a guerra. Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor.» Isaías 2,1-5

Para nós os cristãos o ano começa com o Advento. O optimismo e a esperança são os melhores companheiros de viagem, neste novo ano que começamos a percorrer meditando à volta do mistério de Cristo o único caminho, verdade e vida.

Inspirador, guru, mestre e guia, para este tempo, é o profeta Isaías consagrado "ex libris" do Advento. Ele nos faz sonhar com um mundo melhor, onde os instrumentos de guerra se transformam em instrumentos de paz; onde naturais inimigos, como o lobo e o cordeiro, se fazem amigos.

“Será o mais alto de todos” - É Deus a montanha mais alta na tua vida? O que é prioritário para ti? Amas a Deus com todo o teu coração, como todo o teu entendimento? Amas a Deus mais que tudo e todos: a família, os amigos o poder, a fama, a honra, a riqueza, o prazer? Se alguma destas realidades é prioritária na tua vida, vais estar sempre em conflito e rivalidade com os que também têm essa realidade como prioritária. Exemplo disto é a inveja que o rei Saul sentia ante a crescente fama de David.

Os que têm o poder, a riqueza, a fama, e o prazer, como principal objetivo na sua vida, não estão dispostos a partilhar nenhum destes bens pois vivem na crença de que nunca têm o suficiente. Os que dão cultos a estes bens isolam-se e vem os outros como potenciais inimigos e rivais. São muitos cães a um osso; o destituído de poder, fama e riqueza inveja quem o tem e tudo faz para o obter; o que tem poder fama e riqueza olha para os outros como ameaça constante.

Se em vez destes ídolos escolhes a primazia de Deus que é Pai e criador de tudo e de todos, descobres que os outros não são rivais, mas irmãos, com os quais tudo se pode partilhar. De facto, as coisas foram feitas para serem usadas, as pessoas para serem amadas. Vive ao contrário da ordem natural quem usa as pessoas e amam as coisas.

Quando todos amam a Deus sobre todas as coisas extingue-se a rivalidade e inimizade entre os homens pois há Deus suficiente para todos. Porque é que ninguém tem inveja de um santo? Porque todos o podem ser, a santidade está acessível a todos; a santidade de um não nega nem rivaliza com a santidade do outro.

“Acorrerão a ele todas as gentes” - Todas as tuas gentes correm para Jerusalém? Amas a Deus como todo o teu ser ou és uma pessoa dividida porque algumas instâncias da tua personalidade e carácter não se te submetem? És livre e senhor do teu nariz, ou dependes de pessoas, de hábitos, de substâncias que exercem poder e controle sobre ti?

“Subamos à montanha do Senhor” – A colina do Templo domina toda a cidade de Jerusalém. Ir a Jerusalém equivale hoje a ir à Igreja frequentar os sacramentos. Os sacramentos instituídos por Cristo, e a sua prática pelos fiéis, já provaram ao longo e largo de 2000 anos que são imprescindíveis para a vida cristã. Se deixaste de ir à Igreja onde vais agora? Ao futebol? Às grandes superfícies comerciais?

“Ele nos ensinará os seus caminhos” – Se já não lês nem escutas a bíblia, nem fazes comunidade com os outros cristãos, nem escutas os conselhos da Igreja, quem é o teu mestre ou guru? Onde encontras guia e ajuda para víveres com sentido a tua vida? Na TV que no seu horário mais nobre apresenta os programas mais ignóbeis? A fome do espirito é bem mais penosa que a fome do corpo.

“E nós andaremos pelas suas veredas” - Como podes andar nos seus caminhos se não os conheces? Se não tens nenhum contacto com Deus, nem com a comunidade cristã, nem com a Palavra de Deus como podes andar pelas suas veredas. “Quem de Deus se não lembra todo o bem lhe falta” diz o povo

“Transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices” – “homo homini lupus”, somos seres violentos por natureza, mas podemos transformar as nossas armas de guerra, espada e lanças, em armas de paz, arados e foices. Lester Pearson, primeiro ministro do Canada, dizia: “preparamos a guerra como gigantes precoces e a paz como pigmeus retardados”. De facto, parece que estamos mais motivados e somos mais criativos ao preparar a guerra que a preparar a paz.

O microondas, o GPS, a energia atómica, são alguns dos muitos inventos e artefactos que nasceram para a guerra e que só muito depois se lhes encontrou uma aplicação pacífica. Se alguém nos pode ajudar a redireccionar a nossa personalidade básica esse é São Paulo, ao anunciar por todo o lado Cristo, e o seu Evangelho, com a mesma veemência e convicção com que outrora denunciava e perseguia os seguidores de Cristo e do seu Evangelho.
Pe. Jorge Amaro. IMC

16 de novembro de 2013

Missão até aos confins do Tempo

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Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, (…) E sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos.» Mateus 28, 19-20

(…) Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra? Lucas 18, 8b

O mandato missionário de Cristo dá-se quando Ele, antes de subir ao céu, deu por cumprida a Sua Missão como enviado do Pai. Assim começou a Missão “Ad Gentes”, ou a missão do espaço, pois Cristo mandou os seus discípulos por todo o mundo.

Mas como seres espácio-temporais que somos, a Missão tem também uma dimensão temporal e histórica, “Intra Gentes”, que consiste em passar o evangelho de geração em geração até aos confins dos tempos. Em suma: Missão Ad Gentes” até aos confins do Mundo, Missão “Intra Gentes” até aos confins dos Tempos.

Recapitulação do dito anteriormente
O testemunho de cristãos autênticos suscita a fé dos que o presenciam; os que ousam fazer a opção da fé chegarão, pela experiência de Deus, à plena convicção de que não acreditaram em vão; esta experiência, ou seja o encontro pessoal com Cristo e o estabelecimento de uma relação amorosa e íntima com Ele, leva à salvação, por outras palavras, à saúde da alma e do corpo, à conversão, à mudança de vida.

Por fim, este novo cristão começa ele mesmo a ser testemunho da salvação que Deus actuou na sua vida, podendo também ele suscitar a fé em quantos entram em contacto como ele. É neste sentido que nós, os missionários, sempre insistimos que todo cristão autentico ou é missionário, ou não é cristão. Começámos pelo testemunho, e regressamos ao testemunho como principio do processo que leva - à opção da fé - à experiência de Deus  - à mudança de vida, e  - à missão que não é outra coisa que entoar como Maria, o nosso Magnificat pessoal ou seja, dar testemunho das maravilhas que o Senhor operou em mim.

Missão “Intra Gentes”
Quando desde Jerusalém os discípulos começaram a pôr em prática o mandato que receberam do Senhor, foram surgindo convertidos por toda a parte. Esses novos cristãos eram convidados a agruparem-se em pequenas comunidades. São Paulo foi o fundador de muitas delas, a dos Coríntios, a de Éfeso, Tessalonica etc.

Enquanto São Paulo e os outros apóstolos continuavam a sua faina de “pescadores de homens”, nome que o próprio Senhor tinha dado aos seus apóstolos, alguém tinha que cuidar dessas pequenas comunidades recém constituídas. Nasceram assim os primeiros pastores cuidadores do rebanho das ovelhas do Senhor. Tito, Timóteo e Filémon, são alguns desses colaboradores a quem o Apostolo, confia as comunidades por ele constituídas. 

Portanto já nos tempos apostólicos como consequência lógica da missão “Ad Gentes” – a de levar o evangelho a todo o mundo – nasceu a missão “intra gentes” ou seja a que decorre no seio de um povo e que consta de fazer passar o evangelho de geração em geração até aos confins dos tempos. Podemos concluir então que a Missão “Ad Gentes” é a missão dos pescadores enquanto que a missão “Intra Gentes” é a missão dos pastores.

A missão “intra gentes”, como todo Estado Social, assenta no valor ético da solidariedade entre gerações: os que agora trabalham descontam uma percentagem do seu salário para que os seus pais, a geração anterior, possam usufruir de uma pensão de reforma. No Estado social a solidariedade é para com a geração anterior; na missão “Intra Gentes” é para com a geração posterior. Como toda educação também a cristã é aérea, quando os pais vivem o seu cristianismo autenticamente, suscitam a fé e a mesma vivência nos seus filhos.

Com tudo o que tem feito pelo progresso espiritual e material dos povos, a missão Ad Gentes foi por alguns chamada “a cara lavada da Igreja”. Assolada por escândalos e desistências a missão “Intra Gentes” parece ter uma cara menos apresentável. O evangelho parece estar a progredir na vanguarda e regredir na retaguarda.

No mundo ocidental, durante a idade antiga e média, passar o evangelho de geração em geração, foi tarefa relativamente fácil; desde o Renascimento o redil tem vindo a perder ovelhas; a tentativa do Vaticano II, em adaptar a Igreja ao mundo moderno, não inverteu esta tendência; hoje o problema é alarmante. Prova disto é a preocupação constante dos papas, desde Paulo VI que proclamou o primeiro ano da fé; João Paulo II, que lançou a nova Evangelização, e Bento XVI, que proclama pela segunda vez na Igreja um ano da fé.

“A fé ou se apega ou se apaga”
Não rogo só por eles, mas também por aqueles que hão-de crer em mim, por meio da sua palavra, João 17, 20. Na sua oração sacerdotal Cristo pensou em todos os que, de geração em geração iriam receber a Boa Nova. A nossa fé em Cristo é apostólica porque desde os apóstolos tem vindo a passar de geração em geração, como o testemunho na corrida de estafetas passa de atleta para atleta.

Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos. Podemos dar por descontado que Cristo estará sempre connosco mas estaremos nós sempre com ele?

Quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra? É um enigma e uma possibilidade; os pais, os catequistas, os professores, os pastores e educadores em geral não estão a conseguir passar a fé para as gerações vindouras, que são cada vez mais descrentes. Uma fé enfraquecida de geração em geração pode acabar por desaparecer da história da humanidade, sendo possível que quando Cristo vier pela segunda vez, para julgar os vivos e os mortos, não encontre fé na terra.

Quando o sinal de rádio ou TV chega fraco a um sítio é preciso erguer uma torre de antena para fortalecer o sinal. Como alguém disse, “A fé ou se apega ou se apaga”. A passagem de Cristo, de geração em geração, tem a equivalência da ressurreição de Cristo para essa geração e para as gerações seguintes; a não passagem equivale à sua morte tanto para a geração presente como para as futuras.

Cristo vai ressuscitando, de uma geração para a seguinte, ou morrendo de geração em geração. Se a tendência actual continua, um dia, a morte histórica de Cristo pode transformar-se na morte de Cristo na História. Para não seremos parte do problema, sejamos parte da solução; ou seja, nesta corrida de estafetas, ou corrente de transmissão da fé, não sejamos nós, o elo mais fraco. Estamos sempre em tempo de Missão pois ela só termina quando Cristo for tudo em todos. 1ª Coríntios 15,28
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de novembro de 2013

Missão até aos confins do Mundo

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Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. Marcos 16, 15

Cristo não veio ao mundo para salvar só os que viveram no seu país, durante os 33 anos da sua vida terrestre. Era consciente de ser, na Sua pessoa, a salvação da humanidade, tanto para os que viviam durante a Sua existência no mundo, como para os que viveram antes Dele, assim como para os que viveriam depois Dele.

Tal como a pedra, que lançada no meio de um lago, provoca ondas em forma de círculos concêntricos, que desde o centro se vão alargando em direcção à periferia até aos confins do lago, assim Cristo surgindo no meio da história da humanidade, estende a sua acção salvífica até aos confins da Terra e aos confins do tempo.

A Igreja é Cristo aqui e agora
Como somos seres espácio-temporais, ou seja, ocupamos um espaço durante um tempo, Cristo fundou a Igreja para que continuasse a sua Missão em todo o tempo e em todo o lugar. A Igreja, como corpo místico de Cristo, representa Cristo em todos os “aquis” e “agoras” da história da humanidade. 

Todo cristão é missionário, como toda a semente tem a vocação de ser fruto, como todo homem a vocação de ser pai, e toda a mulher de ser mãe. Um copo só prova que está cheio quando derrama algum do líquido que contém; “A boca fala da abundancia do coração”, um cristão por inteiro não pode não anunciar por obras e por palavras o que o anima. A vizinha que se sentiu curada por este chá, ou aquela mezinha, não pára de exortar as suas companheiras para que experimentem também elas.

Tudo na vida, incluindo a vida em si mesma, é um dom. Os dons, só se têm quando se dão e perdem-se quando não se partilham e exercitam. Como o dom de cantar, o dom de pintar, de escrever, jogar futebol aumentam quando exercitados e partilhados, assim o dom da fé. Aquele que não exercita os seus dons, como sugere a parábola dos talentos, perde o pouco que tem.

Pela Missão “Ad Gentes” a Igreja está chamada a sair de si mesma, a deixar a zona de conforto de passivamente pastorear as 99 e partir, como pescador ou caçador, em busca da ovelha perdida, enfrentando os perigos e os riscos de ir como cordeiro para um mundo de lobos.

Motivam e inspiram os missionários, de todos os tempos, o zelo do grande apóstolo Paulo que tinha como objectivo levar o evangelho até aos confins do mundo do seu tempo, a Espanha, e o zelo de São Francisco Xavier, que levou o evangelho até ao fim das suas forças às portas da China, onde faleceu.

Ásia, nova fronteira da Missão
Passaram dois mil anos depois de Cristo nos ter enviado pelo mundo inteiro, a anunciar o evangelho a toda a criatura; e se bem que evangelizamos a Africa e a América, a maior parte das pessoas da Ásia, o continente mais extenso deste planeta, ainda não foi exposta à luz de Cristo. Estamos longe de poder dizer missão cumprida, pelo que, mãos à obra, não podemos cruzar os braços.

Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; (…) com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei (…) com os que vivem sem a Lei, fiz-me como um sem Lei (…) para ganhar os que vivem sem a Lei. (…) Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. E tudo faço por causa do Evangelho. 1.ª Coríntios 9, 20-23

Na Ásia, especialmente no Japão e na China, mas também na Índia a Igreja não soube imitar o grande apostolo Paulo, que conseguiu purgar o Cristianismo do judaísmo fazendo-o mais credível para os gentios do seu tempo.

O Jesuíta Mateo Ricci foi um verdadeiro seguidor de São Paulo no seu esforço de purgar o Evangelho da cultura ocidental para o versar na cultura chinesa. Mas como outrora, no tempo de São Paulo, os fundamentalistas da comunidade de Jerusalém tentaram obstaculizar o seu esforço de inculturação do evangelho na cultura greco-romana, mas não foram bem-sucedidos, os de Roma no tempo de Mateo Ricci fizeram o mesmo e por desgraça, foram bem-sucedidos.

Eis aqui o nosso calcanhar de Aquiles. Foi fácil a Missão na América, porque ante uma cultura primitiva, um pouco pela espada, outro pouco pela cruz, o evangelho foi mais imposto que proposto. Na Africa, a Missão triunfou porque ia de mãos dadas com o progresso material: escolas, clínicas, luta contra a fome etc… nos tempos da fome na Etiópia, a Igreja Ortodoxa Copta chegou a acusar-nos de comprarmos prosélitos com farinha.

Na Ásia embatemos contra uma cultura diferente, em nada inferior à nossa, e não tivemos nem a valentia de São Paulo, para inculturar o cristianismo no mundo pagão do seu tempo, nem a sabedoria dos padres da Igreja, para inculturar o cristianismo na cultura superior greco-romana que reinava na Europa do tempo.

Ainda estamos a tempo de fazer da Igreja mais universal, quanto à diversidade de culturas, e não esperar que o mundo se vá ocidentalizando cada vez mais.

Como dizia o maior teólogo do século passado, Karl Rahner, Deus na sua infinita misericórdia salvará todos aqueles que, sem culpa própria, não tiveram a oportunidade de conhecer a Cristo e o seu evangelho; mas salvar-nos-emos nós, que tínhamos o dever de lho anunciar?
Pe. Jorge Amaro, IMC


15 de outubro de 2013

O "Bypass" da Fé

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Avô nosso que estais nos Céus, santificado seja o vosso nome…

Há pequenas comunidades cristãs que o missionário só pode visitar de tempos a tempos. Numa dessas visitas, um sacerdote missionário encontrou um catequista que ensinava às crianças uma versão insólita do Pai Nosso. Deus não era invocado como Pai mas sim como Avô.

Aquele catequista estava simplesmente a fazer o que todo o bom catequista deve fazer; partir da realidade existencial de cada pessoa para lhe poder anunciar a Palavra de Deus, de uma forma que a entenda e se adeqúe à sua realidade. O conceito de Pai não era compreensível por crianças que estavam a ser criadas pelos seus avós, porque os seus pais tinham morrido vítimas da Sida. 

O problema da Sida é gravíssimo em Africa; dos 35 milhões de pessoas infectadas com esta doença, 25 vivem em Africa. “Al perro flaco todo son pulgas” diz um proverbio castelhano. Era o que faltava à Africa, já dizimada por tantas outras doenças devido ao nível de subdesenvolvimento em que ainda se encontra.

O testemunho que recebemos dos nossos pais não está a passar para os nossos filhos porque a fé, da presente geração de pais, parece estar a ser afectada pelo equivalente à doença da Sida. Os pais transmitem a vida aos seus filhos, mas não lhes transmitem a fé sem a qual a vida não tem sentido.

A fé é para a vida o que o sistema operativo é para um computador; sem ele nada no computador funciona pois é a base sobre a qual funcionam todos os programas. É triste existir sem saber porque se existe e para que se existe; estudar para ter uma profissão, para trabalhar, para comer e para divertir-se é muito pobre; a vida humana é mais que isto e não é por isto que somos radicalmente diferentes das outras espécies de seres vivos.

O natural seria, como noutro tempo, que os pais transmitissem a fé que receberam aos seus filhos; que depois de mamã e papá, Jesus fosse a terceira palavra que os miúdos aprendessem; e que o colo, fosse o primeiro banco da Igreja e a primeira catequese. Mas não é assim, os pais de hoje se acaso baptizam os seus filhos é por tradição ou superstição; se os mandam à catequese é para que façam a primeira comunhão, que também é uma tradição e o equivalente aos ritos de passagem noutras culturas.

Toda esta endoutrinação é vista como uma seca tanto por pais como por filhos; nem uns nem outros chegam a ter nunca uma relação pessoal com Cristo, pelo que uns e outros olham para a religião com ignorância e preconceito; desde o seu simplismo concluem que não serve para nada na vida do dia-a-dia.

Onde falham os pais podem ser bem-sucedidos os avós. Quando uma artéria se encontra obstruída, e a passagem normal do sangue é impedida, faz-se um bypass. A mesma coisa pode acontecer na passagem da fé de geração em geração; quando os progenitores abandonam a fé que receberam dos seus pais, não a transmitindo aos seus filhos, os avós podem assumir esta tarefa e chegar aos seus netos. Muitos já fazem precisamente isto nas horas que passam com os seus netos, pois sabem que a fé é tão vital para a criança como o sangue que lhe corre nas veias.

A criança tem só dois pais mas tem quatro avós; seria triste que nenhum dos quatro assumisse este compromisso do "bypass" da fé para os seus netos.
Pe. Jorge Amaro, IMC

1 de outubro de 2013

Falhas na transmissão da Fé

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Obama, jurou o seu cargo sobre a Bíblia
A transmissão da fé cristã, de geração em geração desde os Apóstolos, tem vindo a enfraquecer; o rebanho de Cristo diminuiu drasticamente; hoje são mais as ovelhas perdidas que as que continuam no redil. O que estará a acontecer? Inúmeras podem ser as causas, enumero algumas na esperança de que os leitores, destas linhas, possam descobrir outras.

Transmite-se uma doutrina, não uma relação pessoal com Cristo – O cristianismo não é uma doutrina, uma ideologia, nem sequer uma filosofia de vida. O cristianismo é sobretudo, e acima de tudo, uma relação pessoal, íntima e amorosa com Cristo. São poucos os educadores da fé (Clérigos, pais, catequistas e professores) que a têm; e como ninguém dá o que não tem, o que transmitem estes educadores da fé, às gerações vindoiras, é uma doutrina e uns preceitos que em grande medida a cultura ocidental já assimilou ao longo dos séculos.

Por isso, sobram os cristãos que o são desde um ponto de vista sociológico, cultural ou de cosmovisão e faltam os cristãos que põem em prática a sua fé, esforçando-se por ser como Cristo no seu dia-a-dia; faltam os cristãos que celebram a sua fé em comunidade; faltam os cristãos éticos que são pessoas de bem e se debatem por um mundo melhor às vezes com o risco da própria vida.

Falta de pedagogia – O homem pós-moderno, sobretudo o jovem, fez de si próprio medida de todas as coisas. Não há verdades objectivas, universais e eternas; só é verdade, só tem valor e é normativo, o que ele descobre por si mesmo, não o que lhe vem imposto desde fora por quem quer que seja.

Ante esta realidade impõe-se não uma “nova evangelização”, como propunha João Paulo II, mas sim uma “evangelização nova”, como propunha o Cardial Martini. A solução não é evangelizar de novo, mas sim evangelizar de outra forma.

É certo que Cristo continua a ser o único caminho, verdade e vida, não havendo uma alternativa igualmente valida e viável para viver a vida humana em plenitude e com sentido. Só que agora, para que esta verdade seja operativa, o homem pós-moderno tem que a descobrir, ele mesmo, no interior do seu ser.

Algo de semelhante se passa na psicoterapia. As descobertas que o psicoterapeuta faz e declara ao cliente a modo de diagnóstico, não só não têm nenhum valor para o dito cliente como podem até ser contraproducentes. O que verdadeiramente tem valor terapêutico, e pode ser o princípio de uma transformação interior, é o que o cliente descobre de si mesmo e por si mesmo com a ajuda do psicoterapeuta.

É com base neste princípio que operam duas grandes correntes de psicoterapia, a não directiva de Carl Rogers e a Guestaltica de Fritz Perls, assim como as teorias de intervenção social de Paulo Freire.

O que fazem estes autores é adaptar a velha maiêutica de Sócrates; a arte de ajudar a dar à luz. A verdade ou já está dentro de nós ou temos capacidade para a descobrir. Jesus de Nazaré usou este mesmo método na sua forma de evangelizar. Dialogava com os seus interlocutores e por meio de parábolas que revelavam a verdade da vida do dia-a-dia que eles conheciam, interpelava-os, exortava-os e ajudava-os a descobrir verdades eternas que desconheciam:
  • «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» Mateus, 17,25
  • Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?» Lucas 10, 36
  • «Um prestamista tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou aos dois. Qual deles o amará mais?» Lucas 7,41-42
  • O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda, fermento, tesouro escondido num campo, negociante de pérolas, uma rede lançada ao mar, um proprietário que saiu ao romper da manhã, 10 virgens…

  Faltam ícones ou de pontos de referência – Os Ícones são imagens ou pessoas que nos fazem recordar as verdades da nossa fé; quando olhamos para eles, e os contemplamos, somos magicamente transportados do presente imediato para o eterno de Deus; de uma forma genérica, ícone é tudo o que nos invoca algo para além de si mesmo; os ícones são assim ponto de referencia da nossa fé, recordatórios e contínuos convites a encarnar a nossa fé no aqui e agora da nossa historia pessoal. Enfim são são da terra e luz do mundo, sem eles andamos todos mais perdidos e não encontram ajuda os homens de pouca fé. Vejamos alguns exemplos:
  • Alguns sacerdotes, religiosas e religiosos, sem nenhum signo exterior que os identifique, optam por andar camuflados;
  • Crucifixos e imagens foram retirados de lugares públicos e das paredes dos nossos lares
  • Os célebres, políticos, cientistas, famosos das artes e do desporto declaram-se agnósticos, como se essa fosse agora a moda, e se por ventura são religiosos entendem que a fé pertence ao domínio privado;
  • Em vez de jurar o cargo sobre a constituição, muitos presidentes dos Estados Unidos juram-no sobre a bíblia, e não começam nem terminam um discurso sem invocar a Deus, os políticos europeus, quando religiosos, têm vergonha ou medo de se assumirem como cristãos, temem perder os votos dos agnósticos talvez.
  • O primeiro banco da Igreja era o colo dos pais e Jesus era a terceira palavra que um bebé aprendia depois de papa e mamã…
Ciência e a técnica como nova religião – Um crescente número de pessoas, substituíram a fé na omnipotência de Deus pela fé na pseudo omnipotência da ciência e da técnica. A ciência e a técnica são de facto importantes, pois solucionam inúmeros problemas e fazem a nossa vida mais confortável; a ciência e a técnica dizem-nos ou respondem-nos ao “como”, Mas nunca nos dirão o “porque” nem o “para que”.

O agnóstico dirá que a ninguém importa saber o “porque” e "para que"; É verdade, como dizem os ateus, que o homem é o momento em que a natureza tomou consciência de si mesma. Precisamente desde esse momento o ser humano busca sentido para o seu viver. Todo individuo no momento em que toma consciência de que existe, à volta dos 6 ou 7 anos de idade se pergunta de onde vem a onde vai e que sentido tem a vida; só os animais, o não fazem porque não têm consciência de que existem.

Pe. Jorge Amaro, IMC

15 de setembro de 2013

Da vida à Missão

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O que existia desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, (…) isso vos anunciamos. 1ª João 4, 1, 3b

A fé leva à experiência de Cristo; a experiência de Cristo ressuscitado leva a uma vida nova pois reconfigura, inspira, guia e dá sentido ao nosso viver. Esta maneira nova de viver em Cristo é já “per se” evangelizadora. Missão, portanto, não é fundamentalmente, pregar a Palavra de Deus e ser caritativo para com o próximo, especialmente os mais desfavorecidos, isso vem depois; missão é primordialmente dar testemunho da relação íntima, pessoal e amorosa que temos com Cristo, que nos trouxe saúde ao corpo e à alma e sentido ao nosso viver.

Encontrar a Cristo na nossa vida é como aquele que tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola. Mateus 13, 46. É como um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo. Mateus 13, 44       

“Missionaria”, é aquela vizinha, que experimentou este ou aquele chá, esta ou aquela mezinha ou medicamento e que ao ver-se curada não se cansa de anunciar, aos quatros ventos, o milagre que o medicamento em questão operou nela. Aqueles que a ouvem, movidos pelo seu testemunho, acreditam e a sua fé compele-os a experimentar por si próprios; se essa experiencia se dá, com a consequente transformação da vida, o processo começa de novo.

A minha alma glorifica o Senhor. Meu espirito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva. Doravante todas as gerações me proclamarão Bem-aventurada.
Porque o Todo-poderoso fez em mim maravilhas. Santo é o seu nome. Lucas 1,46-55

Ser missionário é, tal como Maria, entoar o Magnificat das maravilhas que o Senhor operou na nossa vida, de como a reprogramou, reorientou e lhe deu um objectivo. O Magnificat de Maria, como o de qualquer pessoa que experimentou a presença de Deus actuante na sua vida, é uma explosão de alegria; é um “non plus ultra”, o constatar que Deus nos enche as medidas; que “Nele vivemos, nos movemos, e existimos” Actos 17, 28

O missionário, portanto, não é primeiramente aquele que anuncia o evangelho, o que catequiza, o que fala “objectivamente” de Jesus, da sua história, vida e milagres; isso seria proselitismo não missão. O missionário não fala “objectivamente” de Cristo mas subjectivamente pois é desde a sua experiencia e vivência de Cristo que anuncia o “Kerigma”, ou seja, o evangelho.

Speak the gospel at all times and if it is necessary use words. Viver a vida como cristãos autênticos já é missão, por isso Jesus chamou aos apóstolos luz e sal do mundo; o sal e a luz não falam, operam no silêncio. As obras substituem as palavras, as palavras não substituem as obras e são ocas, e sem poder de convicção, se não são reforçadas pelas obras. Jesus falava com autoridade porque havia completa correspondência entre o que dizia, o que era e o que fazia.

A modo de conclusão, poderíamos dizer que o anuncio missionário é feito em três etapas: 
  1. Começa com o testemunho silencioso da nossa vida; o nosso “modus vivendi”; de como somos sal da terra e luz do mundo; a nossa forma de ser e estar no mundo, o comportamento do dia-a-dia, as obras e o nosso compromisso social sobretudo com os mais desfavorecidos;
  2. Continua na entoação do nosso magnificat, das maravilhas que o Senhor operou na nossa vida: Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, éramos como os que estão sonhando. Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cânticos. Então se dizia entre as nações: Grandes coisas fez o Senhor por eles. Sim, grandes coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres. Salmo 126,1-3
  3. E desemboca na evangelização, ou seja, o anúncio sistemático da vida e obra de Jesus e evangelho do Reino.
    O encontro com Jesus, à beira do poço de Jacob, transformou e salvou a vida da samaritana. (João 4, 5-42). Esta, mesmo sem ter sido enviada, sentiu o desejo irresistível de partilhar a sua experiencia de Cristo com os habitantes da sua aldeia. Estes, movidos pelo entusiasmo da Samaritana, acreditaram e vieram eles mesmos encontrar-se com Jesus.

    A Palavra sábia, que emana do intelecto e da erudição, pode ou não gerar vida; mas a palavra testemunho, que brota da experiência vivida, gera sempre vida.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    2 de setembro de 2013

    Da Experiência à Vida

    1 comentário:

    -    Ouvi dizer que te converteste a Cristo, pelo que deves saber muito sobre ele; em que país nasceu?
    -    Não sei
    -    Com que idade morreu?
    -    Também não sei
    -    Deves saber pelo menos quantos sermões pregou?
    -    Hum… pois também não sei
    -    Pareces saber muito pouco para um homem que se diz convertido a Cristo.
    -    É verdade e eu mesmo me envergonho de saber tão pouco. Mas o que sei é que eu antes era viciado no álcool; estava com dividas até ao pescoço; a minha família estava despedaçada; a minha mulher e filhos temiam a hora em que voltava a casa a altas horas; não havia dinheiro para cadernos nem móveis. Depois de conhecer a Cristo deixei de beber, não tenho dívidas, o nosso lar é um lar feliz.
    -    Hum… e acreditas mesmo que ele transformou a agua e vinho?
    -    Não sei, não estava lá, mas o que sei é que na minha casa transformou vinho em móveis, cadernos e a miséria em felicidade.

    Um cão ou um gato sem dono estão em perigo de vida deambulam e abeiram-se de pessoas pedindo que os salvem. Se alguém se comove deles e lhes dá uma caricia ou alimento eles seguem essa pessoa para onde quer que ela vá. A mesma coisa acontece entre humanos apesar dos milhões de anos de evolução que nos separam destes animais. O cego de Jericó, a Samaritana, Zaqueo, Maria Madalena, são exemplos de pessoas perdidas na vida, sem pão, sem saúde e sem amor; ao encontrarem Jesus encontraram a salvação e deixando para trás a antiga vida, seguiram-no fazendo-se seus discípulos.

    Sempre me impressionou o facto de a maior parte dos santos, da Igreja Católica, serem pessoas que possuíam tudo, o que o mundo pode oferecer e que nós tanto procuramos: juventude, riqueza, nobreza, beleza, fama, poder. Se tudo isso deixaram, ao encontrar-se com Cristo, não deve ser porque eram estúpidos mas sim porque encontraram em Cristo algo melhor e maior.

    Na vida aprende-se mais dos erros que dos acertos; no entanto, e uma vez que a vida é curta e não há tempo para os cometer todos e retirar deles as devidas lições, porque não aprender com os erros dos outros? Neste sentido porque não aceitar o testemunho de tantos santos, e deixarmos de buscar o que eles tiveram e julgaram como porcaria, para nos agarramos a Cristo, único caminho verdade e vida?

    Bartimeu – O encontro com Jesus curou-o da sua cegueira; abriu-lhe os olhos e começou a ver a vida de outra forma, de um salto deixou para trás a vida prévia (simbolizada na capa) e seguiu Jesus. Marcos 10, 46-52

    Samaritana – Encontrando em Jesus a verdadeira água, abandonou no poço o cântaro, símbolo de uma vida feita de vaivéns, em busca de uma água que nunca chega a saciar.

    Paulo de Tarso – O encontro com Cristo inverteu a marcha da sua vida; a mesma energia que usou para combater Cristo, serviu depois para difundir a boa nova do Mestre por todo o mundo antigo.

    Francisco de Assis – Jovem e filho único de uma rica família burguesa que podia pagar todos os seus caprichos; encontrou Cristo e abandonou a riqueza material para se abraçar à riqueza espiritual.

    Nuno Alvares Pereira – Jovem, nobre, famoso herói de Aljubarrota, possuía meio Portugal e merecia, mais que o Mestre de Avis, ter sido rei de Portugal; abandonou tudo por uma riqueza maior, Cristo.

    Francisco de Borgia - Nobre da grande família dos Borgia servia com dedicação o Emperador da Europa Carlos V casado com a belíssima Isabel de Portugal filha mais velha de Dom Manuel I. Ao contemplar a jovem e bela imperatriz no seu leito de morte disse: "Nunca más, nunca más, servir a señor que se me pueda morir".

    Beatriz da Silva – Os ciúmes da rainha fizeram encerrar num cofre a bela e jovem Beatriz; ali se encontrou com Cristo, ao conseguir soltar-se disse adeus à corte e seguiu o seu mestre.

    Em todas estas vidas, há um antes de conhecer Cristo e um depois de o conhecer. Quem diz que se encontrou com Cristo e mantem com ele uma relação intima e pessoal mas não mudou de vida, anda enganado e iludido.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    1 de agosto de 2013

    Experiência - Sálus - Metanóia

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    Entrando em casa de Pedro, Jesus viu que a sogra dele jazia no leito com febre. Tocou-lhe na mão, e a febre deixou-a. E ela, levantando-se, pôs-se a servi-lo. Mateus 8, 14-15

    O testemunho qualificado de cristãos autênticos coloca-nos ante a opção da fé. Somente quando optamos por acreditar a que nos predispomos para ter uma experiência de Cristo, que nos dará a certeza de que a nossa fé não é vã (1 Cor 15, 17) e de que ele está vivo e actuante em nossas vidas.

    Experiência pessoal de Cristo
    Nunca deixou de me surpreender o facto de que Paulo, o maior divulgador da fé em Cristo, nos tempos apostólicos, não era tecnicamente um apóstolo, pois não era um dos doze; nem sequer poderia ter substituído a Judas, no colégio apostólico, como Matias pôde, porque não cumpria os requisitos: não era dos que acompanharam a Jesus, desde o Baptismo de João até à Ascensão (Actos 1,21-22).

    Apesar de ser contemporâneo de Jesus não o conheceu pessoalmente, por isso não poderia tecnicamente dizer, como os outros apóstolos, o que vimos e ouvimos e as nossas mãos tocaram isso vos anunciamos… (1ª João 1, 1-3) No entanto, Paulo, fala da sua experiência de Cristo com um realismo em nada inferior aos que viram, ouviram, tocaram (Gálatas 1, 11-19).

    Ele é só o primeiro de inúmeros outros que, ao longo de 2000 mil anos, em todos os continentes, em inúmeras línguas e no contexto das mais variadas culturas, tiveram de Cristo uma experiência pessoal tão real, que alterou radicalmente o seu viver a ponto de por Ele estar dispostos a dar a vida. Provam-no os milhares de mártires, que testemunharam com o seu sangue a sua experiência íntima pessoal e amorosa com Cristo. Por si só, este facto seria prova suficiente de que Jesus de Nazaré foi e é uma realidade, viveu, morreu, ressuscitou e está vivo. De não é verdade, nunca tantos se enganaram tanto.

    Salus
    Desde os bancos da catequese que sabemos que Cristo veio ao mundo para nos salvar, morreu e ressuscitou pela nossa salvação. Se perguntarmos, à maioria dos cristãos, o que significa ou em que consta a salvação, dir-nos-ão que é livrar-se do inferno e ir paras o Céu. “Salvação” é uma palavra tão gasta pelo uso que as pessoas já a ouvem sem lhes dizer nada.

    Em latim salvação é salus e salus não significa, primariamente, salvação mas sim saúde e também segurança e bem-estar em geral. Cristo, não é só a salvação para a segunda etapa da nossa vida, “o céu pode esperar”, é também a nossa saúde a do corpo e da alma, aqui e agora; a nossa segurança, a única verdadeira segurança num mundo sempre em constante mudança; é ainda o nosso bem-estar, a nossa alegria e felicidade.

    Jesus não estava preocupado só com a salvação da alma mas sim com a saúde em geral; por isso tanto curava os cegos, os coxos e os surdos-mudos, como perdoava os pecados e alimentava as multidões com pão e peixe; e, como vinho na bíblia tem muitas vezes o significado de alegria, também transformava as suas vidas, aguadas e tristes, em inebriantes de alegria.

    No evangelho todos os que se encontraram com Cristo, todos os que com Ele se relacionaram sentiram-se salvos, curados, alimentados, os seus pecados perdoados, e encontraram segurança alegria e bem-estar.

    Metanóia
    A sogra de Pedro, os coxos, os cegos, os surdos-mudos, os leprosos e endemoniados, encontraram a saúde física e psíquica; a pecadora que derramou lágrimas aos pés de Jesus, a mulher apanhada em adultério à espera de ser punida, Zaqueu, e o filho pródigo encontraram a saúde moral e espiritual; a samaritana foi liberta do seu obsessivo, e aditivo vai e vem ao poço, e encontrou a liberdade e autonomia de uma água que brota de dentro; os 5000 encontraram saciedade e os convivas de cana alegria, no bom vinho e no convívio, o bom ladrão na hora da morte encontrou a salvação eterna. Ontem, hoje e amanhã, ninguém se encontra com Cristo sem experimentar um cambio radical na sua vida.

    A palavra grega metanóia significa mudança de mente, mudar a forma de pensar, ou simplesmente mudar de ideias como diríamos coloquialmente. Como são as ideias e ideologias que inspiram o nosso comportamento do dia-a-dia mudar de ideias significa mudar de vida.

    Há uma terapia psicológica que se fundamenta nesta intuição: REBT (terapia, comportamental, emocional e racional); segundo esta teoria, quase todas as emoções e comportamentos resultam do que as pessoas pensam, acreditam e assumem como verdade acerca delas próprias, dos outros ou do mundo em geral; se estas crenças forem irracionais, os sentimentos e comportamentos serão inadequados. A função do terapeuta é confrontar essas crenças com a razão para as destruir.

    Confrontando a nossa forma de pensar com o evangelho, adquirimos a forma de pensar de Jesus e com o tempo começamos a actuar encarnar e incorporar o evangelho, com vistas a um dia poderemos dizer como São Paulo, “Já não ou eu que vivo é Cristo que vive em mim”. (Gálatas 2,20)
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    1 de julho de 2013

    Da Fé à Experiência de Deus

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    Porque acreditou que bastava tocar no seu manto, ficou curada
    À procura da sua identidade, um boneco de sal fez milhares de quilómetros até que se deparou com o mar. Fascinado com algo que nunca tinha visto perguntou:
    -    Quem és tu?
    -    Sou o mar, respondeu.
    -    Não entendo como posso conhecer-te?
    -    Aproxima-te toca-me. Assim que o boneco de sal pôs um pé na água logo ficou sem ele.
    -    Que fizeste mar cortaste-me o pé!
    -    Para me conheceres tens que te implicar, dar algo de ti. E quanto mais te deres mais me conheces e te conheces.
    O boneco de sal foi adentrando-se no mar até que uma onda o absorveu e ele apenas teve tempo de dizer o mar sou eu…

     (…) o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos tocaram relativamente ao Verbo da Vida, de facto, a Vida manifestou-se; nós vimo-la, dela damos testemunho (…) o que nós vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, 1ª João 1, 1-3. O testemunho pode ser mais ou menos plausível ou credível mas é sempre um testemunho e não uma prova científica; os destinatários, ou seja os que o presenciam, nunca ficarão totalmente convencidos pelo que aceitar, acreditar, ter fé será sempre uma opção, un passo em frente na escuridão.

    Depois, e só depois de se ter dado um passo no escuro é que se faz luz, se abre a porta e se começa a ver, a tocar e a sentir, a ter experiencia. Não é portanto “Ver para crer” como popularmente se diz, mas sim “Crer para ver”. Os que vêm já não precisam de acreditar; mas quem acredita, quem se arrisca a ter fé depois de alguma forma tem a experiencia a confirmação de que valeu a pena não foi defraudado.

    “Fides Quaerens Intellectum” dizia Sto Anselmo ou “Credo ut intelligam”. A fé precede, motiva e busca o conhecimento e não o contraio. Acredito para poder entender; é fé é a porta de entrada para novos conhecimentos e para uma forma nova de conhecer, quem por opção não dá esse passo está-lhe vetado esse conhecimento. Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes e as revelaste aos pequeninos. (Lucas 10,21)

    As coisas conhecem-se e depois gosta-se ou não se gosta delas; com as pessoas e com Deus é o oposto, o amor precede o conhecimento: primeiro ama-se só depois se conhece, porque amar é implicar-se com o outro; a mais amor mais conhecimento a mais e vice-versa. Quem quer conhecer sem se dar a conhecer está mal-intencionado. É contra isto que a quadra popular diz: Ninguém descubra o seu peito/ por maior que seja a dor/ porque quem o seu peito descobre/ de si mesmo é traidor.

    Quando era pequeno depois de vibrar com as liturgias da semana santa sobretudo com o tríduo pascal, ficava aborrecido com Jesus ressuscitado; achava que ele se deveria manifestar como vivo a Anás e Caifás, a Pilatos e a Herodes e a todos os que gritaram crucifica-o para desmascarar o seu erro. Só mais tarde me dei conta que Jesus só apareceu, só se revelou aos que o amavam a começar pelos que mais o amavam Maria Madalena e os seus discípulos.

    A fé é a porta, é o caminho, é o processo que leva a ter uma experiência de Deus e também a ter uma experiencia com os humanos; uma vez chegados a ter essa experiencia não precisamos mais dela. A fé é o foguetão que vencendo a potente força da gravidade, ou seja a razão, nos coloca na orbita de Deus; uma vez em orbita é a força gravitacional Dele que nos move e não precisamos de mais nenhum foguetão.

    Naquele dia o mestre limitou-se a dizer: Não faço outra coisa que estar sentado na margem a vender-vos água do rio; vós comprais porque não vedes o rio mas o dia que o virdes já não precisareis de comprar.

    A pregação do missionário suscita a fé. Esta coloca-nos no comboio que naturalmente, se não o descarrilarmos, nos leva a um conhecimento de Deus, na pessoa de Cristo, e a manter com Ele uma relação íntima de amor. Uma vez chegados aqui sobram a pregação e a fé. É desta experiência de ter visto e convivido com Cristo morto e ressuscitado que os apóstolos falam, não da sua fé. (1 João 1, 1-4).

    Por sua vez Karl Rahner diz que o cristão do futuro ou é um místico ou não é cristão. Não se é cristão por ter ouvido a palavra de Cristo nem sequer por praticar a sua doutrina; é-se cristão quando se vive em íntima união simbiótica com Cristo ao ponto de poder dizer como São Paulo: Já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim. Gálatas 2,20
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    15 de junho de 2013

    Fé & Razão

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    Se a Razão é a capacidade de ver, compreender e aceitar a verdade material evidente, que é fisicamente observável e que muitas vezes pode ser expressa ou quantificada matematicamente, a fé é a capacidade para ver, compreender e aceitar verdades não materiais, mas não menos evidentes, para além do fisicamente observável, não matematicamente expressável ou quantificável.

    A fé e a razão não são dois conceitos opostos e irreconciliáveis, como o sim e o não, o branco e o preto, a mentira e a verdade. Anthony Kenny define a razão como a média entre o cepticismo e a credulidade, ou seja, o equilíbrio ideal entre a crença inadequada e a dúvida inadequada.

    Tal como a fé, que para ser humana deve fugir da irracionalidade e ser razoável; a razão deve fugir da pretensão de ser "pau para toda a colher", ou seja, de ser a única via para o conhecimento. Parafraseando Pascal, a fé tem razões que a razão não conhece. Se a fé, sem a razão, é cega, a razão, sem a fé, não é menos cega; as duas são importantes para o conhecimento.

    Historicamente ao longo do tempo a razão constitui-se e institui-se em ciência, que é o processo de determinar o comportamento da matéria ou do universo usando a observação, a experimentação e a razão. Historicamente a fé constitui-se e institui-se em religião, que é um sistema organizado de crenças, ideias ou respostas sobre a causa, natureza e finalidade do universo que não são nem podem ser objecto de ciência.

    O ateísmo também é uma crença e menos científica
    A Religião contém, em si, a fé de que Deus eterno criou a matéria (o universo) — uma crença sobrenatural, não baseada na observação directa, que antecedeu o Big Bang. O Ateísmo contém, em si, a fé de que a matéria (o universo) é eterno e não criado; uma crença sobrenatural que, da mesma forma, não pode ser baseada na observação directa pois o observador, o homem, não existia nessa altura.

    A ciência não consegue provar como errada a crença de que Deus antecedeu o Big Bang e está na origem do Universo. Ao contrário a crença ateia, de que o universo sempre existiu e se criou a si mesmo, viola a lei de Einstein da conservação de Matéria/Energia (EMC2), a primeira lei da termodinâmica, segundo a qual a matéria pode ser convertida em energia e vice-versa, mas nem a matéria nem a energia podem criar-se a si mesmas. A crença ateia de que o universo é eterno e sempre existirá viola a segunda lei da termodinâmica, a chamada lei da degradação, segundo a qual a transformação de matéria em energia não é possível sem a deterioração ou desgaste irreversível da primeira; pelo que podemos concluir, cientificamente, que o universo acabará quando tiver gasto toda a sua energia.

    Deixando de parte o facto de que um dia não precisaremos de fé pois veremos a Deus face a face; ainda neste mundo, o conhecimento científico pode aumentar e ficar a um passo de provar de uma forma irrefutável a existência de Deus. Ao passo que a fé ateia, num universo não criado e eterno, permanecerá sempre uma crença pois nunca teremos conhecimento científico da origem de um universo eterno não criado, já que nenhuma pessoa existia ou poderia estar presente para observar o início de um universo sem começo.

    A fé a e a razão no dia-a-dia
    Nem só de religião vive a fé nem só de ciência vive a razão. Fé e razão fazem parte e precisamos delas no nosso dia-a-dia. Praticamente todos os actos contêm um pouco de razão e um pouco de fé. Na nossa vida, a razão analisa, a fé decide; sem a razão decidiríamos prematuramente e faríamos mais erros do que os que já fazemos; sem a fé nunca chegaríamos a decidir, a arriscar uma solução aos nossos problemas, pois sempre pensaríamos que algo pode ter escapado à nossa análise e cairíamos num imobilismo.

    Quando aceito um cheque por um serviço prestado acredito que tem cobertura, seria indelicado e poderia perder um amigo se o recusasse. Quando subo a um avião, acredito que os polícias fizeram um bom trabalho no sentido de evitar que alguém colocasse uma bomba na bagagem e acredito que os pilotos estejam bem preparados e intencionados. Quando me sento para comer, num restaurante, confio que a comida esteja em boas condições e não exijo que seja analisada em laboratório antes de a consumir; é a falta de fé e o medo ao envenenamento que faz como que na Etiópia a cozinheira sempre prove a comida à frente dos convidados.

    Quando me uno a uma mulher em casamento, acredito que vai dar certo, que será para toda a vida. Quando solicito um empréstimo bancário por mais que o banco analise a minha situação financeira, se eventualmente me concede o crédito pedido é porque tem fé que um dia o devolverei com juros. O cartão de crédito é, ao fim e ao cabo, um cartão de fé, e funciona na base desta; fala-se da fé nos mercados como se fala na fé em Deus. Em suma, a fé não é só a moeda de troca entre nós e Deus mas, é também, a moeda de troca entre nós próprios e os outros.

    Como o Homem não é objecto da ciência, na vida do dia-a-dia não há certezas só há probabilidades. Tal como a razão, a fé é essencial nas relações humanas para o entendimento entre as pessoas. É com base na confiança, que as pessoas têm umas pelas outras, que as promessas e os compromissos são feitos e aceites.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    1 de junho de 2013

    A Fé como Opção

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    Escolhei hoje aquele a quem quereis servir: os deuses a quem vossos pais serviram, do outro lado do rio, ou os deuses dos Amorreus cuja terra ocupastes, porque eu e a minha casa serviremos o Senhor. Josué 24, 15

    Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. João 3, 17-19

    Dom versus opção
    Há dois anos em Loriga, depois da romaria ao cemitério no dia 1 de Novembro e ainda no cemitério, estive à conversa com um conterrâneo que dizia: “…vocês os que acreditam sentem-se consolados pela fé, nós os não crentes não temos esse consolo…”. Mais tarde outra pessoa amiga também me dizia: “…que queres que te faça não consigo acreditar…”.

    É frequente referirmo-nos à fé como um dom de Deus. São Paulo diz, é o Espirito que dentro de nós clama Abbá, ó Pai (Rom. 8,15). Jesus diz que foi Ele que nos escolheu e não nós a Ele (João 15, 16). Se a fé é um dom de Deus porque é que uns a têm e outros não? É acaso Deus injusto, que a uns dá a fé e a outros não? Então é a fé um dom ou uma opção, ou é as duas coisas?

    Tudo parte de Deus, a iniciativa é dele por isso a fé é dom; mas o dom não tem efeito sem a nossa resposta sem o nosso assentimento, por isso a fé também é opção. Somos salvos gratuitamente pela graça de Deus, por intermédio da fé. A fé é a nossa resposta à graça salvífica de Deus.

    Neste sentido a fé é um bilhete de ida e volta; é como uma carta, que Deus nos envia, registada e com aviso de recepção, o qual requer que eu aceite a carta e assine o documento que a acompanha. A fé é como um cheque em branco que Deus assina e me envia; para que este cheque tenha valor, ou me sirva de algo, eu tenho que escrever nele uma quantia de dinheiro.

    A salvação é um dom gratuito de Deus, a fé nessa salvação é uma escolha livre do homem. Alguém disse que Deus alimenta as aves do céu, mas não lhes vai colocar a comida no ninho, elas têm de sair para a ir buscar.

    Na manhã do Domingo os dois viram o sepulcro vazio, Maria Madalena e o apóstolo João; a primeira viu e pensou que tinham roubado o corpo do Senhor, o segundo viu e acreditou que Jesus tinha ressuscitado dos mortos.

    Jesus censura e acusa a falta de fé das pessoas da sua geração (Mateus 17,17, Marcos 6,6, Lucas 24,25) assim como a dos seus discípulos (Marcos 16, 14). Se a fé não fosse uma opção, e fosse só um dom de Deus, não haveria razão para tal censura.

    Jesus, amargurado porque os fariseus não quiseram acreditar, nem em João Baptista, nem nele próprio, chora sobre Jerusalém e condena as cidades, onde mais milagres foram feitos e nem assim acreditaram; por fim louva os pequenos e os humildes, porque ao contraio dos sábios, acreditaram e aceitaram a sua mensagem. Mateus 11, 16, 27.

    A fé é um Obséquio razoável
    Razoável não racional. Se Deus existe é o Criador de tudo e de todos; como criaturas que somos não é lógico que a nossa mente possa abarcar a mente de Deus; que a parte possa compreender o todo. Deus não pode ser nunca objecto da ciência aliás nem o Homem o é. Por outro lado o mistério não envolve só Deus e o Homem é comum a todas as áreas do saber. Nenhuma ciência ou área do saber, pode vangloriar-se de já ter descoberto tudo o que há para conhecer no seu campo; quanto mais se sabe mais se pode saber; por isso o verdadeiro sábio se considera ignorante; Nicolau de Cusa chamava-lhe a douta ignorância: de frente à imensidade do que há para ser conhecido, só sei que nada sei.

    Como a define o concílio Vaticano I, a fé é um obséquio razoável; razoável porque, enquanto a vida dos outros seres vivos que connosco habitam este planeta é regulada pelo instinto, nós, descendentes do Homo Sapiens regulamos a nossa pela razão; hoje apesar, ou precisamente por causa, dos avanços da ciência é mais lógico, mais plausível, mais humanamente credível a existência de Deus que a sua não existência.

    Para além de ser razoável a fé é também um obséquio porque nunca poderá ser provada, nunca será uma conclusão científica, será sempre um passo no escuro e no vazio, uma decisão. Depois de minimamente satisfeitas as exigências da razão, a fé é uma opção; uns dão o passo para além do que pode ser conhecido; outros não arriscam, excessivamente cautos, esperam que a razão lhes encha as medidas e responda a todas as suas questões o que nunca acontece nem vai acontecer.

    (…) O rico insistiu: 'Peço-te, pai Abraão, que envies Lázaro à casa do meu pai, pois tenho cinco irmãos; que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.' Disse-lhe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!' Replicou-lhe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrepender-se.' Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.'» Lucas 16, 27-31

    Ninguém pode culpar a Deus por não lhe ter dado o dom da fé. Só não acredita quem é orgulhoso e idolatriza a razão; só não acredita quem não quer dar o passo no desconhecido para além da razão; só não petisca quem não arrisca; só não acredita quem não quer.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    15 de maio de 2013

    Do Testemundo à Fé - "Vós sois a Luz do Mundo"

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    Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu. Mateus 5, 14-16

    A luz serve para ver – A luz revela a verdade das coisas pois mostra-as tal qual elas são; a sua verdadeira cor, textura e forma. Sem luz, na escuridão, nada se vê, nada tem cor, nada tem forma. O cristão que segue o seu mestre, que é caminho verdade e vida, também se transforma em verdade andante, caminho e vida. O cristão que o é verdadeiramente vive com sentido, é ponto de referência modelo a seguir, dedo apontado para a verdade porque a encarna e vive.

    A luz serve para ser visto – Um cego foi convidado para jantar na casa de um amigo; depois do jantar, como era já noite, deu-lhe uma candeia para voltar para sua casa, o cego riu-se em tom de troça: não vês que sou cego para que me serve a candeia? Leva-a, insistiu o amigo. E ele assim fez. Quando, indo pelo caminho, já estava longe da casa alguém foi contra o cego e este, entendendo a razão da candeia, gritou; não viste a minha candeia? Não, não te vi, por isso choquei contigo, mas vejo agora que de facto tens uma candeia, porem está apagada.

    Quando há falta de visibilidade, por causa da chuva ou por ser o princípio ou o fim do dia muitos automobilistas não ligam as luzes, porque, dizem eles, ainda conseguem ver; esquecem-se que as luzes também servem para serem vistos. Quando, dizendo-nos cristãos, não encarnamos a palavra de Deus, somos uma luz apagada que não além de não mostrar o caminho constitui-se em “pedra de tropeço” que é o significado da palavra escândalo em grego.

    A luz expõe o mal – (…) a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más (João 3, 19). Neste sentido, a luz tem a mesma capacidade de denúncia e de anti corrupção que o sal. É no escuro, na calada da noite, em segredo que se fazem os piores males deste mundo. Expor estas injustiças é tarefa do cristão, ainda que difícil e arriscada; se ninguém o faz as trevas infestam toda a sociedade que se transforma numa máfia; “onde não entra o sol entra o medico” diz o povo.

    A luz deve brilhar- No diálogo de Jesus com a Samaritana, esta pergunta a Jesus onde se deve adorar a Deus, no templo de Jerusalém ou no monte da Samaria. Jesus responde que Deus se adora em todo lugar, e porque é Espirito, em espirito e verdade se há-de adorar. Sem deixar de frequentar a Sinagoga e o Templo a maior parte do seu ministério desenvolveu-se na rua, na vida. O mesmo aconteceu nos primeiros 5 séculos da Igreja; a Palavra era pregada nas praças públicas ou passada de pessoa a pessoa pelo seu testemunho; a eucaristia era celebrada nas casas das pessoas. O culto estava na vida e a vida estava no culto.

    Com a construção de templos, depois do emperador Constantino, o culto e a vida separaram-se. Hoje temos vida sem culto, os que se dizem católicos não praticantes, e culto sem vida, os que praticam a religião mas só na Igreja, cá fora são iguais ou piores que os outros. Hoje a única luz que brilha é a lâmpada do santíssimo, só na Igreja claro.

    Brilhe a vossa luz diante dos homens… Estamos chamados a ser a luz do mundo, não a luz do templo; não uma luz que se coloca debaixo do alqueire, mas sim uma luz que está no cimo do monte onde se avista mais mundo. Como alguém dizia: “A Fé ou se apega ou se apaga”; a fé ou se dá ou se perde; a fé só se tem quando se dá.

    Cristo é o Sol, nós somos a Lua - Toda a luz vem do Sol. Cristo é o sol das nossas vidas que nos guia, nos ilumina e nos aquece. Nós como discípulos, ou planetas, giramos à sua volta, captando a sua luz que logo, como a lua, reflectimos para iluminar o mundo que anda nas trevas. O cristão é de facto como a lua nas suas diferentes fases:

    Quarto Minguante - o que pouco a pouco abandona a oração, a prática dos sacramentos, sobretudo a Eucaristia, vê a sua luz ir perdendo intensidade, arriscando apagar-se por completo.

    Lua Nova - O que já colocou de parte a oração, a leitura, a escuta da Palavra de Deus e a prática dos sacramentos, já não é iluminado por Cristo nem ilumina; é um buraco negro, o chamado católico não praticante. Sem a orientação da palavra de Deus o católico facilmente se deixa levar pelas filosofias deste mundo.

    Quarto crescente - O que se esforça por encarnar a Palavra de Deus e faz corpo com os outros cristãos, sendo célula do corpo místico de Cristo; cresce como pessoa na fé e na maturidade humana.

    Lua Cheia – O que apesar de ter ainda zonas sombrias na sua vida (em referencia às grandes crateras da lua) fundamentalmente vive por Cristo, e como disse São Paulo de si mesmo, “já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”. A sua vida é um farol para os outros; é um Cristo vivente.

    “O amor é como a lua, quando não cresce mingua”. A fé é exactamente a mesma coisa ou aumenta ou diminui, nunca permanece estática porque neste mundo não há nada estático. Sempre se disse que "o que não se usa se atrofia" a fé aumenta quando se usa na vida quando é motor da nossa vida; diminui chegando a atrofiar-se quando na vida do ia a dia não se faz uso dela quando não inspira e motiva actos e gera atitudes.

    Quando assim vivemos a nossa fé, damos verdadeiramente testemunho de Cristo, somos sal da terra e luz do mundo e assim fazemos uma evangelização silenciosa pois leva à fé muitos dos que nos vêm e convivem connosco.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    1 de maio de 2013

    Do Testemunho à Fé: "Vós sois o Sal da terra"

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    Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. Mateus 5, 13

    Pertencemos a uma Igreja que padece de verborreia, quando o seu fundador era uma Palavra encarnada. É sintomático que Jesus tenha comparado os seus discípulos com o sal e com a luz, cuja acção se desenvolve no silêncio. Quem entendeu isto foi Francisco de Assis ao afirmar: “Em todo o tempo e lugar prega o evangelho e quando for necessário usa palavras”. O evangelho encarnado faz melhor serviço à evangelização que o evangelho proclamado, porque as obras substituem as palavras; as palavras não só não substituem as obras como são desautorizadas pela ausência destas, ou por obras contrárias às palavras; as obras podem não precisar das palavras, mas as palavras sempre precisam das obras.

    Poderíamos descarregar toneladas de bíblias, no centro de um continente bem povoado, que só por elas nem uma só pessoa se converteria ao cristianismo. Também poderíamos pregar aos quatro ventos a Palavra de Deus que pouco mais conseguiríamos, pois, “as palavras leva-as o vento”. A própria Palavra de Deus, depois de ser proferida por tantos profetas, teve de encarnar para se fazer credível.

    O cristianismo propaga-se pelo contacto humano, pelo testemunho de vida. “Vede como se amam”, diziam os romanos observando o talento individual e social dos primeiros cristãos. Diz-se que a educação das crianças é aérea; o que é educativo não são tanto os conselhos ou mesmo as obras que os pais fazem ante as crianças, mas o seu comportamento diário e o ambiente que criam no lar; a forma de reagir ante as situações. O mesmo se passa com a evangelização, o que suscita a fé é o testemunho silencioso da nossa vida do dia-a-dia, por essa razão Jesus exortou os seus discípulos a ser sal e luz.

    O sal derrete a neve – Nas cidades, em que a neve é uma constante no Inverno, é o sal que permite que as ruas permaneçam abertas ao tráfico. O cristão que é sal ajuda a reestabelecer a comunicação entre pessoas de relações cortadas; é pacifista nos conflitos. Lembremos o embate do Titanic contra um Iceberg, as avalanches de neve que sepultam pessoas vivas; a água em estado sólido está mais ao serviço do mal e da morte que da vida. Só em estado liquido a água é fonte de vida, pois só nesse estado pode ser absorvida pelos seres vivos e fazer parte integrante deles. O sal derrete o gelo, que faz escorregar as pessoas, e mantém a água em estado liquido; o cristão que é sal, desfaz as ratoeiras, as armadilhas, as intrigas e os planos que os malvados tecem para fazer cair os seus semelhantes.

    O sal fixa a água no organismo – A água e o sal estão juntos; o mar é o grande reservatório dos dois. Sem sal no nosso organismo depressa nos desidrataríamos; de facto, os saquinhos de sais de reidratação eram a primeira coisa que dávamos em África a pessoas que facilmente se desidratavam, com as altas febres que a malaria ocasiona. Tal como a água é o princípio da vida física, a água do Baptismo é o princípio da vida cristã; o cristão que é sal permanece fiel às promessas do Baptismo. No antigo ritual do baptismo o sal era usado; com o baptismo formamos parte dos redimidos, dos que possuem a água que jorra até à vida eterna. Sem o sal foge-nos esta água.

    O sal conserva e preserva – O sal conserva a carne e o peixe; nos tempos em que não havia refrigeração esta era a forma de evitar a corrupção. O cristão, que é sal, evita a corrupção no tecido social das famílias, instituições, empresas, organizações, governos, clubs etc. Nas instituições onde há cristãos autênticos não há degradação nem corrupção.

    No âmbito da biologia quando se abre uma ferida o corpo pode ser invadido por vírus, germes e bactérias prejudiciais à saúde; o sal tem o poder de matar muitos desses agentes nocivos. Analogamente no tecido social, no âmbito das instituições, empresas e clubes, há situações que podem dar aso a que alguém prevarique. Os ladrões não nascem como tal, como diz o povo “A situação faz o ladrão”. A presença de cristãos numa instituição tem o mesmo efeito dissuasor que as penas no sistema judicial.

    O sal dá sabor – Tal como o sal dá sabor à comida; assim o cristão dá sentido à vida humana. Só Cristo responde com logica às três perguntas que todo ser humano, que vem a este mundo, se faz. De onde vimos, para onde vamos e que sentido tem a vida: sem Cristo a vida humana não tem sentido, não tem sabor não te objectivo.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    15 de abril de 2013

    O Realismo da Ressurreição

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    Nós acreditamos e por isso falamos, sabendo que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus, também nos há-de ressuscitar com Jesus, e nos fará comparecer diante dele junto de vós. (…) Por isso, não desfalecemos, e mesmo se, em nós, o homem exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se, dia após dia. (…) Não olhamos para as coisas visíveis, mas para as invisíveis, porque as visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas. 2 Coríntios 4: 14, 16, 18

    Antropologia hebraica e antropologia grega
    A ideia de que a alma é imortal e está destinada à eternidade e de que o corpo, que esta encarna durante um tempo, é mortal e como tal está destinado a desaparecer, tem que ver com a antropologia dualista grega e nada que ver com o pensamento bíblico.

    Na antropologia hebraica e bíblica nem a alma é imortal nem o corpo é mortal. No nosso ser, a dimensão corporal e espiritual formam um todo indivisível. Se durante a nossa vida terrena o corpo tem uma alma que o anima; na nossa vida depois da morte, a alma tem um corpo que lhe dá forma; um corpo que não é físico mas sim espiritual; com a mesma forma, mas não a mesma natureza.

    A matéria visível é feita de coisas invisíveis
    Sempre demos por suposto que a matéria é visível e o espírito invisível; na realidade não é assim. A Física quântica dos nossos tempos, que destronou para sempre a física mecanicista e materialista de Newton, diz-nos que a realidade visível é constituída por realidades invisíveis. O átomo, considerado como o "tijolo" de construção da matéria, é invisível e é constituído por um electrão sempre em movimento, dentro de uma nebulosa, cujo centro é composto por neutrões e protões; estes por sua vez são constituídos por quarks, que por sua vez são ainda constituídos pela partícula mais elementar descoberta recentemente e apelidada "a partícula de Deus". Com isto podemos concluir que definições simplistas como: a matéria é visível e o espírito é invisível não têm nada que ver com a física dos nossos dias.

    A metáfora da água
    A água, sem em nenhum momento deixar de ser o que é, existe na natureza em três estados diferentes: sólido, líquido e gasoso. No estado gasoso a água, não perdendo nada do que a caracteriza na sua essência, existe de uma forma intangível e invisível.

    Como a água, que sem deixar de ser o que é na sua essência pode existir de uma forma intocável e não visível, assim nós, como pessoas, podemos existir também de uma forma invisível e intangível no nosso corpo espiritual, que substitui o nosso corpo físico depois da morte. O nosso corpo físico é a nossa forma de ser e de estar no tempo e no espaço; o nosso corpo espiritual será a nossa forma de ser e existir para além do tempo e do espaço.

    Voltando à nossa analogia, a água em estado sólido e gasoso é como se estivesse no limbo pois está em estado puro. Mas ela só é princípio de vida quando existe em estado líquido, não pura mas, potável. Quando o vapor de água se condensa, em forma de chuva ou de orvalho, penetra na mãe terra, e depois de adquirir um “corpo físico” formado pelos sais minerais que a compõem nasce da terra, por isso se chama "nascente de água".

    Os sais minerais são o corpo físico da água, pois a transformam de pura em potável e a fixam no interior de todo organismo vivo. A água pura, sem os sais minerais, não é princípio de vida porque, não conseguindo retê-la em estado puro, com ela, os seres vivos se desidratariam e morreriam.

    Quando a água se evapora, larga os sais minerais que eram a sua forma de ser e estar neste mundo e, volta a existir em estado puro. A evaporação da água é como a nossa morte; tal como a água, que não precisa dos sais minerais para ser água, nós não precisamos do nosso corpo físico para ser o que somos, filhos de Deus; não é portanto, o nosso corpo físico que nos identifica ante Deus mas sim o nosso corpo espiritual.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    31 de março de 2013

    Ressureição ou Reencarnação?

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    Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual. 1 Cor 15, 42-44

    A reincarnação é um conceito, hinduísta e budista, que a New Age se encarregou de difundir no mundo ocidental cristão. O pensamento frágil, e tantas vezes incongruente, do homem de hoje fascinado com a possibilidade de ter sete vidas, como o gato, assimilou este conceito acriticamente. É frequente encontrar cristãos, que tanto acreditam na ressurreição como na reincarnação, sem se darem conta que os dois conceitos se auto-excluem.

    Como tudo, o que é autenticamente humano, a fé sempre escapará à lupa do método científico de conhecimento; o homem não é objecto de ciência. No entanto, para não degradar em pura superstição, a fé tem de estar casada com a razão. A superstição é irracional, a fé, não sendo racional, é pelo menos razoável, plausível, deve fazer sentido. Façamos o teste da razão a ambos os conceitos:

    Reencarnação – Como na filosofia grega para os orientais a alma é eterna, existe antes e é independente do corpo que encarna. Num processo ascendente rumo à perfeição, cada vida, cada corpo, que a alma encarna, é uma oportunidade para progredir rumo à perfeição, encarnando sucessivamente em formas de vida superiores e cada vez mais perfeitas. Ao contrário, quando a alma se porta mal regride, ou seja reincarna, na vida seguinte, numa forma inferior de existência que pode até ser um animal, uma vaca por exemplo.

    Astronomia – A reincarnação, parece supor que o mundo sempre existiu e sempre existirá; mas a astronomia actual diz que o mundo começou a existir com um Big Bang e deixará um dia de existir, quando o universo tiver gasto toda a sua energia

    Demografia – A reincarnação para ser possível supõe um planeta com a mesma população ao longo dos tempos. A demografia diz-nos que o homem começou a habitar neste planeta há 5 milhões de anos; calcula-se que a população mundial no tempo de Jesus fosse de 300 milhões de pessoas, agora somos 7 mil milhões.

    Evolução das Espécies – A vida começou com um ser unicelular que se foi diversificando e progredindo, para espécies sempre superiores e mais inteligentes até chegar ao ser humano. A ciência da evolução das espécies não conhece nenhuma regressão. Entre nós e os animais há milhões de anos de evolução que não são reversíveis.

    Genética – A combinação dos genes, no código genético de cada ser vivo, é única e irrepetível na história da vida deste planeta; parte da dignidade humana deve-se a este facto. Não faz sentido que uma alma possua um código genético, por cada vida que vive, nem faz sentido que vários corpos da mesma alma possuam um mesmo código genético.

    Regressão – Como explicar então certas terapias, que levam a pessoa a regredir e a conhecer o que foi noutra vida e que tipo de pessoa era? Se há alguma verdade neste fenómeno, poderia ser explicado pela noção de “inconsciente colectivo”, proposto por Carl Jung, discípulo de Freud. As pessoas não regrediriam então a outras vidas que tiveram mas sim, pela meditação e técnica de regressão, se conectariam a materiais psíquicos, que não provêm da experiência pessoal, e que se encontram no que Jung chama “inconsciente colectivo”; este é a uma espécie de base de dados, de herança e património de toda a humanidade, que contem tudo o que o ser humano é e fez ao longo da sua Historia.

    Ressurreição – Este conceito não deve satisfações ou explicações a nenhuma das ciências descritas, anteriormente, pois não está em conflito com nenhuma delas. No pensamento judeo-cristão a alma não é eterna e está intrinsecamente unida, e para sempre, a um corpo; não existem corpos sem alma, nem almas sem corpos.

    Pela Graça de Deus cada ser humano é naturalmente candidato à vida eterna, sendo todo o seu ser, corpo e alma transformado numa forma imortal de existência, o corpo espiritual ou glorioso (1 Cor 15, 42-44). Os que respondem negativamente à graça de Deus, negando-a nas suas vidas e vivendo de costas para Ele, estão, provavelmente, a auto candidatar-se à morte eterna, ou seja, ao regresso ao nada, de onde Deus criou tudo.
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    15 de março de 2013

    A Morte não existe

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    Senhor padre há uma coisa que não entendo; quando eu morrer, o meu corpo vai par a terra, a minha alma vai para o céu e eu? Para onde vou eu?

    A morte não deveria preocupar-nos pois nunca coincidiremos; enquanto nós existirmos ela não existirá; quando ela existir não existiremos nós. Karl Marx

    Com diz a lei de Lavoisier, na natureza nada se perde tudo se transforma. Em contínuo devir, nada permanece igual. Morte e vida são parte de um mesmo processo, não há vida sem morte nem morte sem vida. A morte não é um estado, em que se possa encontrar um ser vivo, mas sim a passagem de uma forma de vida para outra forma de vida. A morte é o meio, pelo qual a vida se diversifica e progride na evolução das espécies.

    Cresce a erva verde dos campos até ao dia em que a gazela a come; a erva não morreu, progrediu e mudou de forma, transformou-se em gazela. A gazela pula e salta pelas ravinas, bebe água nos ribeiros e passeia pelos bosques até ao dia em que é comida pelo leão; ela não morreu, foi absorvida e assumida pelo corpo do leão. O leão como não tem predadores, morre de velho ou nalguma luta de supremacia de machos, os seus restos mortais são comidos pelas hienas e os abutres e o que resta, é comido pelas formigas e vermes que, por sua vez, ao morrer fecundam a terra onde volta a crescer a erva.

    Aparentemente, tanto vale a vida como a morte pois nenhuma permanece, ambas se sucedem sucessivamente sem cessar. No entanto, se observarmos mais detalhadamente, damo-nos conta que não é assim. Apesar de serem duas partes ou etapas de um mesmo processo, a vida e a morte não estão em pé de igualdade; pelo contrário a vida está num plano superior porque não existe em função da morte mas a morte sim existe em função da vida. Não é portanto verdade o que diz o filósofo Heidegger: “Somos um ser para a morte”. A erva viveu durante meses antes de morrer; assim mesmo a gazela e o leão viveram durante anos antes de morrer; a morte foi um momento a vida foi anos; a morte foi uma passagem a vida é uma constante, somos portanto um ser para a vida.

    O mesmo processo de vida-morte-vida, que acontece entre os seres vivos na cadeia alimentar, acontece no interior de cada ser vivo. O nossos corpo é formado por 100 trilhões de células; cada uma delas comporta-se como se fosse um ser vivo seguindo as regras que regem a vida neste planeta, ou seja, nascem crescem reproduzem-se e morrem (curiosamente só as células cancerígenas se recusam morrer); é desta forma que se explica o crescimento a transformação e envelhecimento do nosso corpo; cada 5 anos possuímos um corpo biologicamente novo.

    A maturidade psicológica, que segundo Freud se dá na passagem do princípio do prazer para o princípio da realidade, também implica e supõe a morte. O mesmo, se pode dizer, para a maturidade espiritual: “Quem quiser salvar a sua vida há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá-la”. Lucas 9, 24   

    Como o leão que não tem predadores, está no topo da sua cadeia alimentar e é o rei da selva, o Homem é o rei da criação. Páscoa significa passagem; a nossa morte ou a nossa Páscoa é semelhante à de Cristo. A passagem de uma forma de vida, espácio-temporal, para uma vida na eternidade de Deus, na qual não seremos apenas uma alma mas, como Cristo, possuiremos um corpo espiritual, um corpo glorioso. Por isso não desfalecemos, pois “Bem sabemos que, quando esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos Céus uma habitação eterna, construída por Deus e não pelos homens“ (2ª Coríntios 5, 1).
    Pe. Jorge Amaro, IMC

    1 de março de 2013

    O Jejum é para a vida o que o zero é para a matemática

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    Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, (…) Quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo (…) Quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto… Mateus 6, 3, 6, 18

    Se orar é a nossa atitude para com Deus, é  dizer-lhe que O amamos sobre todas as coisas, sendo também a mais alta manifestação da nossa liberdade; se Dar esmola é a nossa atitude para com os outros, amando-os como nos amamos a nós mesmos, sendo esta a única garantia de igualdade e de justiça social, para que serve o Jejum?

    Tal como o Orar e o Dar esmola, o Jejum também é algo mais que privar-se de alimentos, refere-se à atitude que temos para connosco próprios. Já descrevemos os dois valores sobre os quais assenta a vida humana; a liberdade, na sua dimensão individual e a igualdade, na sua dimensão social.

    O jejum é como o zero ao serviço da matemática; foi a invenção do zero que fez possível a matemática, com a numeração romana, onde este não existe, a matemática não seria possível. Analogicamente é o Jejum que faz possível a igualdade e o amor ao próximo, assim como a liberdade e o amor a Deus.

    Jejum em sentido lato - Como posso afirmar na minha vida o outro, seja ele Deus ou o meu semelhante, se não me nego a mim mesmo? (Marcos 8, 34) Se não jejuo ao meu egocentrismo e renuncio ao engrandecer e inchar do meu ego privando-me de ter mais? Que vassalagem posso prestar a Deus se me considero senhor de mim mesmo?

    Como posso servir a Deus e ser livre se sirvo o dinheiro, (Mateus 6, 24) dei o meu coração às riquezas, ao poder, ao prazer? Se não me possuo, como posso dar-me ao Outro Deus ou ao outro meu semelhante? Como posso amar o próximo, e sentir-me igual a ele, se em vez de o servir, me sirvo dele? E como posso partilhar o que é meu, coisas, tempo e energias, se antes não renuncio a elas? Usando uma expressão muito actual no nosso país em crise, jejuar é cortar na despesa; é cortar na despesa que tenho comigo próprio, tempo, energias e recursos para poder dar e dar-me aos outros.

    Jejum em sentido restrito, ou seja privar-se de alimento – O jejum, ou dieta em linguagem médica, está para a saúde da alma como o desporto está para a saúde do corpo. Não fazemos vida do jejum pois não somos monges, nem fazemos vida do desporto pois não somos desportistas; mas a pratica moderada do jejum, potencia tanto a saúde da alma como a prática moderada de desporto potencia a saúde do corpo.

    O jejum e o desporto, assim entendidos, estão ao serviço da vida pois nos treinam para ela, concedendo-nos muitos benefícios. O desporto treina o corpo e a mente dando-lhe mais energia e saúde; o jejum, como privar-se de comer ou a abstinência como privar-se de certos alimentos, treinam a alma na arte e capacidade de negar-se a si mesmo, abnegação, autocontrole e força de vontade.

    Como, depois do respirar, o alimento é a necessidade mais indispensável que temos, privar-se dele custa muito; por isso mesmo constitui o melhor treino para conseguir jejuar em sentido lato, ou seja, fazer cortes ao EU para afirmar o TU, que é o que verdadeiramente importa.

    O jejum faz a pessoa animicamente mais forte e prepara-a para maiores sacrifícios e abnegações, o contrário também se verifica; aquele que não tem autocontrolo no consumo de alimentos e é guloso, dificilmente será uma pessoa que partilha, e é bem provável que também seja volúvel e ganancioso.

    Esaú perdeu a progenitura por um prato de lentilhas (Genesis 25, 29-34); que a gula, pecado que já ninguém confessa nesta sociedade de consumo, não nos leve a perder o corpo e a alma. Como diz o povo “o guloso escava a sepultura com os dentes” e “a avareza rompe o saco”
    Pe. Jorge Amaro, IMC